Mamãe foi a primeira a
perguntar como é que eu estava me virando. Logo eu, Sofia, uma moça de vinte
anos nas costas que não possuía nenhum senso prático de organização. Uma
bagunceira nata. Tinha mania de deixar tudo jogado pela casa – desde as
calcinhas no chão do boxe do banheiro, aos sapatos e sandálias, cada um para um
lado, no hall da sala. Não lavava um copo. Ao comer, fazia uma lambança dos
diabos, além de deixar os pratos amontoados em cima da pia, até juntarem
baratas.
Todos em casa orbitavam sistematicamente
metódicos. A começar pelo Luiz, meu irmão mais velho. No guarda-roupa dele,
dividido com o Valdir, meu outro irmão, podia se achar uma agulha no escuro,
sem precisar do palheiro, ou acender a luz. O mesmo acontecia com as tralhas de
Paulinho, um primo nosso que fazia faculdade de medicina e morava no interior.
O cara vinha para casa de
quinze em quinze dias. Um porre! Chegava a dar nos nervos, de tão limpo e
organizado. Viviane, minha irmã, (depois de mamãe e nossa empregada Regininha,
a quarta mulher da casa. Viviane mais nova que eu dois anos), também não ficava
atrás. Seu quarto podia se classificar como um desses bons exemplos para
qualquer adolescente rebelde e metida a patricinha.
Puxou a mamãe e, como tal,
nada rolava fora do seu devido lugar. Na verdade, me transformara na ovelha
negra da família havia anos. Desde pequena meus pais viviam pegando no meu pé
para tomar juízo e botar na cabeça um pouco de modos. Qual o quê! Os conselhos entravam por um
ouvido e na mesma hora saiam por outro numa velocidade incrível.
Na verdade, eu não serviria
jamais como exemplo para qualquer tipo de família, fosse ela de classe média,
rica ou pobre e acredito, tenha sido esta a razão maior que os meus pais me
jogaram com todas as bagunças e bugigangas para o quartinho da Regininha, a
nossa secretária do lar, que ficava lá nos fundos do quintal, bem longe da casa
principal. Regininha se deu bem. Passou
de mala e cuia, a dividir os aposentos com a Viviane. Massa! Foi nesse
quartinho que me soltei. Que me desamarrei e extravasei as taras escondidas.
Nada no meu novo pedaço estava em ordem. Tudo era uma confusão só. Uma baita,
diga-se de passagem.
Se uma das gavetas do armário
fosse aberta, tanto poderia ser encontrado ali dentro um vestido limpinho e
passado, como um par de sapatos sujos perdidos no meio das calças jeans e as
toalhas de banho. A higiene, realmente, passara longe de mim. Diria de
camarote, a quilômetros. Talvez fosse por esta razão que detestava ver as
coisas nos seus devidos lugares, e, de igual forma, odiava tudo muito
arrumadinho.
Quando ainda morava na casa
principal, lembro que mamãe não permitia que ninguém entrasse sem antes deixar
os sapatos do lado de fora da porta. Se um filho de Deus pisasse no tapete
dela, ou nos ladrilhos com os pés sujos, o céu vinha abaixo. O tempo fechava.
Acontecia assim com todas as outras coisas, fossem elas corriqueiras ou não.
Em resumo, para mim, uma
bagunceira compulsiva e irremediavelmente irrecuperável. No geral... bem, no geral, achava tudo um tremendo chute
no meio da bunda. Do lado esquerdo do traseiro, não sei por que cargas d'água,
a parte dos fundilhos que mais doía em mim.
Título e Texto: Carina Bratt, São Paulo Capital,
25-11-2018
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