Carina Bratt
“Se me der vontade de ir embora vida adentro, mundo afora, meu amor não
vá chorar...”.
Eu juro que não vou embora.
Bato o pé. Empaco igual mula velha. Já viu mula velha quando emperra? Pois
então. Não vou embora. Nem que a vaca tussa. Ou espirre. Ficarei aqui,
exatamente aqui, onde estou, à flor de mim, exposta, aberta, como isca ao
acaso. Tal como serpente com seu veneno diário, alma penada em busca de reza. A
língua enrolada na boca, as palavras entrecortadas na garganta, mascadas,
marteladas a dentes caninos e esfomeados de uma tara incomum.
Amargando quietinha, sozinha,
sigo silenciosa do meu púlpito entre quatro paredes. Moldura árida. Busco este
amor insano que me domina o coração em frangalhos, que me queima a alma e me
faz cativa do seu gostar maloco. Maloco? Maloco não, maluco. Gostar de você é
isto mesmo. Malocar um amor adoidado, sem saber o que poderá acontecer no
próximo instante. É camuflar a própria personalidade, como se ela fosse
controlada por um remoto distante, onde o carinha que detém o mecanismo do
liga-desliga está mais oculto e protegido que o italiano Cesare Battisti cujos
cachorrinhos da Policia Fedemal até agora não conseguiram farejar seus rastros.
“Meu amor, não vá chorar...”.
As suas lágrimas são as minhas derramadas em outra visão beatificada, em outro
rosto que somente eu conheço cada pedacinho, centímetro a centímetro. Gostar de
você é como se atirar de um penhasco aberto a pélago infinito, sem amarras, sem
cordas, sem talingas ou paraquedas. É se sentir solta e leve, leve e solta, na
loucura deste pulo sem volta, sabendo que lá embaixo, à medida que o oceano
revolto se aproxima, numa velocidade precipitada, desequilibrada, com suas
ondas gigantescas e fatais, me esborracharei em mil pedaços.
“Meu amor, não vá chorar...”.
Por favor. Não derrame a sua emoção incontida, presa no âmago da sua estrutura
acima de qualquer suspeita à minha morte planejada, minuto a minuto. Saiba que
o meu desejo de pular, de voar como Ícaro, em direção contrária, foi meu, só
meu. Eu sabia, de antemão, conhecia as consequências funestas, os estragos, do
que me esperava lá embaixo no final da queda. Às vezes necessitamos dar asas à
nossa autodemência para nesta atrofia, aos abraços gélidos da derrocada,
entendermos nossa própria estupidez.
“Se me der vontade de ir
embora (de novo) vida adentro mundo afora, meu amor, não vá chorar”. Se guarde.
Se preserve. Se cuide. Ao ver que o cajueiro abrolhou, se abriu em festa de
aformoseamento, e que o sol se fez mais quente e bonito e os passarinhos, por
seu turno, cantaram com mais harmonia, saiba que voltei. Entenda que, de alguma
forma estranha, me devolvi inteira (e aos pedacinhos), a você, Príncipe do meu
olhar, do meu gostar, do meu amar. Do meu amar. Serei seu pão para muitas fomes
vindouras. Igualmente a sua ponte para que se religue ao que ontem fomos.
Que a pirueta para o além foi
ou melhormente explicado, não passou apenas de um sonho obtuso e mentecaptado.
Uma vontade prematura e doentia, boçalizada, que sequer chegou a se alastrar na
minha cabeça de mulher apaixonada. Ah, meu Príncipe! “A terra toda é uma
ilha...” - uma ilha cercada de sua presença por todos os lados.
Uma porção do seu corpo
inteiro, inteira visão do paraíso, completo, completa bem-aventurança, para
onde quer que eu consiga esticar os sentidos ligados na tomada da minha
desvairada imaginação. Esta ilha tem seu cheiro, seu gosto, seu sangue quente,
seu “eu” imaginoso a mil por hora.
Esta ilha é uma obsessão que
me acompanha neste delírio do tamanho da sua insensatez. Insensatez? Não só da
sua, da minha felicidade. Da nossa. Entre mortos e feridos, me vejo, imagine,
como aquele pedinte que se dirigiu ao rei dos obséquios (tão bem descrito por
Saramago), intencionando pedir um barco.
Se eu ligar meu radinho de pilha,
o que ouvirei será a sua voz cantando uma canção de amor, falando de um
encantamento etéreo que não se desagarra de mim. Que não se desprega de nós.
Terá, por fim, entre altos e baixos, “noticias minhas entre as carnaubeiras,
meu amor é um passarinho, pode fugir da tua mão. Não dances, pelo caminho... eu
não vou me embora (de novo?) eu não vou me embora não...”.
Pois é, meu Príncipe. “Não há
pranto que apague dos meus olhos o clarão nem metrópole onde eu não veja o
luar...” Onde euzinha não tope, não perceba, não toque, não me preencha, não me
abarrote não me transborde... e não me encharque, inteirinha, do seu gozo, da
sua total posse até a exaustão. “Se me der vontade de ir embora vida adentro,
mundo afora...”.
Vida adentro de você. Sempre.
Vida há dentro de você. VIDA EXISTE, EM ABUNDÂNCIA, MAIS AÍ OU AQUI... AQUI
DENTRO DE VOCÊ. Como o louco personagem
de Saramago, que pediu ao rei um barco para sair em busca de uma ilha
desconhecida, como ele, “fiz-me enfim, ao mar proceloso, em busca de nós”.
Título e texto: Carina
Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo, 23-12-2018
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[As danações de Carina] Apresentação
Alguns textos da senhorinha carina , me faz viajar!
ResponderExcluirEste é mais um deles.
Quem não gostaria de ser amado assim?
Somente se for muito jovem, ou poder "bancar" este amor!
Como não me enquadro em nenhum dos dois casos ...fico suspirando !
Mas mesmo assim como ficção é um bom texto!
Parabéns!
Paizote
Boa tarde caro amigo Paizote. Obrigada pelo elogio ao meu texto. Procuro melhorar em cada um que publico. Fico feliz, de verdade, que tenha gostado e até feito o senhor viajar. Para ser amado desta forma que descrevo, é preciso se doar, de oração. Dar-se sem barreiras ou amarras.
ResponderExcluirCarina
Ca
carinabrattistoegente@gmail.com
do Sítio Shangri-La, um lugar perdido no meio do nada. MG