segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Baile de máscaras

João Pereira Coutinho

Perante estas duas versões, um ingénuo perguntará onde mora a verdade. A questão não faz sentido porque Costa foi verdadeiro em 2010 e em 2018. Seguindo Marx (Groucho, não Karl), os princípios de Costa dependem da audiência em questão

O BLOCO DE ESQUERDA faz lembrar aqueles matarruanos que, aos domingos de manhã, vestem a roupa de ir à missa. Usam casaco, camisa e até gravata. Mas as roupas estão fora do figurino. São demasiado grandes – ou demasiado pequenas. Em rigor, não são eles que as vestem; são as roupas que os vestem a eles.

Na última convenção, a roupa domingueira esteve na farsa da "maturidade".

Segundo se ouviu (e escreveu), o Bloco deixou a adolescência para trás, apesar da vontade explícita de nacionalizar tudo o que mexe no País. Agora, quer ser governo – ou, para sermos rigorosos, distribuir pastas pelos seus ministeriáveis. Mariana Mortágua nas Finanças, a irmã Joana na Educação, Jorge Costa na Energia e José Soeiro no Trabalho, disse Pedro Filipe Soares ao Observador.

Esqueceu -se de Ricardo Robles, o que me parece uma lástima: de toda a galeria, ele é o único que até hoje mostrou um real talento para alguma coisa.

Claro que, além dos ministros, Pedro Filipe Soares deixou-nos um pensamento que revela a verdadeira natureza do Bloco. "Não falamos da direita porque ela não conta para o futuro do País." Jair Bolsonaro não diria melhor sobre a "petralhada" que gostaria de fuzilar – ou, com imensa tolerância, exportar para a Venezuela.


Pedro Filipe Soares, que obviamente não é fascista, prefere rebaixar metade da população portuguesa, na impossibilidade de a enfiar nos acampamentos do Bloco para efeitos de reeducação política.

Pessoalmente, prefiro este ódio viscoso e sincero ao baile de máscaras que o Bloco encenou para alegria dos crentes.

EU SEI QUE NÃO É FÁCIL ser europeu e pró-americano. O problema, entenda-se, não está apenas na liderança económica, cultural e militar de Washington. Está num passado sangrento e humilhante, com os Estados Unidos a salvarem a Europa de si própria repetidas vezes.

Assim foi na Primeira Grande Guerra. Assim foi na Segunda. E assim foi depois de 1945 com a NATO e os seus caridosos mísseis apontados para Moscovo.

Esta folha de serviço alimenta um ressentimento natural entre os nativos. E Emmanuel Macron, na sua megalomania perigosa, é o rosto desse ressentimento. Para o presidente francês, é preciso "um verdadeiro exército europeu". Para quê? Obviamente, para responder a eventuais ameaças da Rússia, da China e até dos Estados Unidos.

Colocar estas três entidades do mesmo lado das trincheiras já seria suficientemente grotesco.

Mas é especialmente grotesco nos 100 anos do fim da Primeira Guerra – ou, para ficarmos em números redondos, rasurando a memória dos 100 mil rapazes americanos que tombaram deste lado do Atlântico.

Antes do Brexit, estes delírios não teriam grande acolhimento. Mas com Londres fora do baralho, não me admirava que Marcelo Rebelo de Sousa fosse das raras cabeças reinantes para quem nenhum exército europeu pode substituir o papel da NATO.

EM 2015, temia-se por aí que o PS se vergasse ao marxismo. Não aconteceu. Isto, claro, se entendermos por marxismo a teoria e prática do tio Karl. Se, pelo contrário, ficarmos pela teoria e prática do tio Groucho, podemos dizer que António Costa é o seu mais perfeito representante.

Aqui há uns dias, Costa escreveu uma prosa pública contra Manuel Alegre, onde vergastava o bardo pela sua defesa da tourada. A coisa, anunciava Costa a pingar virtude, não passava de uma "cultura de violência" e "de desfrute do sofrimento animal". Estes são os princípios de Costa em 2018.

Mas, em 2010, os princípios eram outros. E uma condecoração a um forcado amador (decidida por unanimidade na autarquia lisbonense) levou o edil Costa a considerar José Luís Gomes um ilustre representante da "arte e vigor", da "sensibilidade e valentia" que são próprias da "arte taurina".

Perante estas duas versões, um ingénuo perguntará onde mora a verdade. A questão não faz sentido porque Costa foi verdadeiro em 2010 e em 2018. Seguindo Marx (Groucho, não Karl), os princípios de Costa dependem da audiência em questão.


Em 2010, quando compareceu no Campo Pequeno para medalhar o forcado e assistir à corrida, Costa acreditava na "arte" e no "vigor". Em 2018, para defender o Governo e banhar-se em humanismo, a "arte" e o "vigor" passaram a "cultura de violência".

E se amanhã as circunstâncias políticas o exigirem, ainda veremos Costa a saltar para a arena e a fazer ele uma pega de caras. Um gesto que, aqui entre nós, eu pagava para ver.
Título, Imagem e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO, 17-11-2018

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