Aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por
aqueles que não podiam escutar a música.
Nietzsche
Nos indivíduos a loucura é algo raro – mas, nos grupos, nos
partidos, nos povos, é a regra.
Nietzsche
Chegado ao Brasil, tomei um choque e
conclui que estava padecendo de um grande mal. Fui a um clínico famoso, doutor
Chagas. Paguei a consulta e, pouco depois, sem aperto de mãos e trocado um mero
boa tarde, sentei-me frente a ele.
No princípio houve um certo embaraço.
Embora em direção ao seu rosto, meu olhar era difuso, quase desinteressado,
contra o olhar firme e compassivo do médico que parecia me chamar para a
realidade, para o planeta terra. Aquele breve e perscrutivo silêncio foi
quebrado pela esculápia indagação: o que o senhor sente?
Então, mais atento, olhei firmemente e
respondi: sinto nada.
- Nada!?, indagou o médico. Reafirmei
que nada sentia e que justamente isso deveria ser meu problema.
Por três vezes, o doutor bateu de leve
na mesa a caneta que tinha entre os dedos. Olhou com certa benevolência para
mim e perguntou de onde eu era. Respondi-lhe que a minha origem era irrelevante
perante a gravidade da situação. Em seguida, ante aquele clima embaraçoso,
disse-me que o objeto das preocupações dele eram os sintomas, como eu não
sentia nada, mandaria devolver o valor da consulta paga e me aconselhou a
procurar um psicanalista, aduzindo que havia um muito bom, um tal de doutor
Altamirano Pomponet, no andar de baixo.
Cerca de duas horas depois, lá estava
eu frente ao famoso Dr. Altamirano Pomponet, barba freudiana, encimada por
olhos azuis penetrantes, em contraste com a pele bem morena, num misto de
indiano e escandinavo.
O embaraço inicial foi maior ainda. Não
sei por que cargas d´água psicanalista tem mania de quase não falar.
Ficamos os dois silentes, por alguns
minutos, sem que uma só palavra fosse proferida. Era como se tivéssemos
apostado quem piscaria primeiro. O silêncio foi quebrado por ele, com voz
gutural e arrastada: o doutor Chagas me disse que o senhor está mal, mas que
nada sente, está completamente assintomático, é isso?
Respondi que era.
- Se o senhor não sente nada, por que
estaria mal?
- Aí é que está o problema, doutor, não
sinto nada, mas sei que há algo errado comigo, é como se eu estivesse na
contramão e achasse que os outros é que estavam dirigindo no sentido errado.
Acho que estou maluco.
- Como assim? Dê um exemplo.
- Votei no Trump.
- E isso é sinal de loucura?
- Qual o percentual de gente que não
bate bem, de uma forma ou de outra, doutor?
- Não chega a dez por cento, talvez uns
oito por cento.
-Tá vendo, doutor, que tenho razão...
No Brasil somente oito por cento votariam no Trump, na Hillary, noventa e dois
por cento. Por exemplo, o senhor votaria em quem?
- Votaria na Hillary, claro, que não
sou doido.
- Viu que há algo errado comigo?
- Como consta da ficha que você mora
lá, talvez você esteja muito influenciado pelo imperialismo americano. Trump
veste bem a roupagem imperialista com essa mania de “America First”, “America
Great Again”.
- Como você tem certeza que a América é
imperialista?
- Na faculdade todo mundo sabia e dizia
isso. Por isso mesmo de vez em quando a gente tinha que gritar “Americans, go home!”.
- E eles obedeciam, iam embora?
- Como iam embora, se não estavam aqui!
A gente gritava por gritar, alguém sempre puxava o coro. Se não gritasse a
pessoa era considerada como se estivesse... isso que você se acha agora, na
contramão.
- Sim, mas Trump foi eleito.
- Então por que você se acha com
distúrbio?
- Só me acho quando venho ao Brasil.
Aqui eu estaria entre aqueles oito por cento de lunáticos.
- Seu caso está bem diagnosticado,
trata-se de Trumpismo Disfuncional Periférico. Você tem que gritar ao menos
três vezes ao dia: never Trump, go home Trump! Entretanto, sob o ponto de vista
da psicanálise tropicalista, a cura definitiva está em não votar mais nele nas
próximas eleições. E lembre-se sempre: a América é imperialista e não é um
ambiente bom para nós, latinos. Não deveríamos ir ou morar lá.
- Okay, doutor, muito obrigado, vou
tentar me redimir e voltar à normalidade.
- De nada, nos veremos em dezembro, nas
minhas férias.
- Nos veremos em dezembro?
- Claro, vou tomar um vinho em sua
varanda, vou passar as férias na América, que não sou doido. Afinal, como diz
Trump, America first.
Da nova varanda e na condição de doido
manso, desejo um bom domingo para todos.
Título
e Texto: Pedro Frederico Caldas,
17-8-2018
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kkkk. Bom texto, parece Veríssimo. Bom para se ler sem se aprofundar em tentar achar verdades absolutas e se descontrair, mas com algumas verdades parciais.
ResponderExcluirNão sei se dá para rir ou para chorar, caro Unknown. É melhor dar um risada. Obrigado.
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