quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Isabel dos Santos e a lavagem do dinheiro dos diamantes

Rui Verde


David Renous é um homem de aparência pacata e bonacheirona, que se dedicava ao comércio de diamantes no Congo. Contudo, desde 2006 lançou uma tempestade no comércio de diamantes, desencadeando vários processos legais na Bélgica e na África do Sul. Estes processos puseram a descoberto esquemas criminosos de lavagem de dinheiro obtido ilegalmente no comércio de diamantes. No centro dessa tormenta está uma empresa chamada Omega Diamonds, dirigida por Sylvain Goldberg, Robert Liling e Ehud Arye Laniado.

Embora a principal atividade da Omega Diamonds e do próprio Renous fosse no Congo, rapidamente se descobriram as conexões angolanas, que envolvem Isabel dos Santos. Foi o próprio Renous quem divulgou a história do papel de Isabel dos Santos na obtenção de ganhos ilícitos, fuga ao fisco e branqueamento de capitais no comércio de diamantes, e que vamos aqui contar.

Tudo começa em 1996, quando Ehud Laniado e Sylvain Goldberg (Omega Diamonds) se juntaram a Isabel dos Santos para terem acesso a diamantes em bruto angolanos através de uma empresa chamada RDR (Research and Development Resources). Depois, em 1999, Arkadi Gaydamak, um russo-israelita muito próximo e confidente de José Eduardo dos Santos, concebeu um processo de exportação de diamantes em bruto angolanos através de um monopólio estatal.

Esse processo assentava em dois pilares: i) o estabelecimento de um imposto de 12% sobre as exportações, destinado a aumentar a receita do Estado angolano; ii) a criação da ASCorp (2000-2003).

Na ASCorp, entra Isabel dos Santos, já associada da Omega desde 1996. Aqui, Isabel detém 24,5% da companhia, através da Tais Ltd., uma joint venture entre Ehud Laniado e Sylvain Goldberg (Omega Diamonds), e Isabel Dos Santos e Tatiana Kukanova, sua mãe, através de empresas offshore em Gibraltar e na Suíça.

A ASCorp atuou como detentora do monopólio do comércio de diamantes, supostamente pertença do Estado angolano, e permitia a legalização do comércio angolano de diamantes, atendendo à rastreabilidade de requisitos exigidos pelo Processo de Kimberley (negociado entre 2000 e 2003).

Dito de outro modo, a ASCorp teve dois objetivos: retirar parte das receitas do comércio dos diamantes do Estado angolano e certificar todos os diamantes angolanos utilizados pela família presidencial e seus aliados, subtraindo-lhes o carácter de “diamantes de sangue”. A Omega Diamonds entra neste esquema como exportadora, com conexões a Antuérpia e a Israel.

Com a ASCorp, e de uma forma generalizada, segundo David Renous, Isabel dos Santos e a Omega Diamonds envolveram-se em variados esquemas de lavagem de dinheiro de diamantes.

A base para as operações de lavagem de dinheiro e evasão fiscal em Angola residia principalmente na faturação dos diamantes antes da sua exportação de Angola. É uma técnica que permite a uma empresa reduzir o lucro reportado a níveis mínimos, entre 0% e 2%, e garante uma evasão aos impostos, tanto na exportação de Angola e do Congo como na importação, por exemplo, da Bélgica e de Israel. Tal é possível devido ao escasso controlo interno de exportação nos Estados produtores, como Angola, e através do recurso a Estados de trânsito, como o Dubai.

Neste esquema, os diamantes são comprados em Angola por um preço cerca de 40% mais baixo em relação aos preços de Antuérpia, e são então vendidos em Antuérpia pelo preço de mercado, apagando-se a ligação entre Angola e Antuérpia.

Por exemplo, se uma parcela de diamantes custa US$ 100 000 na lista de preços em Antuérpia, o preço pago em Angola será de cerca de US$ 60 000.

Este último é o valor oficial de avaliação dos diamantes em Angola, resultado de várias manobras de corrupção levadas a cabo pela ASCorp e pela Omega Diamonds, e, portanto, por Isabel dos Santos e seus associados, como denuncia David Renous.

O organismo oficial angolano certifica os diamantes e garante que o seu valor é de US$ 60 000, quando na realidade o seu valor é de US$ 100 000, e a sua origem não é certa: podem ser “diamantes de sangue”.

Posteriormente, o lote de diamantes avaliado em US$ 60 000, mais impostos e taxas, mas valendo US$ 100 000, mais impostos e taxas, vai para o Dubai. Aqui, nenhum imposto é cobrado aos comerciantes de diamantes nos seus primeiros 50 anos de negociação no Emirado. Assim, a ASCorp simula a venda de diamantes à Tulip Dubai. Esta empresa (a Tulip Dubai) é, na realidade, propriedade das mesmas pessoas que possuem a Omega Diamonds: Ehud Laniado e Sylvain Goldberg.

Uma fatura para esta “venda” é emitida pela ASCorp à Tulip Dubai, pelo preço do valor exportado (US$ 60 000), enquanto a Tulip Dubai emite outra fatura à Omega Diamonds pelo valor dos preços de Antuérpia (US$ 100 000). Isto permite obter uma certificação nova no Dubai, e fazer aparecer os diamantes a circular no mercado com um novo valor. Pelo meio, os intermediários ASCorp (Isabel dos Santos) e Omega (Ehud Laniado e Sylvain Goldberg) têm uma mais-valia não declarada de US$ 40 000.

Finalmente, a Bélgica fecha o circuito. Em Antuérpia, a Omega Diamonds recebe os diamantes avaliados segundo a lista de preços de Antuérpia, e vende os diamantes de acordo com essa base. Isto é, diz que tem diamantes no valor de US$ 100 000, e vende com uma pequena margem de lucro. Imaginemos que por US$ 102 000. Parece ganhar apenas US$ 2000, quando, na realidade, o lucro é de US$ 42 000, excluindo impostos e taxas.

Na realidade, Angola sai prejudicada neste negócio, pois só recebe US$ 60 000 por diamantes que valem US$ 100 000. O restante (US$ 40 000) vai para os intermediários: ASCorp (Isabel dos Santos e associados) e Omega Diamonds.

Por aqui se vê que o Tesouro angolano foi prejudicado em milhões e milhões de dólares através deste esquema, pois vendeu diamantes muito abaixo do seu preço de mercado, como fica claro pela denúncia de David Renous. Quem ficou com os lucros ilegalmente obtidos foi Isabel dos Santos e a Omega Diamonds.

Adicionalmente, convém referir o papel da De Grisogono, que já poderá envolver as jurisdições norte-americana e britânica. Em 2014, a revista Forbes informou que Isabel dos Santos adquirira 75% da De Grisogono, uma casa de joias suíça com sede em Genebra, através de outra parceria com o Estado angolano, neste caso, a SODIAM. Além deste, outros movimentos de compra do capital da empresa tiveram lugar através de uma empresa chamada Victoria Holding Limited. Trata-se de uma empresa de Malta, e os seus beneficiários efetivos são a SODIAM e Isabel dos Santos.

A De Grisogono tem muitas lojas nos Estados Unidos e no Reino Unido, nomeadamente em Nova Iorque e na Bond Street, em Londres. A joalharia tem uma parceria com a Cora International LLC, um revendedor de diamantes muito exclusivo em Nova Iorque, especializado em diamantes coloridos. De acordo com o jornal suíço Le Temps, a Cora International LLC é controlada por Ehud Laniado (parceiro de negócios de Isabel dos Santos na Omega Diamonds) e Robert Lilling (também ex-acionista da Omega Diamonds).

A De Grisogono provavelmente funciona como uma “porta de saída” para diamantes obtidos nas circunstâncias ilícitas descritas.

Note-se que, recentemente, João Lourenço exonerou os dirigentes das empresas de diamantes estatais que tinham ligações a Isabel dos Santos, e também anunciou o fim das parcerias na área diamantífera com a filha do ex-presidente de Angola. Será que o esquema descrito está a terminar? Fica a questão.
Título, Imagem e Texto: Rui Verde, Maka Angola, 17-1-2018

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