Salazar e salazaristas em cada esquina. A
direita que se tornou oposição de si mesma reduzida à contabilidade dos votos
que o Chega pode conseguir. E Marcelo a dizer coisas
Helena Matos
Salazar e salazaristas em cada esquina.
Meio século depois de ter
morrido, Salazar vai estar mais vivo do que nunca. O regime precisa da ficção
de um perigo salazarista pois o anti-salazarismo tornou-se a definição possível
para o que somos e que não é bem aquilo que imaginamos vir a ser. Sem outro projeto
que não seja o viver à conta alheia, as esquerdas ressuscitam o passado para
que não nos interroguemos sobre o presente.
Felizmente para si mesmo (e
para nós) Salazar teve o bom senso (e também o imenso orgulho dos que optam por
se manter pobres) de se fazer enterrar numa campa rasa no cemitério da sua
terra, caso contrário acabaria exumado como Franco que, ironia das ironias,
teve Sánchez e Iglesias a garantirem-lhe um funeral transmitido em direto pela
televisão pública espanhola (a mesma televisão que meses depois fez uma
cobertura rudimentar da missa em memória das vítimas do Covid.)
A direita que se tornou oposição de si mesma vai andar entretida a
fazer contas de somar e diminuir em torno dos votos que o Chega pode conseguir.
A direita que se tornou
oposição de si mesma é a herdeira daquela que em 2015 defendia a tese da
vacina: não valia a pena a luta ideológica – garantiam – bastava que a esquerda
governasse, mais a mais governando com a extrema-esquerda como era o caso, e as
pessoas logo perceberiam a superioridade das outras opções. Ficavam vacinados!
Foi quase com exasperação que
esta boa gente viveu a tomada de posse do governo de Passos Coelho, a 30 de outubro
de 2015. E não apenas porque muitos deles não gostavam de Passos Coelho, mas
sobretudo porque os incomodava aquele exercício de poder, aquela afirmação de
legitimidade. Para mais, a esquerda não escondia a impaciência e fulanizava a
sua ira na figura de Cavaco Silva: o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro
chamava-lhe gangster. O então candidato presidencial do PCP, Edgar Silva,
optava pelo termo múmia: “Há uma múmia em Belém que não tem coração para
atender o povo”. Já Catarina Martins preferia a expressão “líder de
seita”. Para quê irritar esta gente?
Entre aquilo que se designa
como sociedade civil havia quase que um incómodo com o que lhes parecia ser uma
obstinação do então PR. Como explicava o presidente da Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, o Presidente da República pode “prejudicar o ambiente político-partidário” e o “quadro de diálogo de estabilidade”. (São assim
muitos empresários portugueses: gostam de quem mande e de ganhar sem arriscar e
por isso muito acertadamente preferem os governos socialistas).
A 10 de Novembro, o governo de
Passos Coelho caía no parlamento. Dezessete dias depois António Costa
tornava-se primeiro-ministro: “E o palácio encheu-se de gente normal” –
titulava o Público numa reportagem que simboliza o início do estado de
exaltação colaborante do progressismo mediático nacional com o governo de
António Costa. A 11 de Novembro a direita das vacinas deve ter começado a
perceber que não ia passar a ser amada simplesmente por ter sido arredada do
poder. Mas logo se agarrou a outro mantra: nunca era o momento adequado para se
fazer oposição. Em 2020, essa estratégia revelou-se na magnitude dos seus
resultados: a principal preocupação de quem lidera o PSD deixou de ser fazer
oposição ao PS, mas sim contar os votos que o Chega pode ter. O caso seria
anedótico não fosse o tacticismo fútil de Marcelo e o autismo de Rui Rio terem
destruído o centro direita como o havíamos conhecido.
Quanto às vacinas
comprovadamente em política elas não funcionam: aqui estamos cinco anos depois,
aceitando o que antes nos indignava; normalizando o que era escândalo… A única
preocupação é saber se os holandeses deixam vir o dinheiro. E claro, os votos
que o Ventura vai ter.
Marcelo diz.

PS. Vamos
lá ver se nos entendemos: em Marrocos, candidatos a migrantes pagam a
passadores e estes fazem-nos desembarcar no Algarve. Mas não existe uma rota de migração segundo o Governo. Sim, uma
rota de migração é precisamente o que acontece no Algarve: candidatos a
migrantes pagam a passadores e estes fazem-nos desembarcar num determinado
ponto após fazerem um determinado trajeto. Mas não estamos perante uma rota de migração: o ministro da Administração Interna até acha ridículo dizer-se tal coisa. Ou
seja, é uma rota de migração, mas não se pode dizer que é uma rota de migração.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
26-7-2020, 8h44
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