Ernesto Araújo
Discos voadores até podem existir; marxistas intelectualmente
honestos, não
A cultura pós-moderna em que vivemos padece de um terrível literalismo. Muitas pessoas vão perdendo a capacidade de compreender o símbolo ou a metáfora, a ironia ou a piada, não conseguem transitar entre diferentes níveis de discurso, não percebem as figuras de linguagem, consequentemente não discernem o senso de humor nem decifram o pensamento sugestivo. Tornam-se incapazes do raciocínio abstrato, baseado em conceitos ou em universais: limitam-se aos particulares, à repetição tautológica de casos específicos. Acham que toda elocução é descritiva, não distinguem a função evocativa da fala.
Assim, se eu fizer uma referência
à história da cigarra e da formiga, amanhã algum jornal dirá que eu acredito em
insetos falantes.
Em semelhante contexto, quero
deixar claro o seguinte: não acredito em discos voadores, nem deixo de
acreditar.
O uso da expressão “acreditar”
com relação à existência ou inexistência de civilizações extraterrestres e seus
aparatos afigura-se inadequado. Parece perfeitamente plausível que existam tais
civilizações e sejam capazes de viagens interestelares – e uma hipótese
plausível não é, a rigor, matéria de crença. Trata-se, no caso, de uma
proposição verificável, e jamais falseável, segundo a epistemologia de Karl
Popper, ou seja: é possível comprovar empiricamente que os discos voadores
existem, basta que um dia um deles apareça à luz do dia e todo mundo o
enxergue, mas é impossível comprovar empiricamente que os discos voadores não
existem, pois teríamos de varrer todo o universo à sua procura até concluir por
sua inexistência, tarefa inexequível.
Podemos dizer algo semelhante
de outras entidades, por exemplo: corvos brancos. É plausível que haja corvos
brancos, pois não há nenhuma impossibilidade intrínseca em sua existência, mesmo
se nunca ninguém os viu. Os corvos brancos nisso diferem, por exemplo, dos
marxistas intelectualmente honestos. A existência de um marxista
intelectualmente honesto não é plausível, pois há uma contradição intrínseca
entre a disciplina intelectual marxista, que nasce na mentira e obriga seus
praticantes a mentir inclusive a si mesmos o tempo todo, e a honestidade
intelectual. Desse modo, a proposição “existem marxistas intelectualmente
honestos” difere das proposições “existem discos voadores” ou “existem corvos
brancos”. Ela não é nem verificável nem falseável, ela é apenas logicamente
insustentável, como seria a proposição “existe luz escura”.
Quem diz “em acredito em tal
coisa” está abrindo um canal para a busca de significado para além ou para fora
do terreno da lógica e da epistemologia. O fato de tratar os discos voadores
como matéria de crença, e não de verificabilidade empírica, é muito revelador
do vazio espiritual contemporâneo. Numa civilização que proíbe a
transcendência, algumas pessoas começaram a agarrar-se a certas manifestações
materiais ou “mitos contemporâneos” (mais ou menos como diz C.G. Jung em seu
ensaio sobre os discos voadores, Um Mito Moderno) que funcionam como
sucedâneo do transcendente, do numinoso, do sagrado que elas já não conseguem
conceber direta e autonomamente.
Ora, já sabemos que a esquerda
não tolera a transcendência, pois a abertura para a transcendência é, em última
instância, o que constitui a humanidade do homem, e também já sabemos que a
esquerda é anti-humanista. Desse modo, não espanta que todas ou quase todas as
pessoas cuja sede de transcendência e numinosidade leva para a crença em discos
voadores construam suas casas no bairro da direita. Do mesmo modo aqueles que
buscam a transcendência no esoterismo, no ocultismo, nos mistérios das
civilizações desaparecidas, na alquimia, normalmente se acomodam na direita,
todos os heróis fascinados pela rosa distante, secretíssima e inviolada de que fala
Yeats em seu poema “The Secret Rose”, essa rosa que não é senão a
transcendência, e a buscam no Santo Sepulcro, ou na embriaguez, no amor, na
aventura.
Esse bairro colorido, esfuziante de desejo pelo além, pela verticalidade, nas formas mais diversas, esse bairro é a direita. Do outro lado do rio político está o bairro da esquerda, um bairro cinza, pesado, de pessoas cabisbaixas que caminham murmurando slogans vazios ou fazem fila para receber sua ração diária de materialismo e reducionismo (uma espécie de soylent green, uma pasta amorfa feita de pensamento decomposto). No bairro da esquerda não há transcendência, nem a transcendência original nem os seus sucedâneos. No bairro da esquerda não há lugar para o mistério, pois o mistério é constitutivo do ser humano. Quem busca o mistério atravessa para a direita, seja o mistério de quem construiu as pirâmides, seja o de como são feitos os crop circles, seja o mistério do logos incarnado.
Esse bairro colorido, esfuziante de desejo pelo além, pela verticalidade, nas formas mais diversas, esse bairro é a direita. Do outro lado do rio político está o bairro da esquerda, um bairro cinza, pesado, de pessoas cabisbaixas que caminham murmurando slogans vazios ou fazem fila para receber sua ração diária de materialismo e reducionismo (uma espécie de soylent green, uma pasta amorfa feita de pensamento decomposto). No bairro da esquerda não há transcendência, nem a transcendência original nem os seus sucedâneos. No bairro da esquerda não há lugar para o mistério, pois o mistério é constitutivo do ser humano. Quem busca o mistério atravessa para a direita, seja o mistério de quem construiu as pirâmides, seja o de como são feitos os crop circles, seja o mistério do logos incarnado.
Talvez o que defina mais
profundamentre a cisão entre esquerda e direita seja a rejeição e aceitação da
transcendência, respectivamente.
Quem crê procura a direita.
Mesmo quem crê em coisas que não seriam questão de crer, como os discos
voadores. Muita gente acredita em discos voadores apenas porque acha que é
proibido acreditar em Deus.
Não é proibido.
Título e Texto: Ernesto Araújo (ministro nomeado das
Relações Exteriores), Metapolítica 17 – Contra o globalismo, 25-11-2018
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