Carina Bratt
A morte, ao contrário do que todos pensam,
ou imaginam, não é o fim. Sempre restará, no pensar de Ambrose Bierse, “a briga
acirrada pelo que o defunto passou a vida toda correndo atrás”.
Viajar desta para melhor, com
passagem só de ida, é como nascer de novo, só que em outro mundo ou ao
contrário deste. Dizem os que já subiram para o andar de cima, após sepultura,
não há preocupações com ônibus lotados, trens atrasados ou metros com pessoas
deseducadas que não se levantam para oferecer os assentos para os idosos.
Eles, os finados, não têm
preocupações com alimentação, dinheiro, moradia, político corrupto, relógio
atrasado, novela chata, filme legendado, tevê em preto ou a cores. O mais importante
em ser um “ser passado” é não se preocupar em morrer de novo. Por lá, todos são
iguais perante a lei. Sem distinção de raça, sexo, credo religioso e outras
baboseiras, questiúnculas que comumente tiram a tranquilidade e a paz de
espírito dos que residem neste planeta.
Defunto que se preza, não precisa de celular, tampouco perde tempo tentando ligar para algum amigo ou parente. A vida, do outro lado é justa. Perfeita, harmoniosa, linda, encantadoramente bela e serena. Mais até que a morte.
Com o falecimento cessam os
problemas com os vivos. Percebam os que por aqui abundam procuram se livrar
rapidinho dos que batem com as doze. Morreu, trata-se logo de manda-lo para o
cemitério. Os mortos, mais educados e gentis, pouco se lixam se os vivos estão
bem, passando necessidades ou se divertindo numa festinha em algum clube de
periferia.
Os mortos são os folgados que
não fazem nada, a não ser contar carneirinhos e ouvir CDs com músicas
celestiais. Os vivos, como bem ensina o belga Maurice Maeterlinck, são
criaturas que se preocupam em viver desfrutando de boas e excelentes férias. O
futuro só a Deus pertence após transpor os sete palmos de terra fria no meio da
fuça.
O psiquiatra escocês Laig
botou na cabeça que a vida é uma doença sexualmente transmissível que tem cem
por cento de taxa de mortalidade. Laig morreu em face de ter perdido o direito
de respirar quando ainda podia fazê-lo sem maiores consequências.
Morrer é como alguém
inesperadamente, ou seja, um Mané apagar a lâmpada de um quarto sem saída e o
cidadão ou a cidadã se pegar no escuro desse cubículo, sem saber para que lado
seguir e, “mais mau”, desconhecer quem apertou o interruptor.
Por mais que se procure, em
meio ao breu formado, não atinar, frente a frente, com quem lhe desproveu da cálida
claridade. Qualquer um, nessa situação, com certeza, adoraria dar uns bons
tabefes no engraçadinho. Nessa confusão toda, acreditem a coisa mais deprimente
e degradante, não é o se sentir morto, parado, estático, sem poder se mexer,
sem poder esticar as pernas, os braços, enfim... é não poder espantar as moscas
e mandar os fofoqueiros de plantão calarem a boca.
Não poder, em igual sorte,
participar dos choros e lamentações. De ter tempo para consolar a companheira
que ficou enviuvada e sem seu cobertor de orelha. Não poder, mesmo norte,
mandar o Ricardão baixar em outro terreiro e deixar de dar uma de padeiro e pretender
amassar aquele corpinho que você tanto amou.
O ruim de morrer é não poder
ir onde bem desejar. A merda toda é ficar a mercê de coveiros de caras
enfezadas ou de não poder sair do carneiro para ir até o barzinho ali ao lado e
beber uma cervejinha estupidamente gelada. Uma vez cadáver, o fedor é certo.
Nós somos a matéria-prima que
encabeçará o futuro extinto. Por tudo o que aqui deixei posto, viva
intensamente. Aproveite. Saia, se divirta, ame, se deixe ser amado, fuja dos
problemas.
Lembre que não há cura para o
fato de estarmos aqui. Depois de se juntar os pés, virar “de cujus”, usufruir
de um caixãozinho de terceira, apertado, mal forrado, sem conforto, sem ar
condicionado, sem água, sem um bom bife com batatas fritas, não se queixe, nem
reclame por não ter aproveitado e usufruído desse belo intervalo que a vida lhe
ofereceu de graça dentro de uma bandeja.
Título e Texto: Carina
Bratt, Secretária e Assessora de Imprensa do Jornalista e Escritor
Aparecido Raimundo de Souza. De Vila Velha, no Espírito Santo. 8-10-2018
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