quinta-feira, 15 de março de 2018

Continuemos a falar de ódio

Maria João Marques

Vou-me abster de qualificar uma pessoa que escreve assim sobre uma mãe que perdeu o filho naquelas circunstâncias trágicas. De resto seria só mais um caso de ódio fulminante de uma tuiteira socrática.

Recordam-se que na semana passada escrevi sobre ódio ideológico? Pois esta semana lá terei de continuar com o mesmo assunto.

Nádia Piazza (é ela o alvo do ódio) perdeu um filho o ano passado. Naquele fim de semana (o primeiro, porque houve reincidência) em que, apesar das previsões meteorológicas de temperaturas altas e de ser conhecida a falta de chuva dos últimos anos, o nosso estimável governo entendeu não reunir os meios suficientes para acudir aos previsíveis incêndios florestais. (Percebe-se: havia que poupar dinheiro nestas minudências para conseguir pagar às clientelas políticas da geringonça.) Isto depois de uma mudança dos dirigentes da Proteção Civil, mesmo em cima da época dos fogos, substituindo os anteriores por boys socialistas.

O resultado – está escrito a ferro em brasa na história da geringonça – foram mais de 67 mortos, centenas de feridos e incontáveis danos colaterais, materiais e sobretudo humanos – como a perda desta mãe, Nádia Piazza, do seu filho de cinco anos. Mortandade que se repetiu depois do verão, porque o iníquo governo PS atentou mais aos tremeliques na sua popularidade que à prevenção de nova tragédia. E em outubro, já terminados os contratos dos aviões para combate aos fogos, novamente com temperaturas de canícula, encerrou-se a fase charlie e mais de quarenta pessoas perderam a vida. Feridos, danos colaterais, etc.

Percebo que os cães de fila da geringonça fujam como o diabo da cruz de (ou esperneiam desesperadamente com) tudo o que esteja relacionado com as mortes de Pedrógão. Vejo bem que Nádia Piazza é a personificação das vítimas da incompetência e negligência criminosa do governo. Pelo que inevitavelmente desperta o ódio e o furor das tropas de ataque do PS.

Mas nada disto torna moralmente tolerável o ódio assolapado que ataca uma mulher que perdeu o filho de cinco anos só porque a responsabilidade política dessa perda é do governo esquerdista residente nos corações empedernidos de certa gente. Qualquer pessoa decente, e com mínimos de empatia e resquícios de decência humana básica, entende que está fora de questão atacar uma mãe que perdeu um filho de cinco anos por esta se envolver politicamente.

Alguém com sistema ético funcional compreende que a mãe de uma criança – que morreu numa estrada que devia estar encerrada, no meio de uma gestão caótica de um incêndio florestal – ganhou o direito (como se não o tivesse antes) de dizer e criticar o que entender. Devemos a Nádia Piazza pelo menos o tributo de a ouvirmos (como de resto, e é um dos meus princípios de vida, a todas as vítimas).

No entanto, há o ódio ideológico e as pessoas que fazem dele negócio. No Twitter proliferaram. Estrela Serrano [foto], por exemplo, que tem sido recompensada pelo PS pela sua defesa feroz do indefensável (nunca se cansou da maravilha que foi José Sócrates, esta senhora) e pelos seus ataques vis aos opositores dos socialistas, porventura tomando os outros por si própria, escreveu o seguinte: ‘Cristas anuncia que Nádia Piazza, presidente da Associação das Vítimas de Pedrógão está a trabalhar no programa eleitoral do CDS. Agora compreendem-se melhor algumas das suas posições e atitudes de culpabilização e de hostilidade ao governo.

Imaginam o que vai na cabeça de Serrano, não? Eu, de qualquer modo, ilustro. Nádia Piazza estava mais ou menos na boa com a morte do filho. Foi coisa pouca. Por que diabo algo assim lhe faria mossa? Mas, vai daí, viu na morte do filho uma oportunidade de ter carreira política, quiçá enriquecer (ou viver de empréstimos de amigos, alegadamente) como aquele ilustre político que faz as delícias de Serrano, e deu em atacar o inocente governo a ver se algum partido reparava nela. E agora saiu-lhe a sorte grande.

Vou-me abster, a custo, de qualificar uma pessoa que escreve isto de uma mãe que perdeu o filho naquelas circunstâncias trágicas. De resto seria só mais um caso de ódio fulminante de uma tuiteira socrática, com gravidade q.b., não fora aparentemente o PS (que nomeia Estrela Serrano para a RTP, ERC, Direção-Geral do Ressentimento, todo o lado) valorizar esta estirpe de apoiantes. Que, além de tudo, é ignorante (pronto, só este epíteto). Tornando assim esta senhora, portadora de ódio incurável, suscetível de contaminar o organismo público onde exerce – atualmente o Conselho de Opinião da RTP.

Transcrevo (e traduzo) aqui umas frases de uma autora que muito aprecio, Judith Herman, psiquiatra e académica de Harvard, do livro Trauma and Recovery. (Alguém com boa vontade explique a Estrela Serrano que uma mãe perder um filho se pode enquadrar no que geralmente se designa por trauma.)

‘Uma minoria significativa, como resultado do trauma, é chamada para se envolver no mundo. Estes sobreviventes reconhecem uma dimensão política ou religiosa no seu infortúnio e descobrem que conseguem transformar o significado da sua tragédia pessoal tornando-o base para a ação social. Apesar de não haver modo de compensar uma atrocidade, há uma maneira de a transcender, fazendo-a uma oferta aos outros. […] Os sobreviventes podem focar as energias ajudando outros que foram igualmente vitimizados, em esforços educacionais, legais ou políticos para prevenir que outros sejam vitimizados no futuro […] Comum a todos estes esforços é a dedicação para acordar a opinião pública.’

É fácil perceber que a vontade – melhor: necessidade – de intervir de Nadia Piazza vem nos livros. É reles e estulto não reconhecer a gênese deste ímpeto e, ao invés, acusá-la de cálculo político.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador, 14-3-2018

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