Cismando pelos cantos, não sei
porquê, fiquei rememorando Minas Gerais. Inevitavelmente, compassadamente, me
veio assim como num assombro de saudade, muito inteira e no centro das
montanhas que brincam de roda, minha Belo Horizonte. Consolo de quem não vai lá
por anos a fio, a recordação ora foi perfil de pedra sabão ora desenhou
ladeiras e minha vida subiu e desceu pelo passado sem o mínimo cansaço.
Perguntei-me, então, se minha
mineiridade não havia se esvaído nas idas e vindas de minha existência, exilada
que estou nestas lonjuras das Gerais à sombra das araucárias. É que tem me
faltado paciência, ando falando demais e tenho confabulado e conspirado pouco.
Também já não sei se meu olhar de esguelha anda correto. Além do mais, me
esqueci como se dá rasteira em vento. Para piorar as coisas pisei no escuro e
andei no molhado, coisa que mineiro não faz. E, ai meu Deus, estiquei conversa
com estranho, acreditei no fogo onde só havia fumaça e o mais grave: arrisquei
sem ter certeza.
Essas imprudências podem ser
fatais e Minas, que sempre espia de dentro dos mineiros, condena os filhos que
se afastam de suas veredas de sabedoria. Como escreveu Paulinho Assunção:
Um fantasma, uma fileira de montanhas.
Um profeta, uma fileira de montanhas.
Uma conspiração, uma fileira de montanhas.
O olho de Minas vê pelas frestas.
O olho de Minas me olhou pelas
frestas e eu soube que não adiantava fugir mesmo estando meio destreinada, meio
distraída dos requintes de sagacidade que me foram ministrados com o rigor de
sacramentos naqueles solos montanhosos.
Nesta hora, Carlos Drummond de
Andrade me acudiu e consolou. Nos seus versos estava estampada a
impossibilidade do recuo de ser mineiro:
Minas não é palavra montanhosa.
É palavra abissal. Minas é dentro e fundo.
Aliviada, buscando refazer os
caminhos dos tropeiros, dos mineradores, dos inconfidentes, arrisquei-me a
subir na Maria Fumaça que não existe mais, mas que me chamou de longe com seu
apito fantasmagórico. Quando começou a viagem imaginada, Vanessa Neto poetizou
por mim:
Olhando longe procurei situá-la com seu perfil de
pedra fria.
Sinto que volto docemente a ser menina: São os olhos
de Minas que
me vigiam.
Vi, então, com a clareza do
absurdo e pelas janelas do tempo, o desfile histórico da opulência do ouro em
longínquos séculos e a miséria atual das pequeninas cidades perdidas entre
névoas e pobreza. Foi quando de novo Drummond me sussurrou:
De nossa mente lavamos o ouro, como de nossa alma um
dia
os erros se lavarão na pia da penitência.
Será que lavei mesmo o ouro de
minha mente? Ou serei como o poeta Jota D’Angelo, que escreveu:
Quero um quinto desse ouro
escondido no cascalho.
Quero um quinto do seu braço,
quero um quinto do seu corpo.
Quero um quinto do esforço
Que se faz e que não faço.
Fazer faço, mas não o
suficiente, apesar de querer.
Mas já é hora de apear da
Maria Fumaça, pois refresquei minha memória, meus sentimentos, meus mares
feitos de montanhas, meu ouro particular. Agora estou pronta para Guimarães
Rosa:
Minas Gerais... Minas principia de dentro para fora e
do céu para o chão.
Título e Texto: Maria
Lucia Victor Barbosa é mineira de Belo Horizonte. 15-12-2018
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