Aparecido Raimundo de Souza
O JOÃO DA ONÇA, de oitenta e seis anos, inventou de se juntar com uma moça jovem, de
pouco mais de vinte e cinco. Elaine Cristina, a beldade que ele levara para
debaixo do mesmo teto, era extremamente linda e delicada. Possuia os cabelos
escuros caindo suavemente sobre os ombros. Seu rosto de boneca lembrava uma
princesa de contos de fadas, além de
ostentar um sorriso franco e uma
personalidade marcante. Sua voz tinha um toque macio de sedução que emprestava
uma pureza bucólica às palavras, quando
abria a boca. Todavia, foi a sua meiguice complacente, como uma flecha viva de
juventude, que ferira, numa só pontaria, o coração solitário de João da
Onça.
Entretanto, apesar de toda a magia emanada do corpo escultural daquela raridade em figura de
gente, o João da Onça andava meio inseguro e cismado. Cabreiro, para ser mais
exato. Resolveu, por via das dúvidas, se aconselhar com o Lucas, um médico
ginecologista que fazia parte das suas amizades antigas, um velho companheiro
do tempo em que trabalhavam na mesma fábrica e dividiam marmita e pão sem
manteiga e café requentado. Lucas, se formou em medicina e João da Onça em
contabilidade.
Devido aos giros e descaminhos da vida, cada um tomou seu próprio rumo,
todavia, nunca deixaram de se falar, e, claro, de alimentar a amizade que vinha
praticamente desde a infância. Assim, num final de semana bateu à porta do
amigo e lhe expôs os seus temores:
- Lucas, te procurei porque confesso ando com medo que as coisas não
saiam como espero.
- Qual seu medo exatamente?
- Como você sabe, juntei os cacarecos com uma menina jovem. Por ter feito essa loucura, estou
inseguro. E por estar inseguro e vacilante,
tenho medo que ela não me respeite, ou arranje outro homem... Você sabe
como é. Tenho oitenta e seis, prestes e às
portas de festejar oitenta e sete e ela, a Elaine Cristina, dança, fogosa, na
maviosidade dos vinte e cinco.
- Fiquei sabendo pela turma do nosso antigo bairro que a criatura foi um
achado. E dai, seu bobo. Bola pra frente. Curta a sua ninfeta e esqueça o
resto.
- É o que você faria?
- Com toda certeza. A quanto tempo está com ela?
- Estamos beirando quase um ano.
- Notou alguma irregularidade em seu comportamento?
- Não.
- Acaso acha que ela tem alguem?
- Não é isso, Lucas.
- O que, então?
- Só insegurança mesmo. Afinal de contas, são sessenta e um anos de
diferença.
- Entendo...
- Não sou mais nenhum menino de calças curtas.
- A escolha foi sua, João. Você poderia ter se atirado nos braços de uma
deusa mais madura, da sua idade...
- Lucas, não consigo balançar o
esqueleto com uma mulher da minha faixa de janeiros. Tenho um desejo
desgraçado por carne fresquinha.
- João, neste caso assuma, ou saia de cena.
- O problema é que eu gosto dela. Amo de verdade.
- Como ela lhe trata?
- Maravilhosamente bem. É atenciosa, faz tudo para me agradar, cuida da
casa, das minhas coisas, me cobre de carinhos e paparicos, me chama de “meu
bebê” e para completar faz todas as minhas vontades...
- Continue...
- Você me conhece. Meus filhos estão cada um no seu mundinho. Aparecem
vez outra, quando querem... Notadamente se o problema é dinheiro... Aí lembram
que eu existo. Os demais, ou meus irmãos de sangue... Faz tempo que não os
vejo...
- Por falar em dinheiro, ela é do tipo gastadeira?
- Pelo contrário. Economica. Não é ganânciosa, não faz questão de luxo,
só me pede alguns trocados quando precisa ir ao supermercado ou comprar alguma
coisa na farmácia. De resto...
- Então bote as mãos para o céu, meu amigo. Você tem um anjo e não sabe.
Pelo que me relatou, e pelo que fiquei sabendo dos nossos amigos, não vejo
motivos para alimentar seus receios. Esqueça-os.
- Eu sei, mas como lhe falei, ando meio inseguro. Coisa de velho caduco.
- Qual o quê. Você ainda tem muita lenha para queimar.
- Bondade sua. De qualquer forma, obrigado pela parte que me toca.
- Quando você sai, desconfia que ela também use a sua ausência e vá se
encontrar com algum carinha da idade dela?
- Até uns dois mêses atrás, eu pensava que sim. Alimentava esta ideia.
Depois relaxei.
- E o que o fez relaxar?
- Contratei um detetive.
- E...?
- Ele ficou uns quinze dias no pé dela e não viu nada que desabonasse a
conduta.
- Então, meu amigo, vou repetir o que lhe já disse. Viva, curta a vida,
avigore esse amor, e guarde, sobretudo guarde a sete chaves, esta mulher como
se fosse uma jóia rara...
- Apesar de tudo o que me disse, ainda pressinto nuvens negras por sobre
minha cabeça. Tenho perdido o sono, por conta.
- Se me permite, posso lhe dar um conselho, ou melhor, uma solução? Cabe
a você aceitar ou não.
- À vontade. Você é meu amigo. Fale:
- Arranje alguém de sua confiança para servir de amante.
João da Onça quase teve um troço:
- Meu Deus, Lucas, alguém para ser amante?
- Sim, amante. Como deixei claro, alguém de sua inteira confiança. Uma
pessoa em quem você confie de olhos fechados.
Exatos oito meses depois João da
Onça voltou a se avistar com o doutor Lucas, desta feita, no refeitório do
hospital onde ele estava de plantão:
- E então, meu velho e querido amigo.
Tudo azul?
João da Onça radiava por todos os poros. Sorria de um canto a outro da
boca. Abraçou longamente o amigo e passou a contar as boas novas:
- Lucas, você não vai acreditar. Elaine Cristina está gravida! Cara,
estou indo às nuvens e voltando de tanta alegria. Imagine, na minha idade, ser
papai de novo...
O doutor Lucas sorriu satisfeito pelo fato de seu amigo ter seguido a sua
orientação:
- Bravo, João, estou contente, talvez até mais que você. Que bom que
seguiu meu conselho sobre arranjar alguém para ser amante. Pela sua alegria,
pelo seu contentamento, vejo que seus problemas acabaram. Parabéns.
- Pois é, Lucas... O inesperado, no entanto, aconteceu...
- Inesperado, como assim,
inesperado?
- Ao seguir seu conselho, a
criatura que eu arranjei para amante, você não vai acreditar....
- Como assim, não vou acreditar? O que aconteceu?
- Esta pessoa também está grávida.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo. 28-7-2020
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