João Pereira Coutinho
Parece que existe um consenso de que o
populismo vem a caminho. São as aventuras “fora do sistema” de que fala
Marcelo.
É a extrema-direita de que fala toda a
gente, como se a dita cuja tivesse uma real existência. Não tem.
O que espanta é que as condições típicas
para a emergência do populismo (ainda) não aterraram no quintal
A CRISE FINANCEIRA atirou Portugal para o tapete. Mas, ao contrário
do que aconteceu noutras paragens, a crise não atirou os portugueses para os
braços de partidos populistas, extremistas ou nacionalistas. Haverá quem discorde.
E trate logo de acusar o Bloco (e o PCP) de representar esse papel de protesto
e ruptura. Não creio – e por três razões. Primeira: durante a crise, as
esquerdas limitaram-se a reclamar “direitos adquiridos”, não a reinventar uma
nova ordem política ou social. Enquanto o Syriza incendiava Atenas, o Bloco e o
PCP lutavam pelo subsídio de férias.
Segunda: nas eleições de 2015,
nem o Bloco, nem o PCP tiveram a sorte grande nas urnas. A vitória, ainda que
temporária, caiu no colo dos partidos da austeridade.
Por último, não é possível
ser, ao mesmo tempo, um partido de protesto e um partido de governo, exceto na
cabeça alucinada dos camaradas. E hoje?
Hoje, parece que existe um
estranho consenso de que o populismo vem a caminho. São as aventuras “fora do
sistema” de que fala Marcelo. É o “mau cheiro” de que fala Ferro Rodrigues. É a
“extrema-direita” de que fala toda a gente, como se a dita cuja tivesse uma
real existência entre nós.
Não tem. Aliás, o que espanta
no meio da histeria é que as condições típicas para a emergência do populismo
(ainda) não aterraram no quintal. Roger Eatwell e Matthew Goodwin, autores de
um livro que já recomendei aqui (National
Populism: The Revolt Against Liberal Democracy) resumem essas condições em
quatro Ds: distrust, destruction,
deprivation e de-alignement.
Sim, existe desconfiança nos
partidos e uma crença maioritária de que a voz lusitana não é ouvida nos
grandes salões de Bruxelas (60% dos inquiridos no Euro barômetro de outubro).
Mas não passa pela cabeça de ninguém, ou de quase ninguém, deixar a União
Europeia e experimentar uma existência solitária como nos tempos da ditadura.
De resto, sobre os três Ds seguintes, a destruição de uma identidade cultural
não é problema que provoque insónias à nossa raça: longe dos fluxos migratórios
e com séculos de convivência em cima, Angola pode já não ser nossa – mas
Portugal ainda é. Claro que, em matéria de privação, continuamos pobres. Mas,
apesar de tudo, estamos menos pobres e menos desiguais, embora o último estudo
do INE revele uma situação dramática para a população mais envelhecida (e
politicamente menos representada). É também por isso que, em matéria de
desalinhamento partidário, Portugal continua o mesmo monólito que saiu das
eleições de 1975 para a Constituinte. A Europa muda, há partidos que
desaparecem, outros que despontam. Cá em casa, tudo como dantes,
quartel-general em Abrantes. Até ver. A classe política reinante não se cala de
falar dos perigos do populismo. Não porque acredite que ele esteja entre nós;
mas porque é do seu interesse alimentar fantasmas para se enobrecer aos olhos
do povaréu temente. Não é preciso. Pregar aos convertidos é um desperdício de
energia.
Título e Texto: João Pereira
Coutinho, SÁBADO, nº 765, de 27 de dezembro de 2018 a 2 de janeiro de 2019
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