José Gomes Ferreira
Estarão os principais
dirigentes políticos a conduzir o país a um novo precipício? Quando as
condições externas apertarem, a conjuntura interna se degradar e os portugueses
perceberem que os verdadeiros problemas se agravaram, poderá não haver tempo
nem condições para voltar atrás. Por mim, não estou de acordo com as atuais
opções dos principais dirigentes políticos nacionais.
Não posso concordar com decisões da elite política portuguesa que, no limite, farão reverter as medidas tomadas nos anos difíceis com o objetivo de recuperar a confiança dos investidores internacionais e o pleno acesso de Portugal aos mercados financeiros.
Quando o Presidente da
República veta o decreto-lei do Governo que limita a 2 anos, 9 meses e 18 dias
a contagem do tempo de congelamento da progressão nas carreiras dos professores
e obriga o Governo a negociar novamente, o que está a querer dizer ao país?
Que o tempo de contagem tem de
ser maior, senão o veto não faria qualquer sentido. Mas se o tempo de contagem
tem de ser maior, então qual é o limite? Os próprios sindicatos já o disseram,
não há limite, querem todo o tempo que durou o congelamento.
Mário Nogueira nunca cedeu nem
um dia dessa contagem, mostrando que não quer negociar coisa nenhuma, mas
Marcelo Rebelo de Sousa obriga o ministro da Educação a chamá-lo para
negociar…pondo a ridículo a posição do Estado empregador.
As contas estão feitas, o
impacto da exigência dos sindicatos no orçamento do Estado vai ser de 635
milhões de euros por ano.
Mas se assim vai ser, então porque
não começar também a exigir a devolução dos cortes de salários da função
pública desde 1 de janeiro de 2011, decididos por José Sócrates em 29 de setembro
de 2010?
E os trabalhadores do setor
privado, porque não começam a exigir os cortes de salários que direta ou indiretamente
suportaram durante os anos da crise e que ainda hoje muitos continuam a
suportar porque perderam os empregos e tiveram de procurar outros mais mal
pagos?
E porque é que os contribuintes
não exigem a devolução imediata dos adicionais e sobretaxas de impostos que
Vitor Gaspar aplicou a partir de 1 de janeiro de 2013?
E porque é que os
beneficiários da Segurança Social não reclamam também o pagamento imediato das
pensões, dos abonos e subsídios que lhes foram cortados?
Não seriam todas estas
devoluções, reversões e reposições socialmente muito mais justas do que apenas
as de alguns grupos profissionais dependentes do Estado?
A caminho das eleições
legislativas, o que vemos em Portugal?
Vemos um agravamento da fatura
dos salários da função pública desde 2016, que já vai em quase 2 mil milhões de
euros por ano (e o problema não é o que cada trabalhador do Estado recebe a
mais do que anteriormente, porque o merece e porque a média dos salários é
comprovadamente mais baixa face a outros países europeus, o problema é aquilo
que a economia do país pode pagar).
Vemos um Presidente da
República a obrigar um Governo a negociar com uma parte que declaradamente não
quer negociar coisa nenhuma;
Um primeiro-ministro caído na
teia das suas próprias contradições ao declarar virada a página da austeridade
e encerrado o capítulo da crise, abrindo automaticamente a caixa de Pandora das
reivindicações sindicais que há muito infernizam a vida dos cidadãos e inevitavelmente
ainda irão aumentar de intensidade até outubro de 2019;
Um líder do principal partido
da oposição a esfregar as mãos de contente porque o Presidente da República
vetou um diploma do Governo, parecendo ignorar que o desfecho deste processo só
pode significar muito mais despesa pública;
Um líder da oposição, de
seu nome Rui Rio, que não perde uma oportunidade de se colocar ao lado dos
sindicalistas e dizer que o Governo tem de abrir os cordões à bolsa, nesta e
noutras guerras laborais;
O mesmo Rui Rio que quer uma
maioria de elementos que não sejam magistrados judiciais a integrar o Conselho
Superior do Ministério Público, alinhando na mesma iniciativa politicamente
controladora de um dos pilares mais importantes da Justiça, por parte do
Partido Socialista.
É esta atitude contrária aos
mecanismos de fiscalização democrática das decisões dos políticos e gestores
públicos que vemos no líder da oposição que fez carreira a pregar as virtudes
do combate à corrupção.
Não vemos Rui Rio fazer uma
denúncia sistemática e fundamentada dos sinais de captura do Estado por parte
de interesses privados, sinais esses que são cada vez mais evidentes.
Basta olhar para o sector
da Saúde no seu todo e perceber que está em curso uma guerra brutal pela
captura da maior parte dos recursos, uma guerra desigual em que os privados
estão a levar a melhor, com recurso a armas desiguais, enquanto o SNS definha
aos olhos de todos os portugueses.
O palco desta guerra é todo o
país, mas basta olhar para a Grande Lisboa e perguntar quem vai pagar os quatro
novos hospitais, dois da CUF Saúde em Alcântara e na Zona Oriental
(Descobertas), a nova ala do Hospital da Luz em Benfica (além das clínicas da
Luz em Odivelas, Amadora e Oeiras) e a nova Unidade do Grupo Trofa no centro
comercial Dolce Vita.
A resposta é simples, todos os
operadores sabem que não há mercado privado suficiente para tantos projetos;
todos contam com o dinheiro da ADSE e de outros mecanismos de proteção na Saúde
direta ou indiretamente financiados pelo Estado.
A todos interessa que o
Serviço Nacional de Saúde preste cada vez menos cuidados de saúde de qualidade.
Só não vê quem não quer ver.
Tal como ninguém quer ver a
realidade do setor ferroviário em Portugal. Por que razão está o material
circulante a cair aos bocados? Por que razão há tantas composições e
locomotivas paradas nos estaleiros da EMEF, enquanto os passageiros são metidos
nas poucas que restam como sardinha em lata?
Por que razão foram aplicados
nos últimos 20 anos pelo menos 1.500 milhões de euros na modernização da Linha
do Norte, a principal via ferroviária do país, e cerca de um terço está com
sérios problemas de manutenção não permitindo velocidades muito superiores a
100 quilómetros por hora?
Será que existe medo de
fazer as perguntas certas? Será que ninguém se lembra de perguntar quem são
os dois ou três principais donos das autoestradas em Portugal que nos cobram
uma fortuna em portagens e não estão nada interessados na concorrência de um
transporte ferroviário eficiente?
Será que ninguém vê que há uma
vontade política declarada em favorecer as autoestradas para que as
concessionárias consigam pagar as pesadas dívidas aos bancos financiadores para
não haver mais imparidades nos seus balanços? Será que ninguém liga as pontas
destas realidades?
Por que é que o líder da
oposição não denuncia eficazmente o vazio das sucessivas promessas do ministro
do Equipamento, Pedro Marques, especialista em acusar o governo anterior de ser
o culpado do desinvestimento na ferrovia, mas que praticamente não fez obra desde
que entrou, apesar dos mil e um anúncios?
Por que é que Rui Rio não
revela ao país o risco enorme da má orientação dos novos créditos dos bancos,
que voltaram a apostar no betão e na especulação imobiliária? Basta ver as
estatísticas do Banco de Portugal e perceber que quase 40 por cento dos novos
créditos são destinados, tal como antes da crise, para construção, imobiliário
e serviços muito ligados à conjuntura atual como o turismo, hotelaria e
restauração.
Claro que há agora uma grande
parte de exportações de bens e serviços neste tipo de investimentos, porque se
destinam a clientes não residentes. Mas não é preciso perceber muito de
história económica nem de geopolítica para concluir que o turismo e o
investimento estrangeiro funcionam por modas. E as modas são por natureza
passageiras. Portugal não será sempre o destino de excelência nem Lisboa a
melhor cidade para uma visita. Outras cidades e países estão a ganhar embalagem
nesta competição feroz.
Onde estão os avisos do
Presidente da República, do primeiro-ministro e do presidente do PSD sobre os
riscos de persistência na queda das grandes bolsas internacionais?
Esqueceram-se todos de que estamos no fim de um ciclo de crescimento prolongado
dos mercados financeiros que não vai continuar porque os grandes bancos
centrais já estão a mudar ou vão mudar de política monetária e reverter a
descida das taxas de juro?
Os nossos governantes ainda
não perceberam que as gigantescas emissões de dinheiro novo pela FED e pelo BCE
já acabaram e que a tendência é agora para a subida das taxas e para o
endurecimento da política monetária?
Os nossos políticos ainda não
perceberam que, quando as nuvens negras nas grandes bolsas atingirem a economia
internacional, vão apanhar Portugal desprevenido? Vão atingir uma pequena economia
aberta, agora com uma ainda mais pesada estrutura de gastos do Estado em valor
absoluto (face ao início da recuperação), baseada numa carga fiscal que se
manteve elevada sobre uma economia que esteve a crescer, o que permitiu reduzir
o défice, mas criou despesa inevitável feita sobre receita eventual ou
extraordinária.
Os nossos políticos ainda não
perceberam que quem nos tirou da crise foram os milhares de empresários
dinâmicos que se levantaram da cadeira e apanharam o avião para se embrenhar em
mercados dificílimos por esse mundo afora, aumentando historicamente as
exportações?
Mas que esse aumento ainda é
insuficiente para gerar meios de financiamento da economia portuguesa se a
conjuntura externa se degradar e a procura interna contrair…
Não deveria ser este o
principal alerta do discurso de Rui Rio, em vez de se entreter com taticismos
de interesse partidário, para os quais não tem manifestamente jeito?
Não deveria ser prioridade no
discurso do líder da oposição a denúncia dos inúmeros entraves ao investimento
empresarial por causa de uma burocracia paralisante sob inúmeros pretextos, por
parte dos técnicos dos ministérios do Ambiente, da Agricultura, da Economia, da
Saúde, da Administração Interna e da generalidade das Câmaras Municipais?
Não devia ser prioridade de
Rui Rio a defesa dos empreendedores e a melhoria das condições para as empresas
criarem mais riqueza em vez de serem o alvo para os políticos irem “buscar o
dinheiro onde ele está”?
Não aprendemos as lições do
passado?
Não ficarei calado perante
esta percepção desfocada e perante a condução errada dos destinos do país.
Não posso calar a voz perante
uma decisão altamente imprudente de um Governo que aceita que a maior empresa
de eletricidade do país só pague a CESE, um imposto que é receita do Estado, se
o Orçamento do Estado destinar o pagamento de 190 milhões de euros na redução
da dívida tarifária (uma alegada dívida dos consumidores às operadoras do
sector escandalosamente inchada pelos sucessivos governantes desde António
Guterres).
Isto é claramente o Governo a
ceder a uma chantagem de uma empresa privada, para baixar a fatura da eletricidade
em ano de eleições, à custa de dinheiro que é de todos os contribuintes, não
percebendo que logo a seguir esta fatura vai disparar para valores ainda mais
altos. (Já agora, convido todos os portugueses a guardar religiosamente as faturas
de eletricidade deste ano para comparar com as do ano que vem: em janeiro de
2020 vão ter uma surpresa…)
Não serei conivente com as
(des)orientações atuais, tanto dos governantes como da oposição.
Tal como não fui conivente em
2007, quando Portugal se endividava externamente ao ritmo de dois milhões de
euros à hora; quando a empresa pública Estradas de Portugal era transformada no
único concessionário de autoestradas, para se poder endividar até ao tutano e
pagar rentabilidades de 15 e de 16 por cento aos amigos subconcessionários das
PPP rodoviárias; e quando o generoso ministro da Economia, Manuel de Pinho,
entregava a extensão da concessão de dezenas de barragens à EDP por 700 milhões
de euros, enquanto os bancos de investimento apontavam para 2,1 mil milhões de
euros, três vezes mais!
Tal como não fui conivente em outubro
de 2008, quando o orçamento do Estado do ano seguinte apontava para um aumento
de quase três por cento para os salários da função pública, reduzia o IVA para
20 por cento e previa milhares de milhões de euros para gastar no esbanjamento
criminoso da empresa pública Parque Escolar, SA;
Tal como não fui conivente no
início de 2010 quando o então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, teve
de reconhecer numa entrevista a SIC que o défice (superior a 9 por cento) do
ano anterior derrapara, entre outras razões, porque “o Estado não conseguira
lançar mais uma concessão rodoviária com mais de 200 milhões de euros de
pagamento à cabeça”, revelando o profundo desgoverno a que nos tinha conduzido.
Tal como não fui conivente a 7
de Setembro de 2012, quando Passos Coelho e Vitor Gaspar decidiram fazer a
maior transferência de rendimento do fator trabalho para o fator capital de que
haveria memória no país, com o aumento da TSU de 11 para 18 por cento a cargo
dos trabalhadores e a diminuição de 23,75 para 18 por cento da parte a cargo
das empresas;
Tal como não fui conivente ao
denunciar com insistência que o contrato de concessão do Estado à ANA,
Aeroportos de Portugal, e a subsequente privatização desta empresa pública,
estavam a ser feitos pela mesma equipa de gestores que haveria de continuar com
os novos acionistas privados franceses, depois de terem criados as condições
para o Estado permitir aumentos sucessivos das tarifas aeroportuárias.
Tal como não fui conivente com
a proteção das rendas das empresas de energia e a traição ao então secretário
de Estado da Energia, Henrique Gomes, e ao então Ministro Álvaro Santos Pereira
feita pelo seu próprio governo do PSD-CDS-PP. A mesma que o Governo do PS, com
apoio do PCP e do bloco de esquerda fez agora a Jorge Seguro Sanches e a Manuel
Caldeira Cabral.
De novo, perante os
inúmeros riscos internos e externos que os portugueses enfrentam, não devemos
ser coniventes com os silêncios, as omissões, as distorções as decisões erradas
e as falsas promessas dos principais políticos portugueses.
Título e Texto: José Gomes Ferreira, SIC Notícias, 28-12-2018
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