Aparecido Raimundo de
Souza
VIVIAM E CEZAR SE ENCONTRAM à saída da faculdade
onde estudam. Logo que chega, a moça ao invés de lhe dar um beijo de bom dia,
parte para uma pequena discussão.
VIVIAM (Muito séria.
Ela realmente está muito séria):
- Cezar, você tem
certeza que me ama de verdade como acabou de me falar há dois segundos atrás
pelo celular?
CEZAR:
- Claro, Viviam. Por que
esta cisma boba agora?
VIVIAM:
- Não sei. Ultimamente
você anda estranho e desligado!
CEZAR:
- Meu amor, deixa de
besteiras. Eu te adoro. Você é a mulher da minha vida. Faz uma pausa e grita: A
MULHER DA MINHA VIDA. EU TE AMOOOOOOO!...
VIVIAM:
- Será?
CEZAR:
- Duvida?
VIVIAM:
- Às vezes sim, outras
também.
CEZAR (Apaixonado):
- Eu te amo, Viviam.
Amo você desde a primeira vez em que coloquei meus olhos nos seus. Foi como se
uma fada madrinha tivesse batido com a varinha de condão e me despertado para
um sonho lindo.
VIVIAM (Fria e
desligada):
- E a Marina?
CEZAR:
- O que tem a Marina?
VIVIAM:
- Como o que tem a
Marina? Você se esqueceu dela?
CEZAR:
- Completamente!
VIVIAM:
CEZAR:
- Acabou Viviam.
Terminou. Marina é carta fora do baralho.
VIVIAM:
- E o bilhete dela que
eu peguei no seu bolso?
CEZAR:
- Nada a ver!
VIVIAM:
- Tudo a ver.
CEZAR:
- Viviam, esquece a
Marina e aquele maldito bilhete. Aliás, se você leu, e tenho certeza que sim,
deve recordar que nele só estava escrito que ela queria o livro do Veríssimo de
volta que havia me emprestado. Viviam, sua bobinha, meu amor é você.
VIVIAM:
- Prove.
CEZAR (Tira do bolso
traseiro da jeans, uma caixinha embrulhada em papel de presente):
- Veja o que eu
trouxe.
VIVIAM (Desembrulha
atabalhoadamente):
- O que é isto? A
chave de uma Ferrari?
CEZAR:
- Deixe de ironia.
VIVIAM (Retira a tampa
da caixinha):
- Meu Deus, Cezar. Um
par de alianças. Caraca! É de ouro? Espera
aí, o que significa? Quem é a felizarda?
CEZAR (Sorri mostrando
certa decepção):
- Viviam, fala sério.
Felizarda? Preciso dizer?
VIVIAM:
- Ao menos seja
romântico... e sincero... alguém que eu conheça?
CEZAR:
- Viviam, me escuta.
Olhe para mim. Este par de alianças...
VIVIAM:
- É um presente para a
outra? Tudo bem, numa boa. Só me diga quem é a vagabunda. Quero dar os
parabéns. Sem mágoas...
CEZAR:
- Viviam...
Viviammmmmm... presta atenção! Isto aqui é mais que um presente. Significa um
pedido.
VIVIAM (Coça uma
comichão imaginária na orelha direita):
- Um pedido? Que
pedido?
CEZAR (Se ajoelha aos
pés de Viviam):
- Viviam, minha
gatinha linda, quer ser minha mulher?
VIVIAM (Coça agora a
outra orelha):
- Sua o quê?
CEZAR:
- Minha esposa, mãe
dos meus filhos, a deusa do meu coração? Viviam, minha paixão, quer viver ao
meu lado até o fim dos nossos dias?
VIVIAM (Se abre num
sorriso maroto):
- Por acaso está me pedindo
em casamento?
CEZAR (Muito compenetrado):
- Oficialmente.
VIVIAM (Brinca):
- Com vestido de
noiva, véu, grinalda, padrinhos, igreja, padre, buquê de flores pra eu jogar
para meus amigos e amigas, limousine rosa com teto solar, motorista com quepe
abrindo as portas, um monte de latinhas de cervejas amarradas no para-choque,
lua de mel num paraíso fiscal e tudo mais?
CEZAR:
- O que você quiser,
minha linda. O que você quiser. Menos o paraíso fiscal.
VIVIAM:
- Deixo o paraíso
fiscal de lado. Antes que eu responda sim ou não, esclareça um ponto obscuro. Tenebrosíssimo
por sinal. Você teve um caso com a Walquíria?
CEZAR:
- Por tudo quanto é
mais sagrado, Viviam. Estou lhe pedindo, aqui, de joelhos, na frente de toda
essa galera transitando pra lá e pra cá... na verdade estou implorando para ser
minha esposa e você me vem com esta paranoia de ciúme besta desenterrar
fantasmas do passado?
VIVIAM (O dedo em
riste):
- Não se faça de
desentendido. Walquíria não é nenhum fantasma do passado, nem estou com ciúme. O
problema é que até um mês atrás vocês viviam num chamego, num agarramento e
numa beijação... nossa mãe santíssima. Dava raiva ver vocês dois. Puta que
pariu...
CEZAR:
- Walquíria é apenas
uma boa amiga. Dessas que a gente guarda
a sete chaves, num lugar secreto dentro do coração. Lembra da música?
VIVIAM (Se concentra
num cachorro vadio que aparece do nada):
- Lembro. Aquela
antiga do Roberto Carlos. Amo essa música. Uma das minhas preferidas. Meu livro
de cabeceira. Não mude de assunto. Voltando à Walquíria. Só amiga?
CEZAR:
- Só amiga e também uma
grande companheira. A música que você diz ser a sua preferida e de cabeceira
(nunca ouvi dizer que existisse livro-música de cabeceira), não é de Roberto
Carlos, mas de Milton Nascimento. Deixa pra lá. Então, aceita ser minha cara-metade?
A pedra que faltava para completar o mosaico da minha existência? Meu chinelo
faltoso?
VIVIAM (Com o
semblante apaixonado):
- Me beija...
CEZAR (Abre os braços):
- Me abraça com força,
meu amor...
Cezar obedece
prontamente.
VIVIAM (De repente dá
um passo atrás. Limpa os lábios com as costas das mãos):
- Ei, calma aí! Pera
lá! Estou enganada, ou este beijo que me deu se parece com aquele insosso e sem
graça que você tascou, um mês atrás, se não me engano, em Ana Paula? Aliás, por
falar naquela sirigaita, acaso tem se encontrado com ela?
CEZAR:
- Viviam, por tudo
quanto é mais sagrado. Pelo leite que mamou na sua mãe, esquece a Ana Paula.
VIVIAM:
- Posso até
esquecer... mas aquele beijo... ali teve coisa. Ah, teve! Rolou química. Você
levou aquela magricela pra cama?
CEZAR:
- Viviam, minha linda
e amada, me beija e esquece o que passou. Me dá, de novo, um forte abraço...
venha...
VIVIAM (Se achega ao
rapaz e o abraça. Todavia...):
- Ah, ah...! Este
abraço, meu lindo e “galinhoso” Cezar... me trouxe à memória aquela outra, a Sophia.
Peguei você na cantina da faculdade com ela... os dois emboladinhos, comendo
você um sanduiche de queijo, ela um pão com manteiga e ambos, veja só, ambos
dividindo o mesmo copo de refrigerante. É mentira minha?
Cezar está no limite. Se emputece de vez. Não é pra menos. Inopinadamente passa os cincos dedos no par de alianças, joga no meio da rua e aplica um tremendo tapa no rosto da namorada. Viviam começa a chorar. Em contínuo, Cezar vira as costas, entra em seu carro e racha no trecho.
Alunos que transitam por
ali, em vozes uníssonas, soltam um “Meu Deus, que horror! - Quanta violência! -
Miga denuncia este crápula”.
E acorrem todos a socorrerem
a pobre indefesa sentada, desconsolada, no meio fio.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, jornalista. Do Rio de Janeiro, 30-11-2018
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Ficção ???
ResponderExcluirMulheresw como Viviam , não gostam de homens , apenas sonham com as aventuras que eles tem com outras mulheres , com uma certa curiosidade , mas sem coragem para experimentar.
E o que faz a Marina ,falando pelos cotovelos,na ilustração do texto?
Seria uma destas ?
Paizote
A ilustração é de minha responsabilidade.
ExcluirSimplesmente, e como sempre faço, fui em busca de uma ilustração. Digitei "Mulher chata", e dentre as figuras que me apareceram, escolhi esta. Se se digitar "Falando pelos cotovelos" a mesma figura aparece, mais vezes.
😂👍🐢
Excluirpaizote