terça-feira, 9 de abril de 2013

Conflito e traição

Helena Matos
Portugal é um país em conflito. Não entre o Governo e o Tribunal Constitucional pois o que temos é sobretudo uma dramatização por parte do Governo. Muito menos entre as oposições e o Governo pois não há oposição quando não se apresentam alternativas.
E ainda menos entre o Governo e os manifestantes que devidamente estimulados por tocadores de bombo e repórteres-animadores apenas pretendem que os deixem viver como até agora.
Todas estas pessoas e instituições gostariam de voltar a esse tempo em que a realidade era criada por virtuosos decretos e bem-intencionadas leis. Esse tempo em que para toda a pobreza real e imaginada havia um decreto a extingui-la, dois seminários e três unidades de missão. Para a economia que não gerava a riqueza esperada se lançava uma lei e quatro programas de apoio. Para os fracos resultados escolares se redigia uma reforma educativa que alterava e facilitava os critérios de avaliação.
Não há em Portugal publicação mais radiosa que o Diário da República. Os "amanhãs que cantam" dos comunistas ao pé dos preâmbulos às nossas leis são uma prosa razoável. Todo um país ficcional se foi desenhando decreto a decreto e todos nós fomos vivendo nesse país-ficção legislativa até que a 6 de Abril de 2011, quando o então primeiro-ministro anunciou que Portugal ia fazer um pedido de ajuda externa, não foi mais possível negar a realidade. O episódio que vivemos agora com o chumbo de várias disposições do OE é apenas mais um capítulo em que os diversos protagonistas desta ficção tentam desesperadamente que não lhes caiba o papel de ter de escrever a palavra Fim.
O nosso conflito não é portanto entre agentes políticos, institucional ou com os nossos credores. O nosso conflito é entre gerações: o país ficção que fomos levou as gerações mais velhas a blindarem-se em proteccionismos que condenam as gerações futuras. Os trabalhadores de hoje pagam reformas, apoios e subsídios que eles nunca terão a gente que todos os dias se queixa de estar a perder os seus direitos adquiridos.
Milhares de jovens adultos gastam horas de vida em engarrafamentos nas vias que os levam aos subúrbios onde estão as casas que foram obrigados a comprar porque leis oficialmente muito virtuosas de protecção aos inquilinos acabaram com o mercado de arrendamento. (Inútil será a acrescentar que também pagam com os seus impostos os inúmeros programas de recuperação dos centros urbanos condenados à ruína por essas mesmas leis protectoras dos inquilinos).
Sindicatos dirigidos por uma gerontocracia inamovível negociaram contratos e acordos em que os direitos dos mais velhos cresciam à medida que aumentava a desprotecção dos mais novos: note-se que foi preciso vir a ‘troika' para que se criasse o subsídio de desemprego para os trabalhadores a recibo verde!
O conflito ou melhor dizendo a traição a que se assiste em Portugal é entre as gerações que receberam em 1974 um país em que a dívida pública equivalia a cerca de 14% do Produto Interno Bruto (PIB) e aquelas que agora o recebem com a dívida em 120% do PIB. O resto é apenas estratégia para não ficar mal nos livros de História.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 09-04-2013

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