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Paris, dezembro de 2018, foto: Reuters |
João Pereira Coutinho
O “homem democrático” não desapareceu; ele
ressurgiu em força e em fúria por todo o lado, reclamando, com razão ou sem
ela, que os tecnocratas globais desçam do seu pedestal e passem a habitar o reles
mundo da realidade
Tinha 12 anos quando entrei pela primeira vez no Museu Britânico. É
experiência que não se esquece, apesar dos meus interesses, à época, serem
bastante limitados: gostava de múmias e pouco mais. Ainda gosto, confesso,
motivo por que me dedico à política doméstica. Mas divago.
Ou não divago. Agora, leio por
aí que as gerações futuras podem não ter a mesma experiência cultural. Isto,
claro, se vingar a nova filosofia do tempo, que pretende devolver aos países de
origem todos os artefatos roubados pelo colonialismo.
Dizem os sábios que essa
"mudança de paradigma" (peço desculpa) promete revolucionar os nossos
museus. E, em certos casos, esvaziá-los. Mas como defender moralmente a
pilhagem dos velhos senhores?
Deus me livre de o fazer! E
desde já apresento as minhas desculpas pelo arrebatamento fascista com que
contemplei o Egito dos faraós. Gostaria apenas de relembrar que a devolução em
massa pode ter uma consequência perversa: condenar várias expressões culturais,
que o conhecimento e a técnica do Ocidente conseguiram partilhar com o mundo
inteiro, a uma nova fase de escuridão e periferia.
O que não deixaria de ser
irónico: para respeitar a integridade de certas culturas e artes, a solução
encontrada foi riscá-las do mapa.
ENTENDER O
POPULISMO?
Não me canso de recomendar o
livro de Roger Eatwell e Mathew Goodwin. Intitula-se National Populism: The Revolt Against Liberal Democracy e um
capítulo em especial – o terceiro – merece uma referência.
Argumentam os autores, e
argumentam bem, que o populismo da moda não começou com a crise financeira. Nem
sequer com a crise dos refugiados em 2015. O fenômeno sempre acompanhou a
própria democracia liberal; e esta sempre alimentou uma desconfiança instintiva
(e para mim justificada) sobre o poder das massas.
Essa desconfiança, por razões
compreensíveis, atingiu o auge com o fim da Segunda Guerra, o que levou os
arquitetos liberais do pós-guerra a divisar um conjunto de instituições –
globais, transnacionais, supranacionais – que pudessem discutir e decidir as
questões políticas sem o ruído ignaro do “homem democrático”.
Fatalmente, o “homem
democrático” não desapareceu: ele ressurgiu em força e em fúria por todo o
lado, reclamando, com razão ou sem ela, que os tecnocratas globais desçam do
seu pedestal e passem a habitar o reles mundo da realidade. E os tecnocratas?
Desceram?
Sim, mas apenas em termos
geográficos: foram a Marraquexe assinar um Pacto
Global das Nações Unidas para as Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares.
Especialistas piedosos garantem que o “pacto” é um discurso de Miss Universo; e
que os Estados, sempre soberanos, farão como entenderem.
Como é óbvio, ou talvez não,
assinar um pacto sobre matéria tão radioativa, por mais inofensivo que ele seja
(e não é!), devia passar sempre pelos povos (e pelos parlamentos dos povos) que
os tecnocratas persistem em ignorar.
Quando será que eles aprendem?
Quando a Europa inteira, e não apenas Paris, a ferro e fogo?
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO,
nº763, de 13 a 19 de dezembro de 2018
Digitação: JP
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