Parece-me ingénuo acreditar que se podem levar a cabo as reformas estruturais de que o País precisa sem primeiro responder afirmativamente às cândidas perguntinhas que aqui deixo
A re-eleição, esperadíssima, de Cavaco Silva, marca o primeiro dia do resto da nossa crise. Esgotados os penosos prazos legais, já não faltarão qualquer obstáculo ou desculpa formais para que o País não saia da paralisia politica em que está mergulhado. As facas afiam-se, no dizer de Louçã. É verdade que José Sócrates passou, oficialmente, de animal feroz a animal acossado e que venderá muito caro o seu escalpe. Tanto mais que a titubeante Europa, por razões que pouco têm a ver com um súbito apego pelas periferias ingovernáveis do império, parece agora estar formalmente interessada em alimentar a ficção de que "a aldeia portuguesa resiste". Mas a poção mágica acabará, mais dia, menos dia (eu sou, apesar de tudo, dos que aposta mais no mais do que no menos), e sem ela ruirá, com pouca glória e muito menos honra, um governo delirante e um pais de faz-de-conta que habitamos há mais de uma década.
Fechado o ciclo, o momento, mais do que de lamentações estéreis, é de garantir que não vamos desperdiçar a oportunidade de mudança para fazer rodar os atores, deixando que a essência da política fique na mesma. Até porque esta pode bem ser uma das últimas grandes alternâncias dentro do atual quadro político e constitucional (chamem-me tremendista e logo veremos). A responsabilidade, pesadíssima, cairá sobre os ombros de Pedro Passos Coelho. É ele, inevitavelmente, que será chamado a responder, na prática, a três conjuntos de perguntas muito simples:
"A responsabilidade, pesadíssima, cairá sobre os ombros de Passos Coelho" |
1 - É possível reintroduzir, no discurso público e na praxis política, um conjunto mínimo de referenciais éticos, de valores básicos, que possam servir de chão comum a uma sociedade política que deles depende para ser plenamente legitimada? É possível voltar a ouvir falar de decência, de probidade, de retidão? É possível alicerçar um discurso e uma proposta política em conceitos tão caídos em desuso? E é possível, a um candidato a primeiro-ministro, assumir, clara e inequivocamente, esta bandeira, a ponto de com ela se comprometer e dela fazer depender o seu futuro político?
2 - É possível a um primeiro-ministro ser verdadeiramente independente da máquina partidária que o elegeu, na hora de escolher a equipa com que governará o País? É possível não pagar favores? É possível escolher os melhores? É possível dispensar todos quantos olham o poder como um fim em si mesmo? E os que fazem da traficância de interesses um modo de vida?
3 - É finalmente possível governar - realmente - a quatro anos? É possível sacrificar o curto prazo, as sondagens, os estudos de opinião, a hipótese de uma re-eleição, a uma visão sólida, coerente e consistente do futuro do País? É possível fazer das convicções - quaisquer que elas sejam - um programa político? É possível praticar o desapego ao poder?
Estou bem consciente da aparente ingenuidade das perguntas que formulo. E estou bem consciente que é de cinismo e não de ingenuidade que se fazem as análises políticas ditas "inteligentes". Seja. Mas a mim parece-me ainda mais ingénuo acreditar que se podem levar a cabo as reformas estruturais de que o País precisa sem primeiro responder afirmativamente às cândidas perguntinhas que aqui deixo.
Pedro Norton, Visão, nº 934, 02-02-2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-