Maria João Marques
Vou-me abster de qualificar uma pessoa que
escreve assim sobre uma mãe que perdeu o filho naquelas circunstâncias
trágicas. De resto seria só mais um caso de ódio fulminante de uma tuiteira
socrática.
Recordam-se que na semana
passada escrevi sobre ódio ideológico?
Pois esta semana lá terei de continuar com o mesmo assunto.
Nádia Piazza (é ela o alvo do
ódio) perdeu um filho o ano passado. Naquele fim de semana (o primeiro, porque
houve reincidência) em que, apesar das previsões meteorológicas de temperaturas
altas e de ser conhecida a falta de chuva dos últimos anos, o nosso estimável
governo entendeu não reunir os meios suficientes para acudir aos previsíveis
incêndios florestais. (Percebe-se: havia que poupar dinheiro nestas minudências
para conseguir pagar às clientelas políticas da geringonça.) Isto depois de uma
mudança dos dirigentes da Proteção Civil, mesmo em cima da época dos fogos,
substituindo os anteriores por boys socialistas.
O resultado – está escrito a
ferro em brasa na história da geringonça – foram mais de 67 mortos, centenas de
feridos e incontáveis danos colaterais, materiais e sobretudo humanos – como a
perda desta mãe, Nádia Piazza, do seu filho de cinco anos. Mortandade que se
repetiu depois do verão, porque o iníquo governo PS atentou mais aos
tremeliques na sua popularidade que à prevenção de nova tragédia. E em outubro,
já terminados os contratos dos aviões para combate aos fogos, novamente com
temperaturas de canícula, encerrou-se a fase charlie e mais de quarenta pessoas
perderam a vida. Feridos, danos colaterais, etc.
Percebo que os cães de fila da
geringonça fujam como o diabo da cruz de (ou esperneiam desesperadamente com)
tudo o que esteja relacionado com as mortes de Pedrógão. Vejo bem que Nádia
Piazza é a personificação das vítimas da incompetência e negligência criminosa
do governo. Pelo que inevitavelmente desperta o ódio e o furor das tropas de
ataque do PS.
Mas nada disto torna
moralmente tolerável o ódio assolapado que ataca uma mulher que perdeu o filho
de cinco anos só porque a responsabilidade política dessa perda é do governo
esquerdista residente nos corações empedernidos de certa gente. Qualquer pessoa
decente, e com mínimos de empatia e resquícios de decência humana básica,
entende que está fora de questão atacar uma mãe que perdeu um filho de cinco
anos por esta se envolver politicamente.
Alguém com sistema ético
funcional compreende que a mãe de uma criança – que morreu numa estrada que
devia estar encerrada, no meio de uma gestão caótica de um incêndio florestal –
ganhou o direito (como se não o tivesse antes) de dizer e criticar o que
entender. Devemos a Nádia Piazza pelo menos o tributo de a ouvirmos (como de
resto, e é um dos meus princípios de vida, a todas as vítimas).
No entanto, há o ódio
ideológico e as pessoas que fazem dele negócio. No Twitter proliferaram.
Estrela Serrano [foto], por exemplo, que tem sido recompensada pelo PS pela sua defesa
feroz do indefensável (nunca se cansou da maravilha que foi José Sócrates, esta
senhora) e pelos seus ataques vis aos opositores dos socialistas, porventura
tomando os outros por si própria, escreveu o seguinte: ‘Cristas
anuncia que Nádia Piazza, presidente da Associação das Vítimas de Pedrógão está
a trabalhar no programa eleitoral do CDS. Agora compreendem-se melhor algumas
das suas posições e atitudes de culpabilização e de hostilidade ao governo.’
Imaginam o que vai na cabeça
de Serrano, não? Eu, de qualquer modo, ilustro. Nádia Piazza estava mais ou
menos na boa com a morte do filho. Foi coisa pouca. Por que diabo algo assim
lhe faria mossa? Mas, vai daí, viu na morte do filho uma oportunidade de ter
carreira política, quiçá enriquecer (ou viver de empréstimos de amigos,
alegadamente) como aquele ilustre político que faz as delícias de Serrano, e
deu em atacar o inocente governo a ver se algum partido reparava nela. E agora
saiu-lhe a sorte grande.
Vou-me abster, a custo, de
qualificar uma pessoa que escreve isto de uma mãe que perdeu o filho naquelas
circunstâncias trágicas. De resto seria só mais um caso de ódio fulminante de
uma tuiteira socrática, com gravidade q.b., não fora aparentemente o PS (que
nomeia Estrela Serrano para a RTP, ERC, Direção-Geral do Ressentimento, todo o
lado) valorizar esta estirpe de apoiantes. Que, além de tudo, é ignorante (pronto,
só este epíteto). Tornando assim esta senhora, portadora de ódio incurável,
suscetível de contaminar o organismo público onde exerce – atualmente o
Conselho de Opinião da RTP.
Transcrevo (e traduzo) aqui
umas frases de uma autora que muito aprecio, Judith Herman, psiquiatra e
académica de Harvard, do livro Trauma and Recovery. (Alguém com boa
vontade explique a Estrela Serrano que uma mãe perder um filho se pode
enquadrar no que geralmente se designa por trauma.)
‘Uma minoria significativa,
como resultado do trauma, é chamada para se envolver no mundo. Estes
sobreviventes reconhecem uma dimensão política ou religiosa no seu infortúnio e
descobrem que conseguem transformar o significado da sua tragédia pessoal
tornando-o base para a ação social. Apesar de não haver modo de compensar uma
atrocidade, há uma maneira de a transcender, fazendo-a uma oferta aos outros.
[…] Os sobreviventes podem focar as energias ajudando outros que foram
igualmente vitimizados, em esforços educacionais, legais ou políticos para
prevenir que outros sejam vitimizados no futuro […] Comum a todos estes
esforços é a dedicação para acordar a opinião pública.’
É fácil perceber que a vontade
– melhor: necessidade – de intervir de Nadia Piazza vem nos livros. É reles e
estulto não reconhecer a gênese deste ímpeto e, ao invés, acusá-la de cálculo
político.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador, 14-3-2018
Título e Texto: Maria João Marques, Observador, 14-3-2018
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