Nada como um dia antes do outro.
Dilma
Não zombe das bobagens que os outros dizem. Podem representar
uma oportunidade para você.
Winston Churchill
Tenho vários compadres. Não
digo isso com afetação, ou como se fosse um privilégio. Acho que a maioria das
pessoas tem. Mas os meus são diferentes. Um não tem nada a ver com outro.
Tenho compadre, tipo assim,
porco capitalista. Só pensa em novos negócios. Na área de transportes é um
bambambã. Discutimos muito a respeito do assunto. Vez por outra pergunto a ele
por que não assume uma postura política de sustentação do capitalismo, para
ouvir sempre a mesma resposta. Sempre sou posto contra a parede ao ouvi-lo
dizer que o papel dele é empreender, gerar riqueza. Quanto mais rico ele fica,
mais ganha a sociedade. É mais produção, mais gente empregada, mais imposto. É
como se tudo fosse um círculo virtuoso. Ele sempre arremata que somente pessoas
afetadas de algum intelectualismo têm mania de ficar teorizando uma coisa que
só se constrói na prática. Sempre me pergunta se alguém pensou ou bolou o
capitalismo. Digo que não para ouvir sempre o seu reparo: “compadre,
capitalismo não se pensa, se faz; deixamos os intelectuais sempre com a
obsessão de criar um mundo perfeito, enquanto fazemos um mundo melhor”. Digo
que gostaria de ser como ele, um empreendedor. Mas meu conhecimento teórico
briga com a prática. E exemplifico. Pensei em comercializar camarão seco para
fazer vatapá, no sul da Flórida, mas, estranhamente, os mercadinhos daqui nem
deram bolas para minha proposta. O comentário dele foi curto e grosso: “lógico,
compadre, não há essa demanda por aqui”. Pensei em outra coisa. Revelei meu
segundo plano. Abrir uma rede de barbearias na Arábia Saudita, país de homens
barbados. Abateu com um tiro de lógica minha boa intenção: “são proibidos de
fazer barba, compadre”. Olhou para mim e sacou uma frase profunda: “onde as
necessidades do mundo e o seu talento se cruzam, aí estará a sua vocação,
compadre”. Repliquei que a profunda frase era de Aristóteles. Ele respondeu:
“não importa, continue a não fazer nada, que isso é o que você faz muito bem”.
E assim meus projetos empresariais foram abatidos no nascedouro.
Tenho um outro que é
capitalista virtual. Não tem empreendimentos, só aplica em ações da Cervejaria
Brahma. Para confirmar a regra, caiu na exceção de comprar uma fazenda de
cacau. Para incentivar a alta das ações, até na hora de vistoriar a fazenda
para ver como iam os trabalhos, carregava um isopor com várias latas produzidas
pela empresa de seus sonhos. A cada cajazeira, jequitibá, ou jaqueira, parava
para degustar uma lourinha gelada. Quando indagado pelo administrador por que
não esperava voltar para a sede da fazenda para a degustação, respondia que
precisava assegurar a alta das ações, que fazenda de cacau era coisa de besta.
Um outro, petista de
carteirinha, gosta de me passar esbregues. Dia desses, me fez ver que eu estava
obcecado com o PT, Dilma e Lula. Disse que eu não deveria escrever mais sobre o
assunto porque poderia estar ferindo os sentimentos de petistas, lulistas e
dilmistas. Reconheci que estava me excedendo, mas que não conseguia me libertar
disso, pois era influenciado por um tal de Odilardo e um tal de André Nelinho,
além de dois outros infiltrados de nomes estranhos, Azin e Siderval, creio
sejam codinomes de agentes da CIA. De bate pronto, revelou-me que os quatro já
estavam curados dessa terrível síndrome, inclusive o primeiro deles chegou a
romper com a patotinha dos contra, até simulou uma operação para se afastar
desse grupo subversivo. O segundo, muito perigoso, foi desterrado com toda a
família para Portugal. Até Lício e Eduardo Fontes já estavam libertos! Fiquei
abismado e perguntei como eles conseguiram se libertar dessa terrível doença.
Respondeu que tinham feito terapia na APTA. Deu-me um cartão com nome, endereço
e tudo mais. Sob a promessa de que ficaria curado em três semanas, fui para o
tal Associação de Antipetistas Anônimos (APTA).
Sentei numa cadeira, formando um
círculo de umas dez pessoas. Cada um contava como chegou a se transformar num
antipetista. O primeiro disse que trabalhou de graça para o partido, deu
dinheiro, balançou bandeirinha na rua, carregou Suplicy nos ombros, não recebeu
nenhum cargo, isso tudo para descobrir que a turma estava passando a mão no
dinheiro do povo enquanto ele ficava chupando dedo. Feita a catarse, foi
rapidamente convencido pelos já curados que, se voltassem ao poder, isso não
mais aconteceria, haveria dinheiro para todos.
Chegada a minha vez, confessei
que obsessão, obsessão mesmo, eu só tinha pela Dilma. Fiquei invocado pela sua
confusão mental e como ela tentava se explicar etecetera e tal. Fui esclarecido
que ela não era assim. Aquela performance confusa era uma tarefa dada pelo
partido para atrair os confusos, que não são poucos. Com aquele linguajar e
raciocínio febril conseguira atrair milhões para as hostes petistas, afinal,
obtemperaram dialeticamente que a soma das minorias forma a maioria.
Três semanas depois, submetido
a muitas pajelanças e aparentemente curado, deixei o grupo.
Passei vários dias sentindo um
alívio, uma espécie de ascese. Não mais pensava em PT, Lula e, especialmente,
em Dilma, minha ex-obsessão. Se sentia que poderia ter uma recaída, chupava uma
bala, olhava para a paisagem, pensava na dor de uma topada, um chute nos países
baixos, ou assobiava “a umbigada que o Sabino mandou dar”. Um alívio, estava
finalmente curado: não mais papo com Josuelito Britto, Eduardo Abreu, Romildo
Pessoa, J. Matheus, Cézar Leite e outros decaídos políticos.
No domingo, após saborear um
ragu de ossobuco com linguini, um manjar para deuses somente materializável
pelas mãos dessa maga chamada Nêga, acompanhado de um divino The Prisoner, 2015, do Napa Valley,
tomei um cálice de Tokay, categoria 6 puttonyos, e acendi um charuto, eis que era
dia de extravagância, afinal me libertara do antipetismo, melhor dizendo, do
antidilmismo. Bateu a depressão pós-prandial, aquela sensação gostosa de
torpor, de estar deitado numa nuvem, no paraíso. No caso, a tal nuvem era minha
espreguiçadeira de gravidade zero, já de vocês conhecida. Aqui abro parênteses
para dizer que já tem gente querendo vir do Brasil só para dar uma cochilada em
minha espreguiçadeira, bolada por um nerd da NASA, e contemplar o Atlântico
Norte.
Naquela penumbra entre o
entardecer e o anoitecer, senti que alguém sentou na espreguiçadeira ao lado e
pegou delicadamente minha mão. Perguntei se era Dilma. Ela respondeu que era e
que eu jamais conseguiria me libertar dela. Aí, como fraqueza é fraqueza,
nossos seis neurônios começaram a brincar de cirandinha. Ela disse que minha
obsessão só podia ser amor e perguntou se eu a amava. Perguntei-lhe o que era o
amor e ouvi uma definição maviosa: “Amor, meu querido, é um sentimento de
compressão descomprimida, de tensões distendidas, maravilha maravilhada, ao
mesmo tempo importante e desimportante porque há em abundância no mundo, mas,
todavia e por que não, devendo por todos os amantes ser saudado, assim como
saudamos a mandioca”.
Quanta sapiência e
sensibilidade, pensei. Já curado, tudo que vinha daquela cabecinha me parecia
fantástico.
Aí veio a pergunta à
queima-roupa: “Quer casar?”. Casar?, perguntei. Sim, casamos e vamos para as
ilhas Seychelles.
Eu disse que não tinha
dinheiro para uma viagem tão cara e me parecia que nas atuais circunstâncias
ela também não deveria ter. Não se fez de rogada, deu um sorriso maroto, disse
que quem tem Janot e Fachin não morre pagã, e propôs: “Assaltamos um banco”. Eu
disse que não sabia assaltar banco. Mas não adiantou, porque ela respondeu que
tinha know-how. Eu disse que era perigoso. Ela respondeu: “Não, se for o
BNDES”. Então, senti algo muito quente entre o tórax e o pescoço. Em seguida,
ouvi uma voz maviosa, de cotovia do sertão:
- Nêgo, a brasa do charuto vai
te queimar.
Um bom domingo para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, Aventura, EUA,
29.6.2017
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