Humberto Pinho da Silva
Minha mãe acabara de ser
trepanada, no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa. Permanecia, ainda,
inconsciente. Era uma manhã fria de Inverno. Chovia e ventava, que Deus a dava.
Diante da estreita janela, que dava para o exterior, mergulhado em negros
pensamentos, olhava indiferente, a forte bátega, que desabava do céu, cor de ardósia.
Lá fora, no jardim, rodopiavam
endiabradas, folhas de plátano, ao ritmo infernal da canção do vento, que tudo
varria, em fúria desenfreada, esguedelhando, em rajadas desabridas, os ramos,
quase despidos, de árvores esqueléticas. De repente, senti abrir a porta de
mansinho. Olhei.
Era uma senhora, elegantemente
vestida, que trazia nos braços, vistoso ramo de lindas rosas amarelas:
“Posso entrar?” – Inqueriu em leve murmúrio, numa voz doce e
velada.
“Sim” – respondi, sem
pensar.
Entrou. Depôs, delicadamente,
o ramo de rosas, sobre a mesa de ferro esmaltada a branco, e, voltando-se para
mim, sempre com sorriso acolhedor, disse em tom familiar:
“Sabe quem sou?”
Fiquei indeciso; atrapalhado.
Na verdade, não sabia; mas respondi-lhe, para não ser indelicado.” “Penso
que sim… A sua fisionomia não me é estranha…”
“Graciette Branco.“ –
Disse, libertando-me do embaraço em que me encontrava.
Nesse lance, surgiu meu pai,
que fora conversar com o cirurgião.
Cumprimentaram-se afetuosamente.
Falaram da doente e da forte invernada que desabou sobre Lisboa.
Para alimentar a conversa, meu
pai, falou-lhe do “Pim Pam Pum”; e disse-lhe que no dia em que era publicado, a
avó, costumava visitar a amiga, que morava na rua dos Clérigos. Amiga, essa,
mãe de Cal Brandão – futuro Governador Civil do Porto.
Ia brincar para a ampla
varanda, que corre pela fachada do prédio, e ficava a espiar, por entre as
grades de ferro pintadas a verde, os “Lóios”, tentando lobrigar o ardina, que
vendia o “Século”.
Contou-lhe que se indignava
todo, ao escutar o pregão “Olha o diário do Século!”, porque entendia “Olha o
diabo do Século!”. Que atrevimento, anunciar o “seu” jornal desse jeito! O
jornal que trazia o “Pim Pam Pum”.
Graciette Branco, sorria. Um
sorriso bondoso e complacente, e recordava emocionada, cenas de infância, e a
alegria que sentia ao escrever para o “Pim Pam Pum”.
Foi a primeira e última vez
que vi a poetisa. Soube que embarcara para Lourenço Marques, onde vivia o
filho.
Meu pai, ainda recebeu
correspondência de Moçambique, mas, aos poucos, as cartas foram escasseando.
Na última, escrevia que andava
muito triste. Tristeza, que não sabia a origem. O amor da Bolinha e do
Guinózinho – seus netos, – não era suficiente para lhe reaver a alegria
perdida.
Foram as últimas notícias da
menina do “Pim Pam Pum”.
Meu pai ainda escreveu para a
Avenida Miguel Bombarda, em Lisboa, onde residira, antes de embarcar, mas a
missiva veio devolvida com a indicação “Destinatário desconhecido”.
Pouco sei da biografia dessa
grande poetisa e escritora. A Internet – que tudo sabe, – é omissa.
Sei que fazia parte do célebre
Cenáculo da Marquesa de Valverde, que se reunia todas as terças-feiras, na
Sociedade de Geografia de Lisboa.
Sei, igualmente, que publicou
os primeiros textos no “Século“, e que desde menina era admirada e aplaudida
pela crítica mais exigente, e que seus textos aparecem em seletas. V.G. “Livro
Único para a 5ª Classe”.
Nada mais, infelizmente, posso
adiantar.
Assim pensava. Mas… Guilherme
de Santa-Rita (O Guinózinho) esclareceu-me:
“Graciette Branco foi uma
poetisa, escritora e declamadora. Publicou várias obras e escreveu muito para
diversos jornais e revistas da época, muito particularmente para o suplemento infantil
do Século ‘Pim Pam Pum’, cujo diretor literário era o seu marido Augusto de
Santa-Rita, de quem, mais tarde, veio a divorciar-se.
O seu filho era Oficial do Exército
(Guilherme Augusto Alves Branco de Santa-Rita) e, em 1973, foi colocado na
P.S.P. de Lourenço Marques, para mais uma comissão de serviço no Ultramar. A 6
de Abril de 1974, Graciette Branco e seus netos, Isabel Maria Floro de
Santa-Rita (a Bolinha), e Guilherme Augusto Floro de Santas-Rita (o Guimó)
foram viver para Moçambique, com a previsão de ficar por quatro anos.
Por causa do 25 de Abril,
deu-se o regresso a Lisboa, em dezembro desse mesmo ano, não para a Av. Miguel
Bombarda (de onde tinha saído em finais de 1968), mas para os Olivais Norte.
Em 1975 foi-lhe
diagnosticado uma arteriosclerose que a foi consumindo, física e
psicologicamente, até meados do ano de 1980, quando morreu.”
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, novembro de
2018
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