Alexandre Homem Cristo
De mentira em mentira, Costa e a esquerda
conseguiram ganhar tempo, gerir expectativas e comprar a paz. Agora, o discurso
do governo está a esgotar-se à medida que o seu escrutínio se torna possível.
Uma das vantagens da passagem
do tempo é viabilizar o escrutínio da decisão política, seja porque são,
entretanto, publicados os indicadores comparados que permitem essa análise,
seja porque as consequências de determinadas decisões se tornam visíveis a olho
nu. É a adaptação política do ditado popular de que mais depressa se apanha um
mentiroso do que um coxo: de facto, demora um pouco mais de dois anos até que a
informação disponível seja arrebatadora.
Ou seja, uma governação
alicerçada em ilusões vai ficando, com o passar do tempo, fragilizada pela
confrontação com a realidade e os factos que desmentem promessas e
expectativas. É esse o desafio atual da geringonça: à entrada do ano eleitoral,
existem cada vez mais indicadores que contrariam as suas narrativas políticas.
Não faltam episódios que o
demonstram e que põem em causa as grandes linhas políticas dos partidos que
apoiam o governo. Por exemplo, após reiteradas promessas de virar a página da
austeridade, é hoje absolutamente evidente que a contenção orçamental está a
esmagar os serviços públicos e a prejudicar sobretudo a população mais
desfavorecida (a que mais depende dos serviços públicos). Por exemplo, ao
contrário das expectativas, estes anos de crescimento econômico têm sido também
anos recordistas em carga fiscal, que nunca esteve tão elevada, e de diminuição
histórica do investimento público, que bateu no fundo. Por exemplo, mesmo que o
primeiro-ministro faça loas à devolução dos rendimentos e garanta que a
economia portuguesa está a convergir com a UE, os números mostram o contrário:
o poder de compra relativo dos portugueses em 2017 é inferior ao em 2016, e cada vez Portugal vai afundando
mais na lista de países europeus.
Mas se isto é tudo a nível
macro, também nas áreas setoriais da governação se observa o mesmo confronto
entre o discurso das promessas e realidade dos incumprimentos. Não é só na
Saúde, onde é sabido há vários meses, que o sistema está a colapsar, sendo agora os sinais indisfarçáveis, ou na Segurança
Social, área na qual as queixas se acumulam. É transversal, alargando-se também a outras áreas menos
discutidas sob esta perspectiva, como a Educação e a Ciência.
Na Educação, por exemplo, um
dos eixos de investimento mais publicitado pelo governo foi na Ação Social
Escolar (o apoio aos alunos carenciados), no sentido de garantir maior equidade
no acesso à escola. E muito bem, tendo eu próprio assinalado isso mesmo quando, em 2016, se apresentou o
orçamento para 2017. O ponto é que, supostamente, a verba para a Ação Social
Escolar iria aumentar 4% em 2017, face ao ano anterior, investimento que o
governo divulgou amplamente. Ora, com a publicação do relatório da execução orçamental do ministério da
educação, constata-se agora que, afinal, a verba para a Ação Social não
aumentou, mas sim diminuiu em 2% – ou seja, em vez de mais 9 milhões de euros,
houve menos cerca de 4 milhões de euros. Entre a narrativa e a realidade, a
diferença é significativa.
Veja-se, ainda, o caso da
Ciência, eleita pelo governo prioridade estratégica e, consequentemente, com
anunciados aumentos de investimento. Ora, afinal não foi bem assim, como revela
a recente publicação dos indicadores referentes a 2017 na Fundação Ciência e
Tecnologia (FCT), que gere os investimentos na Ciência. O que aí se observa é
que a verba executada em 2017 foi inferior à executada em 2016. E inferior à de
2015. E inferior à de 2014.
E assim sucessivamente ao
longo de dez anos: desde 2006, data antes de haver uma aposta reforçada do
Estado na Ciência, que não houve um investimento tão baixo na Ciência. Ou seja,
houve menor investimento em bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Ou seja, o
financiamento de projetos I&D caiu a pique (quase
metade do que era em 2015) e o número de projetos ficou reduzido a umterço. Ou seja, o número de investigadores financiados pela FCT só aumentou ligeiramente, ficando muito abaixo dos níveis
de 2014. Olhando aos números, não se encontra sustentação para a tão falada
aposta do governo na Ciência.
Os exemplos multiplicam-se.
De mentira em mentira, António Costa e os partidos à esquerda conseguiram ganhar tempo,
gerir expectativas, receber elogios e comprar a paz. Mas tudo tem um prazo.
Três anos passados, o discurso deste governo está a esgotar-se à medida que o
escrutínio dos seus compromissos se torna possível através de dados objetivos
da economia portuguesa e de cada sector da governação. O ano eleitoral
antecipa-se, portanto, um difícil período de prestação de contas para o PS e a
esquerda parlamentar, que viabilizou orçamentos e opções políticas – e só não
será pior porque o PSD está como está. Quem promete os céus, geralmente, cai
aos infernos.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador, 17-12-2018
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