João Pereira Coutinho
Infelizmente, as nossas tragédias têm
cumprido dois figurinos. Podem ser “tragédias anunciadas” como na estrada de
Borba – uma desgraça que várias autoridades sabiam que ia acontecer, sem, no
entanto, mexerem um dedo para a evitar. Ou então tragédias marcadas pela sombra
da incompetência, como nos incêndios de 2017
VIVEMOS EM PORTUGAL e temos saudades das tragédias limpas. Entendo
por “tragédia limpa” um infortúnio sério sobre o qual o silêncio é a melhor
resposta. Silêncio pelas vítimas, silêncio pelas famílias. Silêncio pelos caprichos
da sorte.
Infelizmente, as nossas
tragédias têm cumprido dois figurinos. Podem ser “tragédias anunciadas” como na
estrada de Borba – uma desgraça que várias autoridades sabiam que ia acontecer,
sem, no entanto, mexerem um dedo para a evitar. Ou então são tragédias
indelevelmente marcadas pela sombra da incompetência, quem sabe da omissão
criminosa, como nos incêndios de 2017 ou no helicóptero do INEM que se
despenhou em Valongo.
Neste último caso, uma pessoa
começa a raspar a superfície e descobre logo que há chamadas de emergência da
Navegação Aérea de Portugal não atendidas, atrasos imperdoáveis nas buscas,
acusações de irresponsabilidade entre bombeiros e Proteção Civil – e tudo isto
nas primeiras 24 horas. Depois, quando finalmente o Governo anuncia o fatal “inquérito”
– um expediente que absolve qualquer responsável de ter vergonha na cara e sair
pela porta dos fundos – o País regressa ao seu torpor sonolento, até ser
despertado por uma nova tragédia.
António Costa “virou a página”,
sim, mas não foi da austeridade. Foi a página da responsabilidade política do
Estado perante qualquer área que tutele. Antigamente, este desaparecimento do
Estado das suas funções essenciais tinha um nome: era “neoliberalismo”, sempre
qualificado como “selvagem”. Em 2018, é apenas uma forma de viver habitualmente
– e de morrer habitualmente.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, Sábado,
nº 764, de 20 a 26 de dezembro de 2018
Digitação: JP
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