Eu não queria falar das eleições. Apesar de premente, acho um papo chato. E há gente muito mais bem preparada para falar do assunto. Mas não tem jeito. Essa questão do aborto, que tomou importância na reta final da campanha, me leva a entrar na briga. Em primeiro lugar, quero deixar claro que sou a favor da legalização do aborto, pois a considero sim uma questão de saúde pública. O fato de o aborto já ser legalizado em inúmeros países, inclusive países predominantemente católicos (Espanha e Portugal, por exemplo) me leva a ter certeza de que é possível conciliar a legalização do aborto com os direitos dos religiosos.
Afinal vivemos numa democracia, e o direito individual deve estar acima de crenças e descrenças. Bem, quem me acompanha aqui sabe que sou a favor da alternância no poder e torci muito por esse segundo turno. E o único ponto que me agradava no discurso de Dilma Rousseff era justamente a posição dela em relação à legalização do aborto. Ela sempre foi a favor da legalização, e deixou isso bem claro em entrevistas inclusive durante a campanha. Minto ao dizer que o apoio à legalização do aborto era o único ponto que me agradava na campanha de Dilma. Me agradava também sua posição favorável à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Ora, essa sempre foi uma bandeira do PT, e um dos pontos fortes da luta política da Marta Suplicy, por exemplo, a quem sempre admirei por isso.
A postura do Serra – macaco velho – em relação à legalização do aborto sempre foi categórica: é contra. Serra sabe o preço político de uma afirmação que não essa. Marina, por suas conhecidas crenças religiosas, é contra também, e chegou a dizer que proporia um plebiscito para saber se o povo se posicionava a favor ou contra a legalização do aborto. Pois foi aí exatamente que Marina perdeu toda e qualquer chance de receber o meu voto. Questões como a legalização do aborto, assim como a união civil entre homossexuais, não devem ser colocadas em plebiscito, já que o direito individual tem de prevalecer sobre a opinião da maioria, que pode ser – e com certeza é, no Brasil – conservadora e orientada por conceitos (e preconceitos) religiosos e morais.
A mesma questão se apresenta, por outro lado, em relação à pena de morte: é muito provável que se fosse colocada em plebiscito a pena de morte seria aprovada pela maioria da população, o que parece terrível, concordam? Bem, conto tudo isso para justificar o título da crônica. A cozinheira aqui de casa é evangélica. A vida é cheia de contradições, e numa casa de ateus convictos convivemos muitíssimo bem com uma competente e simpaticíssima cozinheira evangélica. Isso inclui o rádio da cozinha ligado o dia inteiro numa rádio evangélica. Sim, o roqueiro toma seu café da manhã ao som da pregação de pastores e angelicais canções evangélicas. Sem problemas, vivemos numa democracia.
Numa tarde a poucos dias da votação do primeiro turno, flagrei minha cozinheira tentando convencer a irmã a NÃO votar em Dilma Roussef justamente por conta das supostas posições da candidata, favoráveis à legalização do aborto e à união civil de homossexuais. E o que fiz eu, ao escutar sorrateiramente a conversa, eu, um defensor da legalização do aborto e da união civil entre homossexuais? Calei-me, vibrando pela possibilidade de Dilma perder mais um voto e o segundo turno se concretizar. A vida é mesmo muito contraditória.
Tony Bellotto
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