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Faleceu no último sábado, 8 de
agosto, Dom Pedro Casaldáliga [fopto], o último dos grandes baluartes da decadente
Teologia da Libertação. O seu desaparecimento causou imensa comoção entre o
clero progressista, que está tentando emplacar a sua “fama de santidade”, sem
nenhuma repercussão significativa fora de seus próprios guetos ideológicos. O
fato merece uma consideração atenta, pensando nos motivos de tamanha “devoção”
entre os progressistas e em quais seriam as perspectivas para a Teologia da
Libertação (TL) daqui para a frente.
A “revolução brasileira”
Uma das maiores dificuldades
para compreender os movimentos populares no Brasil é encontrar um justo
instrumento analítico que nos permita descrever com acerto qual a matriz de
todas as tensões existentes em nossa realidade sociopolítica.
Em “Os donos do poder”,
Raymundo Faoro, que era um homem de esquerda, mostra que a história da Brasil
poderia ser bem definida como a luta de um povo impotente contra uma
elite patrimonialista, que usa o Estado em benefício próprio, elite que ele
denomina “estamento burocrático”.
Ora, da leitura da obra de
Faoro se percebe claramente que a natureza desta tensão entre povo-estamento é supra
ideológica e, portanto, meta-política, o que significa que ambos, o povo e a
elite, transitam da esquerda para a direita e vice-versa conforme as
circunstâncias históricas concretas. Talvez esta seja a razão principal da
vivacidade política do povo brasileiro.
Cabe aqui fazer uma
desambiguação: o termo “revolução brasileira” em Faoro não tem o mesmo significado
que o termo “revolução” tem nas obras dos autores católicos
contrarrevolucionários; para estes, revolução é a rebeldia do homem contra Deus
e contra a ordem da realidade; para aquele, “revolução” era apenas um termo
descritivo desta história brasileira de libertação.
A Teologia da Libertação e o PT
A complexidade de fatores que
culminaram com o aparecimento da Teologia da Libertação e do seu projeto
político, a fundação e consolidação do Partido dos Trabalhadores (PT) e sua
chegada e manutenção no poder, é muito difícil de ser resumida. Uma excelente
síntese do assunto pode ser encontrada no livro do Dr. Júlio Loredo, Teologia
da Libertação: um salva-vidas de chumbo para os pobres.
De um lado, a Ação Católica
Brasileira, inicialmente inspirada no ativismo social do Centro Dom Vital,
depois dividiu-se naquilo que o Prof. Dr. Plínio Corrêa de Oliveira chamava de
“falsa direita”, isto é, o fascismo declarado, e “esquerda católica”, isto é, o
socialismo abraçado abertamente como ideologia.
De outro lado, tudo isso vinha
sendo fermentado no caldo da Nouvelle Théologie, com seus autores
progressistas e socialistas, culminando com o surgimento da síntese herética de
Karl Rahner e da “Teologia Política” de seu filho teológico, Johann Baptist
Metz. Essas influências foram especialmente catalisadas na Universidade de
Louvaine, onde hordas de padres latino-americanos foram enviadas para
especialização.
O ativismo e o desejo de
controlar a política oriundos daquela mentalidade de Ação Católica pervertida e
as ideias socialistas abraçadas pela Nouvelle Théologie foram
o misto ideal para que os comunistas pudessem entrar na Igreja e usá-la para o
seu projeto de poder, como já havia declarado de modo peremptório Antonio
Gramsci (já não se tratava mais de tentar destruir a Igreja, mas de usá-la).
Nem precisamos nos perguntar
se o plano deu certo. Os comunistas encontraram toda a estrada aberta e
começaram a aparelhar a estrutura eclesiástica através de uma ideologia
propositalmente criada para esta finalidade: a chamada Teologia da Libertação.
Um dos equívocos principais
que é preciso desmascarar é o de que a Teologia da Libertação é uma teologia
criada para vencer as opressões e as desigualdades. Esta é apenas a desculpa
teológica dada. O objetivo da Teologia da Libertação é duplo:
1) primeiro, teorético:
desmontar a Teologia Católica inteirinha, não deixando nada em pé. Isso está
explicitamente declarado por Gustavo Gutiérrez em sua “Teologia da Libertação”,
ou seja, é iniciar aquilo que ele chama de “fase crítica” da Teologia;
2) e principalmente prático:
criar a base para a formação de um partido político socialista através das
Comunidades Eclesiais de Base, como declarou implicitamente Leonardo Boff em
seu livro “E a Igreja se fez povo” e recentemente o próprio Lula, numa live feita com
Leonardo Boff.
O projeto deu certo. Criaram
um clero progressista e comunista, aparelharam a Igreja de alto a baixo,
criaram um partido que veio para se eternizar no poder, mas que não conseguiu
obter o sucesso até o fim.
Uma “mística” da libertação
Na encíclica Pascendi
Dominici Gregis, São Pio X explicava que os modernistas trocavam a fé
católica por uma certa “experiência religiosa”, esta que hoje mesmo os
libertadores chamam de “experiência de Deus”.
“Eis como eles o declaram: no
sentimento religioso deve reconhecer-se uma espécie de intuição do coração, que
pôs o homem em contato imediato com a própria realidade de Deus e lhe infunde
tal persuasão da existência dele e da sua ação, tanto dentro como fora do
homem, que excede a força de qualquer persuasão, que a ciência possa adquirir.
Afirmam, portanto, uma verdadeira experiência, capaz de vencer qualquer
experiência racional; e se esta for negada por alguém, como pelos
racionalistas, dizem que isto sucede porque estes não querem pôr-se nas
condições morais que são necessárias para consegui-la”.
Em outras palavras, os
modernistas, assim como seus herdeiros diretos, os teólogos da libertação,
trocam o conceito de “revelação exterior” (a Revelação Divina tal como
custodiada nos artigos da fé católica) e de “revelação interior” (a luz da fé
infusa pela graça nos nossos corações para que possamos crer) por um conceito
naturalista de “experiência religiosa”: a tal “experiência de Deus” com os
pobres, os índios, os quilombolas ou no meio da “luta do povo”.
Neste sentido, há algo em
comum com certos grupos carismáticos, que tomam como fato fundante da sua vida
espiritual não os dogmas da Igreja, mas a sua experiência intimista.
Ora, é neste sentido que a
história de Dom Pedro Casaldáliga tem uma importância enorme para a Teologia da
Libertação. Ele foi justamente um homem que saiu da Europa e veio para o meio
dos índios viver a “experiência do pobre”, que quando foi ordenado bispo trocou
a mitra pelo chapéu de palha e o anel de metal pelo anel de tucum (que depois
se tornou símbolo da TL), que desprezou o báculo pastoral e que trocava o vinho
por cachaça e a hóstia por bolacha, como afirma a sua biografia
autorizada, segundo informações da Folha de São Paulo.
É essa pseudo “mística” que
faz clérigos, mais ou menos oportunistas, lançarem todos os louvores possíveis
a Casaldáliga, partindo desde
o presidente da CNBB e alcançando expoentes ditos conservadores do episcopado.
Chegando até
o site oficial de notícias da Santa Sé, todos “canonizam” o bispo
revolucionário.
Poeta, Casaldáliga
confessava-se “subversivo”, dizia crer na “Internacional” e não escondia seu
apreço pela “foice e o martelo” (em
sua poesia “Canção da foice e do feixe”, publicada em vermelho.org.br, site
do PCdoB) Mas ele não ficou apenas na poesia. Apoiava decididamente as
revoluções cubana e sandinista, na Nicarágua, onde
esteve muitíssimas vezes, contra a vontade dos bispos locais, tendo de ser
admoestado pela Santa Sé a que permanecesse em sua prelazia. Ele abraçou o
estilo de vida indígena, abraçou aquele modelo pauperista de Igreja idealizado
no “Pacto das catacumbas”, levando-o às suas últimas consequências.
Neste sentido, foi um homem
coerente com aquilo que acreditava, muito diferentemente dos defensores da tal
“Igreja dos pobres”, apregoada pelo Cardeal Lercaro e por Dom Hélder Câmara, e
à qual aderem maciçamente nossos bispos hoje, mas que gostam mesmo é de
frequentar restaurantes ricos e estão preocupadíssimos com a prosperidade
econômica das suas dioceses.
O conceito de “mística da
libertação” tal como vivido por Dom Pedro Casaldáliga é apenas um engodo, como
explica muito bem São Pio X, mas que serve como instrumento de romantização
para a comunistização da Igreja, tal como operada pela Teologia da Libertação.
Mudança de paradigma
No movimento marxista, a
Igreja Católica sempre está atrasada, com um recuo justificável pela sua
constituição estruturalmente gerontocrática, ou seja, ela é governada pelos
velhos.
A Escola de Frankfurt já tinha
percebido que os pobres estavam se aburguesando e que a revolução socialista
não poderia ser protagonizada por eles, mas por aquilo que eles chamavam de
lumpemproletariado. Trata-se da revolução dos descontentes, do estrato
maltrapilho da sociedade, das minorias, daqueles que têm motivos para a
reclamação. Lukács já tinha explicado que não havia propriamente um conflito de
classes, mas que este deveria ser criado através do que ele chamava de “classe
possível”, através da “conscientização”, ou seja, da formação de uma
“consciência de classe”.
Levaram várias décadas para
que o movimento marxista entendesse que seria necessário abandonar a luta de
classes e abraçar a revolução sexual e o ecologismo psicótico, mas, assim que
esta mudança de paradigma aconteceu, as grandes corporações meta-capitalistas,
interessadas na dissolução da sociedade para o fortalecimento do mercado,
“compraram” as mesmas causas e começaram a subvencioná-las, de modo que não há
comunista que não esteja trabalhando para algum milionário: assim como os
escravos no império romano eram soltos em orgias sexuais justamente para que
não pudessem constituir uma família patriarcal e formar um núcleo de ação,
agora, o direito a ter uma família patriarcal se tornou privilégio exclusivo
dos meta-capitalistas, e não há socialista que não seja militante dessas
causas full-time; do mesmo modo, as propriedades privadas de
famílias estão sendo cada vez mais transferidas para grandes corporações
internacionais, em nome do ecologismo mais patrimonialista de todos os tempos.
O PT no poder e mudança de eixo na revolução brasileira
Neste meio tempo, o PT chegou
ao poder e tinha planos de lá permanecer eternamente, sem jamais ser removido.
Aquele intervencionismo auspiciado pela mentalidade corrompida da Ação Católica
parecia triunfante: a cumplicidade entre a hierarquia e o partido socialista
havia chegado ao seu ápice, até que o povo percebeu que algo estranho tinha
acontecido.
Em um primeiro momento, o povo
havia se identificado com Lula porque pensava que ele era um legítimo
representante dos anseios de libertação daquela histórica revolução brasileira,
acima referida. Na medida em que o tempo foi passando, tornou-se claro que nada
disso era verdade: Igreja e PT estavam interessados apenas tornar-se parte do
estamento burocrático e, ao invés de vencê-lo, queriam usá-lo em benefício de
sua própria estratégia de poder, como, de fato, está acontecendo hoje.
A eleição de Jair Bolsonaro
não foi uma empreitada ideológica. Ele não tem ideologia alguma, inclusive
porque provavelmente nem tem ideia profunda alguma. O povo não agiu
ideologicamente, mas apenas por identificação emocional: apareceu aquele
candidato outsider que tentaria derrubar toda a elite, mas que
não está conseguindo, justamente porque esta elite é institucionalmente
poderosa (trata-se de um indivíduo unido com um povo impotente contra todo o
sistema político nacional e internacional: a mídia, os órgãos de educação
superior, os partidos corruptos e, inclusive, a própria Igreja, que precisa
ficar do lado dos poderosos para poder permanecer em sua situação
privilegiada).
Deste modo, bispos e petistas
conseguiram algo impressionante: angariaram infalivelmente o ódio do povo! Todo
mundo odeia o PT e a CNBB. Não há instituições que sejam hoje tão
desprestigiadas entre a população.
Resultado religioso e futuro da TL
Com a eleição do Papa
Francisco, adepto da versão argentina da TL, a chamada “Teologia do Povo”, o
clero TL teve novamente a chance de respirar, não se sente institucionalmente
ameaçado e tenta mais uma vez erguer a cabeça.
Contudo, o povo continua
migrando para as igrejas pentecostais e outras vertentes religiosas.
Com a epidemia do vírus
chinês, a hierarquia dispersou totalmente os fiéis, relegando-os de modo
absoluto à irreligião – ora, se os católicos já eram acomodados, agora, uma
geração inteira foi largada ao total abandono da prática religiosa (todo mundo
virou “católico não praticante e de IBGE”).
De outro lado, a TL já não se
encontra mais contextualizada nos marxismos modernos, senão através de duas
veias: a teologia gay e o ecologismo radical, linhas nas quais a TL vai se
reinventar, tornando-se ainda mais intragável para os fiéis e para os seus
próprios militantes. Ou será que alguém imagina ser possível despertar fervor
religioso católico em grupos incendiados pelo pecado sexual ou entusiasmados
com aquelas superstições tribais?…
Em outras palavras, a nova TL
que vem vindo aí só tornará o suicídio eclesial ainda mais exterminador. É o
que dizia Paulo VI quando, depois de ele mesmo ter protegido tanto os
socialistas dentro da Igreja, reconheceu que havia um “misterioso processo de
autodemolição”. O “misterioso” fica por conta dele. Não há nenhum mistério
nisso, há apenas causa e efeito.
A morte de Casaldáliga e a nova TL
A morte de Dom Pedro
Casaldáliga está sendo tão pranteada pelos TLs justamente como um inconsciente
processo psicossocial de funeral coletivo. A TL do passado já passou. Sim,
existem as viúvas, e o próprio pontificado de Francisco aparece no mundo mais
como uma evocação do passado do que como uma representação do presente.
A TL do futuro, totalmente
LGBT e ecologista, é uma causa perdida, para a qual a população inteira se
comportará com indiferença, acentuando o processo de destruição da Igreja
Católica e o apogeu das comunidades pentecostais: já que o assunto é ter uma
“experiência de Deus”, pelo menos as pessoas preferem tê-la com
ar-condicionado, música de qualidade e muitos, muitos sentimentos.
Em artigo
recente, Dom Júlio Akamine, arcebispo de Sorocaba, tentou “limpar a barra”
da CNBB, dizendo que não existem bispos comunistas (e negando os fatos que eles
mesmos nunca negaram, vide o vídeo de Lula e Boff) e que há um grande
pluralismo na Conferência Episcopal.
Bem… Embora o arcebispo tenha
esquecido um detalhe que para ele parece não ter a mínima importância – isto é,
existe uma doutrina social da Igreja muito bem definida, além de uma doutrina
da fé e dos costumes, de tal modo que o tal “pluralismo” defendido por ele como
um superdogma absoluto não é senão um fingimento retórico –, ele não deixa de
ter certa dose de razão: a TL virou um balaio de gatos tão
confuso que há muitos bispos perdidos num esquerdismo vago, enquanto há outros
que militam naquela velha revolução já não existente e outros que apregoam a
descarada ideologia feminista-gay ou ecologista. É! Não se fazem mais
comunistas como antigamente!
Mas, resguardando-se o
bom-mocismo corporativista de Dom Júlio, será que alguém, depois de ler Gustavo
Gutiérrez escrever que o objetivo da TL é reformular a doutrina católica
inteira em chave crítica, pode ficar ironizando com os que ele diz “que se
julgam investidos com o poder de purificar a CNBB de infiltrações vermelhas a
serviço de Satanás” ou mesmo com quem “expurga os que se desviam da ‘sã
doutrina’”?…
Tanto a TL quanto os
isentistas alla Dom Júlio precisam, mesmo, é tirar do caminho
os católicos anticomunistas. Estes é que precisam ser realmente neutralizados!
Mas, não adianta. Eles chegaram tarde demais e, agora, todo mundo sabe muito bem
quem eles são e para que eles vieram. O comunismo na Igreja Católica está
flagrado e, a despeito de toda a oratória oficialista, institucionalista,
romântica, poética ou de qualquer outro tipo, o povo não engole mais este
palavrório.
Título e Texto: FratresInUnum.com, 11 de agosto de 2020
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