Para a Carolina, para o Tomás e para o Gui, pelos seus (respectivamente) sétimo, quinto e terceiro aniversários
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Ilustração: José Carlos Fernandes |
Quando é que um pai começa a amar um filho? Sei que à primeira vista esta pergunta pode parecer um bocado palerma, mas estou a falar muito a sério: qual é o momento – o exacto e preciso momento – em que um pai começa a sentir por um filho aquele amor assolapado que vemos nos filmes e nalgumas vidas, capaz de mover as mais altas montanhas, impor a si próprio os mais desvairados sacrifícios e transformar-se na mais pura das generosidades?
Durante algum tempo eu vivi atormentado com esta pergunta, por ter descoberto cedo que a resposta tradicional não me servia. A resposta tradicional diz: o amor está logo lá quando um filho nasce. E por isso, quando a Carolina nasceu em 2002, eu imaginava setas de um papá cupido a voarem pelos ares assim que o meu olhar se cruzasse com o olhar dela. Só que o cupido paternal devia ter os ordenados em atraso: fez greve, não apareceu. Não é que eu não tenha sentido ternura, um sentimento de orgulho e de grande responsabilidade – mas genuíno e verdadeiro amor por três quilos de gente que tinha acabado de conhecer e com manifestas dificuldades de comunicação? Não brinquem comigo.
Admito que com as mães a coisa se passe de modo diferente, porque existe a barriga, o cordão umbilical, a amamentação, uma série de dependências que catalisam os sentimentos. Mas para os pais não é assim: por um lado, aumenta a distância em relação à mãe, porque nós, homens, deixamos de ser os únicos bebés da casa; e por outro essa distância não é compensada pelo filho recém-nascido, porque afinal essa coisa da paternidade não tem os automatismos do ataque do Barcelona. São muitos mais os repelões do que os momentos mágicos, muitos mais choros e rangeres de dentes do que risos e alegrias.O tal tormento vinha daí: por que é que eu não sentia o amor que era devido por aquela bebé? Seria egoísmo da minha parte? Maldade? Teria uma terminação defeituosa nalgum gene? Nada disso. O novo mundo, pedo-obcecado (acabei de inventar a palavra), é que criou uma paisagem cor-de-rosa em que a maior parte dos pais não consegue encaixar. Hoje sei que o amor não é um interruptor que se liga após o primeiro grito do bebé. Demora. Constrói-se. Vai fazendo o seu caminho. Mas não falha.
João Miguel Tavares, Jornalista, in “Domingo”, Correio da Manhã, semana de 27-02 a 05-03-2011
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