sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O principal derrotado nas eleições brasileiras


As eleições são só no próximo fim de semana (este artigo foi escrito em 29 de setembro de 2010)  mas o principal derrotado já pode ser anunciado - é o próprio Brasil. Nos últimos 15 anos e principalmente durante os dois mandatos do presidente Lula, o país colecionou medalhas económicas e entrou com legitimidade no grupo elitista das potências mundiais. Numa operação constante de charme, alicerçada na figura do Presidente, o país passou a estar na moda. Mas politicamente o Brasil continua um anão. Como afirmou recentemente o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, "ainda falta cultura democrática ao país".
A principal crítica à campanha eleitoral é a sua falta de qualidade. Em muitos outros países também o debate político é tatuado pela ausência de projectos e ideias e pelo desfiladeiro entre eleitores e candidatos. Mas no Brasil as fórmulas encontradas por alguns partidos para tentarem mascarar a radical falta de interesse dos brasileiros revelam sordidez. Prostitutas, strippers, palhaços, sósias de artistas americanos ou homens procurados pela Interpol, foram recrutados para as listas de candidatos para atrair o voto popular. A crítica não é corporativista mas programática. Um cantor de pagode pode obviamente ser um bom político, mas as figuras bizarras que povoam a campanha eleitoral - sem programas nem ideologia - desfiguram a própria política e a reduzem à mera luta pelo poder. Em São Paulo, o estado mais fecundo e escolarizado, o deputado federal que deverá ser mais votado a 3 de Outubro é um comediante analfabeto (cujo lema é "Vote no palhaço Tiririca, pior que tá não fica"). Ele representará 42 milhões de pessoas.

Depois falta ideologia aos partidos. No Brasil não existe esquerda nem direita, não existe conservadorismo nem socialismo. Todos são tudo. Até o PT se desvirtuou nos últimos anos. São cerca de 40 partidos inscritos nas eleições. E a maioria dos candidatos tem tradição em rodopiar de partido em partido, de acordo com as oportunidades que se lhe oferecem. Por exemplo, o Partido Socialista Brasileiro, que diz defender uma ideologia marxista, escolheu para candidato a Governador de São Paulo o poderoso líder da Federação das Indústrias. É como se o PC português escolhesse um presidente da Confederação da Indústria Portuguesa para ser seu candidato. Estes paradoxos ideológicos são socialmente aceites (ou ignorados) pelo eleitorado. O Brasil cresceu economicamente e criou oportunidades sociais, mas a população continua flutuante, amorfa, desinteressada da lógica do poder público. Os eleitores são tanto vítimas como responsáveis pelo contexto político vigente.
 E a corrupção? Desde que Lula chegou ao poder nove dos seus ministros já foram exonerados por uso indevido de dinheiro público. O último episódio aconteceu a semana passada, com a demissão da Ministra-Chefe da Casa Civil (no.2 do Governo). Como também disse Fernando Henrique Cardoso (eu cito-o novamente porque a sua voz não foi devidamente escutada na campanha) "ainda existe no Brasil demasiada tolerância pela transgressão". Em alguns estados a compra de votos é endémica. Em Roraima (na fronteira com a Venezuela) já foi imposto um limite de saque nas agências bancárias para evitar que o dinheiro seja usado para subornos eleitorais à boca da urna. Nas últimas eleições, mais de 8,3 milhões de eleitores foram instados a vender seu voto. Segundo a ONG Transparência Internacional o problema tem tendência a agravar-se.
Na última semana Lula tem sido incendiado pela imprensa por se imiscuir até ao pescoço na campanha eleitoral (esquecendo que é Chefe de Estado). Mas quer se goste ou não ele é o principal responsável pelo Brasil estar na moda. Na verdade, a sua luminosidade forte obriga-nos a semi-cerrar os olhos perante os problemas que o Brasil ainda atravessa. Mas, a partir de Outubro, o Brasil voltará à realidade.
Rodrigo Tavares é Investigador na Universidade de Columbia. Consultor do Secretariado da ONU.
Revista "Visão", 29 de setembro de 2010

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