A igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a Terra
capaz de a tornar um fato.
Balzac
Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar.
Drummond
Rabo e conselho só se deve dar a quem pede.
Stanislaw
Ponte Preta
A soma de tudo compõe o mundo. Muitas
vezes, coisas aparentemente desconexas, diametralmente contrárias, ou
simplesmente diferentes se harmonizam para compor algo novo. Homem e mulher são
diferentes; juntos, fundam uma família.
A essa altura os apressadinhos hão de
dizer que estou viajando na maionese, enrolando, mandam que eu tome tenência e
entre logo na rabada do compadre. Calma, gente, nada de afogadilho, que a
rabada do meu compadre é iguaria fina. Para degustá-la, como dizem os
evangelhos, muitos serão chamados, poucos os escolhidos.
Tenho um compadre sem igual. Chico
Torres! Pensem numa pessoa maravilhosa. Companheiro leal, presença sempre
festejada, o amigo que todos gostariam de ter. Dentro de uma linguagem
rebuscada, condoreira, de discurso de festividade no trabalho, em dia de
promoção, pode ser definido como “um caráter sem jaça”.
Além de todos esses maravilhosos
predicados, é senhor e legítimo possuidor de uma ativo sentimental inigualável,
a minha comadre Léo, sua eterna e querida companheira, de voz e atitudes
budísticas, verdadeira rainha do lar e quituteira que só ela. Para complementar
esse conjunto virtuoso, deu-me uma afilhada, um docinho por Deus transformado
em gente e que batizei de Renatinha.
Esse compadre, para não atingir a
perfeição do santo, que santo é algo próximo da loucura, é teimoso que ele só,
e, assim como eu, gosta de remar contra a maré. Neste ponto, somos duas figuras
empedernidas. Ele tem uma grande dívida para comigo, nunca veio a estas plagas
dar uma olhada como estou levando a vida, neste vale de lágrimas, para
degustarmos uma boa rabada. Diz que não consegue ficar oito horas viajando de
avião sem fumar. Toma tenência, compadre Chico!
Ele adora uma rabada! Para degustar um
bom rabo vai de joelhos aonde for servida. É um caso para estudo. E, neste
exato ponto, estamos de novo de mãos dadas. Sou vidrado nessa iguaria,
principalmente quando feita por Nilo ou por Alex, meus amigos.
Dentre as pessoas que de tempos em
tempos me visitam, há uma amiga maravilhosa, chamada Iara, quando em estado
normal, quando está zangada ou levitando – sim, ela levita! -, usa o segundo
nome, Walkiria. É responsável pelos banquetes do Palácio da Liberdade, lá nas
alturas majestosas da República de Curitiba, onde o Brasil está sendo passado a
limpo.
Certa feita, estando aqui na humilde
vivenda de Nêga, de que sou mero hóspede, sabendo que tenho o mesmo atavismo
gustativo do meu compadre, ensaiou fazer uma rabada. Disse a ela “calm down,
take it easy” e vamos até ali. Fomos todos comer uma rabada num restaurante
cubano, simples e maravilhoso, chamado Señor Café. Um prato de rabada,
acompanhado de arroz, plátanos maduros e feijão preto maravilhoso, feito com
umas pitadas de cominho, custa somente treze dólares.
Após nos refestelarmos, ela sentenciou
que, realmente, era perda de tempo se preparar em casa uma rabada, havendo uma
tão próxima, tão boa e tão barata.
Expliquei a ela que em todos os
restaurantes cubanos que frequento (Señor Café, Touch of Cuba, Café Versailles,
La Carreta, Little Havana, El Padrino....), em qualquer dia da semana, se pode
comer uma rabada maravilhosa, a preço módico.
Em termos de rabada, façamos uma breve
pausa, que voltarei ao rabo do compadre.
A esquerda, quanto mais radical, mas igualitária.
Ela acena a todos com a promessa da criação do paraíso na terra, através de uma
imposta igualdade absoluta entre as pessoas. O dístico, a formulação matemática
do comunismo, inscrito no Manifesto Comunista, lavrado a quatro mãos por Marx e
Engels, resume-se no “a cada um segundo sua necessidade, de cada um segundo sua
capacidade”. A sociedade perfeita, o paraíso na terra, seria a em que cada um
retiraria do produto social aquilo que estritamente necessitasse e, em
contrapartida, daria a todos o máximo de sua capacidade.
Não seria uma maravilha? Claro que
seria. Como também seria maravilhoso se todos pudéssemos ter iate, avião, casa
de veraneio, conta bancária recheada, algumas mulheres deslumbrantes no
entorno, ou escrever no “Cão Que Fuma”, sem nos esquecermos que às mulheres
seriam concedidos acompanhantes como Humphrey Bogart, ou Marcelo Timbó Nilo.
Deus não fez a natureza perfeita. Olhem
para seus relacionamentos ou conhecimentos. Há alguém - filho, primo, amigo,
patrão, empregado, vizinho -, exatamente igual a outra pessoa? As pessoas já
nascem diferentes fisicamente: altos, baixos, bonitos, feios, gordos, magros,
boa voz, péssima voz, para não falar dos que estão num plano medianeiro. No
plano das aptidões, então, a coisa ganha uma diversidade fantástica. Já
pensaram se o mundo fosse feito de Einsteins, se todos ficassem mirando os
astros e pensando e equacionando o universo? Quem iria varrer a casa, fornecer
o pão, o leite, dirigir o ônibus, manejar a estrovenga, ou mergulhar em mares
bravios para manter plataformas de petróleo? Não, meus amigos, a diversidade
entre as pessoas, física e mentalmente, é tão visível que dispensa maior
esforço demonstrativo.
E a igualdade, onde fica? Ela não é
boa? Talvez essencial?
Como é impossível padronizar física e
mentalmente o ser humano, a liberdade e a democracia, que não se confundem,
ofertam a igualdade perante a lei. Cada um produz aquilo que sabe fazer de
melhor e, em contrapartida, aufere os bens da vida na proporção direta daquilo
que foram capazes de produzir.
O comunismo, ou socialismo, ou o nome
que melhor queiram dar, acena a todos com a igualdade material. Isso é
tentador, principalmente quando se desce na escala das possibilidades
individuais. Já pensou a tentação que isso causa a uma pessoa de capacidade
limitada quando olha para aquilo que realizou alguém de capacidade ímpar? Para
confortá-lo, o mundo teria o seu signo, o mais baixo da escala das
possibilidades, das potencialidades.
É por isso que o filósofo Roger
Scruton, num ensaio intitulado “A Tentação Totalitária”, faz um estudo sobre o
ressentimento na política com o seguinte apontamento: “Vejo o ressentimento
como uma emoção que aparece em todas as sociedades, por ser um resultado
natural da competição em busca do lucro. As ideologias totalitárias são
adotadas porque racionalizam o ressentimento e unem os ressentidos em torno de
uma causa comum” (Uma Filosofia Política – Argumentos para o Conservadorismo,
2017, Ed. É Realizações, p. 186).
Depois de analisar a atração do
ressentimento nas massas, arremata, com a profunda argúcia de sempre, que “Não
há nada mais reconfortante para os ressentidos que esta ideia: as pessoas que
possuem o que eles invejam possuem-no injustamente” (p. 187). Atentem bem para
a base desse pensamento. Como muita gente realiza mais do que eu porque, de uma
forma ou de outra, são ou foram mais capazes, reconforta-me e massageia meu ego
a mensagem redentora da esquerda, se ressentido sou, que quem conseguiu mais do
que eu não é mais capaz, conseguiu por força de uma difusa e nunca explicada
injustiça.
Já fui jovem e também já militei na
esquerda. O verniz de uma pseudo-intelectualidade, aliado a uma abrasiva
inquietação, com uma pitada de insegurança quanto ao futuro, tornam esse tipo
de jovem uma presa fácil para as ideias totalitárias. Para eles o progresso
coletivo não é a soma do progresso de cada um, torna-se uma questão de decisão
política, uma condição lapidada na frase mais canhestra que conheço, em termos
de proposições políticas, “a vontade política”!
A “igualdade socialista” foi tentada em
todos os continentes, em dezenas de países, em estágios os mais diversos, em
línguas e climas diferentes. Em todas as hipóteses foi um retumbante fracasso.
Ela tende a se nivelar no patamar dos menos capazes. Quando falo capacidade,
não me detenho só nas habilidades de alguém, mas nas habilidades aliadas à
disposição de aplicá-las ao máximo. Não adianta se ter grandes habilidades
físicas e mentais se inerme se quedar.
O mundo comunista colapsou em razão de
suas próprias contradições, para usar uma palavra eminentemente marxista. O
mundo assistiu abismado o desmoronamento de uma monstruosidade política, após
essa monstruosidade, a título de a todos nivelar e salvar os pobres, ter matado
cem milhões deles!
A China usou do que restava de sua
milenar sabedoria, já no fim dos Anos Setenta, bem antes do colapso dos outros
países comunistas, reconheceu a propriedade privada dos meios de produção,
iniciou um acelerado processo de desestatização e abraçou os princípios da liberdade
de mercado. O resultado disso foi uma explosão de crescimento. Esse exemplo
chinês talvez seja a maior vitória do capitalismo em toda a história.
Agora vamos ao caso de Cuba. Gabam-se
“os jovens de esquerda” que em Cuba não há crianças de rua, nem crack, nem
analfabetismo, nem fome. Salvo a questão do analfabetismo e da fome, que
veremos adiante, o resto é verdade. Nenhum regime totalitário tolera criança de
rua e drogas em geral. As leis são duras. Há pena de morte e prisão com
trabalhos forçados. A questão é resolvida, como se diz, “no pau”.
Nos países democráticos há uma
tolerância muito grande com a droga. Os usuários estão encastelados nos meios
de comunicação, no judiciário, nos parlamentos, nas escolas e academias, para
não falar do meio artístico. Há apologia do uso de drogas nas músicas, nos
filmes, na televisão etc. Os usuários são tratados como coitadinhos. Quando se
começou uma campanha no Rio de Janeiro sublinhando que o usuário de droga era
responsável pela existência do crime organizado e da violência, a imprensa e o
meio artístico se levantaram dizendo que estavam criminalizando as vítimas das
drogas. Na verdade, no meio desse “beautiful people”, criados com talco Ross e
Toddynho, as drogas são usadas recreativamente e alimentam a cadeia econômica
de que se serve o tráfico, a principal desgraça do Brasil. De forma
sub-reptícia, eles dão, como não poderia ser de outro modo, cobertura aos
traficantes, seus fornecedores. Mas, não há nada que leis duras não possam
fazer refluir esse quadro tétrico.
Criança de rua era considerado um
problema incrível em São Paulo. Todo o dia a televisão tratava do assunto. O
tema sumiu. E sabem por quê? Porque a USP e a Pastoral da Criança da Igreja
Católica fizeram a contagem. Uma achou cerca de novecentas crianças de rua e a
outra, cerca de seiscentas, numa população de cerca de dezoito milhões de
pessoas (a chamada grande São Paulo). Cerca de oitenta por cento tinham pai e
mãe e viviam em casa de tijolo e alvenaria. Havia mais gente e instituições
dedicadas ao problema do que crianças de rua para cuidar! Reduzido à sua devida
proporção, o problema sumiu do noticiário.
Drogas e crianças de rua, como já dito,
desaparecem nos regimes totalitários, pelo uso bruto da força.
Não havia nenhum problema desses na
Alemanha nazista, na Rússia comunista, como não há na Coreia do Norte e em
Cuba, assim como também não há – avisem os jovens esquerdistas disso! -, em países
desenvolvidos, onde o ser humano é tratado com dignidade e não usa cabresto.
Analfabetismo não há em nenhum país
desenvolvido, pelo menos em percentual estatisticamente relevante. Fome em país
capitalista avançado, nem pensar. E observem bem que a epidemia de drogas e o
alcoolismo poderiam conduzir uma quantidade considerável de pessoas à completa
indigência. Mas as redes de assistência social, privada e estatal, não deixam
que haja alguém caído de fome nesses países.
E para isso não há necessidade de esmagar a soberania do ser humano ou
de lhe tirar o livre arbítrio, reduzir as pessoas a meros escravos do Estado,
enfim, transformar a nação em um ambiente de pessoas sem futuro, sem
possibilidades de exercer as suas habilidades até o limite de suas capacidades.
O que esses jovens de esquerda não
conseguem explicar é porque as pessoas fogem desse paraíso que só existe em
suas convicções deturpadas, sem nenhuma conexão com a realidade palpável, para
países que, em sua visão vesga, o trabalhador que tem casa, carro e todas
comodidades da vida moderna, não passa de um pobre diabo explorado por
capitalistas malvados, esses mesmos capitalistas que criaram essa maravilha de
meios eletrônicos que eles usam para difundir teses e ideias tão bizarras.
Em Cuba, a pessoa não cai de fome, mas
nem de longe tem a dieta de um pobre de país capitalista. O trabalhador cubano
alcançou a igualdade na penúria. Por
mês, vale as baforadas de um charuto desses que o Che Guevara está, na foto
abaixo, garbosamente fumando.
Voltando ao início destas reflexões,
contarei a vocês episódio que vivenciei.
Em razão de minhas atividades
empresariais, tive como prestadora de serviço uma cubana, pessoa maravilhosa.
Seus pais vivem em Cuba e ela, nos Estados Unidos, lógico. Sempre que no meio
de nossas atividades parávamos para almoçar, dava preferência, porque gosto e
porque ela era cubana, a um dos restaurantes cubanos acima apontados.
Como meu compadre, sou chegado a uma
rabada, chamada pelos hispânicos de “rabo encendido”. Minha comensal e eu nos
refestelávamos com essa iguaria, o “rabo encendido”, nossa velha e conhecida
rabada.
Numa dessas oportunidades, disse a ela
que tinha a curiosidade intelectual de conhecer Cuba, o que faria logo que os
Estados Unidos reestabelecessem relações diplomáticas com aquele país. E
acrescentei que em Cuba iria a um restaurante para comer um “rabo encendido”.
Ela me disse que isso não seria possível porque, após a revolução, o prato,
apreciado por todos, desapareceu da dieta dos cubanos. Perguntei por quê. Ela
respondeu que em Cuba não há carne de vaca, o povo não tem condições de comer
essa proteína, lá transformada em artigo de alto luxo, coisa para gente nobre
como Fidel e Che Guevara.
Assim, a rabada tão apreciada por meu
compadre, que me compartilhou a propaganda dos sedizentes jovens de esquerda,
não pode ser degustada em Cuba, enquanto os cubanos da Flórida se banqueteiam
com tal iguaria neste inferno capitalista, onde existem drogas e drogados.
Agora me ponho a meditar: será que o
povo cubano se joga ao mar, enfrentando perigos terríveis, só para chegar ao
inferno capitalista e comer a rabada tão apreciada pelo meu compadre?
Preparando-me para ir degustar o meu,
desejo aos “jovens de esquerda” um suculento “rabo encendido”, e muito juízo;
aos meus poucos leitores, um ótimo final de semana com uma excelente rabada.
Título
e Texto: Pedro Frederico Caldas,
1-3-2018
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