Paulo Zua
José Eduardo dos Santos e João Lourenço |
Do ponto de vista
jurídico-constitucional, é claro que – desde o fim do socialismo e do conceito
marxista do partido-Estado – o presidente do MPLA não detém qualquer poder
legal soberano. Pelo menos na letra da lei, o MPLA não equivale ao Partido
Comunista da China ou da velha União Soviética. O MPLA está integrado num
sistema formalmente multipartidário. O seu poder depende da representação que
tem nos órgãos de soberania, designadamente na Presidência da República e na
Assembleia Nacional. É neste último ponto que alguns estribam as suas
afirmações sobre a bicefalia, afirmando que o presidente do MPLA manda nos
deputados. Deste ponto de vista, haveria dois poderes paralelos: o presidente
da República e os deputados comandados pelo presidente do partido na Assembleia
Nacional.
Ora, até que ponto os
deputados à Assembleia Nacional estão de facto sob a batuta de José Eduardo dos
Santos? Até onde, neste momento, os deputados lhe obedecerão? Atrevemo-nos a
dizer que não mais de dez deputados obedecerão incondicionalmente a JES. E nada
na Constituição os obriga a obedecer-lhe. Não existe qualquer imperativo
constitucional que torne os deputados dependentes de JES. Contudo, esta equação
acaba por desvirtuar o sistema constitucional.
O sistema constitucional de tipo presidencialista, adotado em Angola na Constituição de 2010, prevê, na sua essência, a separação e o controlo de poderes. Não se pretende que o presidente da República dirija imperativamente, também, os deputados. De facto, o sistema constitucionalista angolano assenta numa tricefalia: presidente da República, deputados e juízes. Isto quer dizer que o presidente da República – tampouco o presidente do partido com maioria parlamentar – não manda nos deputados.
Muitos contestarão estes
argumentos, e com alguma razão, dizendo que são argumentos formais, sem
correspondência com a realidade política. Na verdade, o direito constitucional
não é aplicado em Angola, e o que temos é pura força política. Atualmente, há
duas forças: os “lourencistas” e os “eduardistas”. E isto é a bicefalia, dois
poderes em confronto pelo controlo do Estado. Tal gerará obstaculização às
reformas necessárias para o progresso de Angola. Deste modo, conclui-se que é
necessário acabar com a bicefalia, entregando o partido ao detentor do poder
presidencial. João Lourenço ficaria assim, simultaneamente, presidente do MPLA
e da República. Um novo César.
Este argumento político tem
duas respostas complementares. É verdade que a permanência de JES na
presidência do MPLA e a sua influência sobre os deputados é um obstáculo ao
progresso e às reformas. JES tem de sair já, imediatamente, e os processos
judiciais contra ele e os seus filhos, de avançar efetivamente. O lugar de JES
é como arguido nos bancos do tribunal. Mas também é verdade que a acumulação
dos cargos por JES foi um claro erro político, que custou a Angola o seu
desenvolvimento e liberdade. Por isso, é forçoso questionar: queremos nomear um
novo César para Angola?
Esta é a verdadeira questão
que a discussão sobre a bicefalia levanta. Ninguém duvida de que JES e a sua
camarilha têm de ser afastados. Porém, não será tempo de criar uma verdadeira
democracia em Angola, com separação de poderes, divisão de funções e verdadeira
discussão sobre o futuro?
Já chegou e sobrou um ditador!
Título e Texto: Paulo Zua, Maka Angola, 26-3-2018
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