Rui Ramos
O ideal era que houvesse nas europeias um
qualquer fenómeno a que pudessem colar o rótulo de “populismo”, de modo a
fazerem correr as legislativas em ambiente de pânico antifascista, à
brasileira.
Escrevo antes da suposta manifestação dos nossos coletes amarelos. Como quase toda a gente, não sei o que é, nem o que vai ser. Mas não é isso que importa. O que importa é outra coisa: o modo como “um movimento das redes sociais”, imediatamente catalogado como de “extrema-direita”, atraiu os comentadores do regime como uma lâmpada à noite atrai as traças. Porque precisa tanto a nossa oligarquia de uma “extrema-direita”? Só para poder dizer que pelo menos nisso o país converge com a Europa?
Sobre a “extrema-direita”, os
oligarcas têm duas opiniões. A primeira é a de que a “extrema-direita” não
existe em Portugal, a não ser sob formas insignificantes, só visíveis ao
microscópio do jornalismo antifascista. É que o povo, mesmo quando
insatisfeito, está muito satisfeito por ser representado pelo PCP e pelo BE.
Daí que não haja tradução portuguesa para Trump, Bolsonaro, Vox, etc.
A outra opinião é o contrário:
é a de que, em Portugal, fora da esquerda e das épocas de domínio da esquerda,
não há nem nunca houve outra coisa senão fascismo, salazarismo, inquisição,
racismo, etc. Portugal é uma grande desgraça, que só a abnegação dos
antifascistas impede de reeditar imediatamente a Alemanha nazi: é, como estão
lembrados, o que nos ensinam sempre que governam o PSD e o CDS.
Ora, a questão é saber o que
interessa agora às esquerdas que mandam no país: convém-lhes que haja
“extrema-direita” ou não? Depois do que se disse e escreveu sobre os nossos
coletes amarelos, é difícil não concluir que a atual maioria social-comunista
precisa urgentemente de qualquer produto nacional que, sem se envergonhar,
possa comparar com Bolsonaro ou com o Vox. No meio de cativações e de greves, e
cada vez mais no plano inclinado do arrefecimento econômico, Costa e os seus
colaboradores Catarina e Jerónimo já terão sentido que talvez não lhes baste, em
2019, reclamar louvores pela reposição de uns quantos euros em 2016. Necessitam
de algo mais épico, como seria, por exemplo, a defesa heroica da democracia
perante “o avanço da extrema-direita”. O ideal era que houvesse nas eleições
europeias um qualquer fenômeno a que pudessem colar o rótulo de “populismo”, de
modo a fazerem correr as legislativas em ambiente de pânico antifascista, à
brasileira. Isso teria ainda esta vantagem: forçar o PSD e o CDS, como já
acontece ao PP e ao Ciudadanos em Espanha perante o Vox, a entrarem numa dieta
suplementar de agonia sobre se devem (ou não) “negociar” com a
“extrema-direita”.
Talvez o Pai Natal ouça as
preces da geringonça. Mas — e se não ouvir? E se, como os bárbaros do poema de
Kavafy, a “extrema-direita” não vier? E se os coletes amarelos não partirem
montras na avenida? E se nenhum Vox irromper nas eleições para o Parlamento
Europeu? Tal como os bárbaros, também a “extrema-direita” era uma espécie de
solução. Em alternativa, claro, os oligarcas poderão continuar a
cumprimentar-se publicamente uns aos outros por não haver “populismo” em
Portugal.
Mas não acreditem nessa
satisfação. Por dentro, vão estar aflitos. Sem a distração do “fascismo”, sem
diretos televisivos de pancadaria no Rossio, quem sabe se não haverá mais gente
a reparar nas “falhas” do Estado, na degradação dos serviços públicos, no
empobrecimento relativo do país na Europa, ou no despudorado esforço da
oligarquia para controlar uma justiça que, nos últimos anos, se atreveu a
perturbar certos esquemas? Com a corrente governação, para que deixou de haver
alternativa no atual sistema de partidos, este regime corre o pior de todos os
riscos: não é o dos coletes amarelos de Paris, mas o do apodrecimento
solitário, no vazadouro da sua própria mediocridade. Aos nossos oligarcas dava
certamente jeito um bocado de gás lacrimogêneo para disfarçar o fedor.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
21-12-2018
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