Portugal é um país em conflito. Não entre o Governo e o Tribunal
Constitucional pois o que temos é sobretudo uma dramatização por parte do
Governo. Muito menos entre as oposições e o Governo pois não há oposição quando
não se apresentam alternativas.
E ainda menos entre o Governo
e os manifestantes que devidamente estimulados por tocadores de bombo e
repórteres-animadores apenas pretendem que os deixem viver como até agora.
Todas estas pessoas e
instituições gostariam de voltar a esse tempo em que a realidade era criada por
virtuosos decretos e bem-intencionadas leis. Esse tempo em que para toda a
pobreza real e imaginada havia um decreto a extingui-la, dois seminários e três
unidades de missão. Para a economia que não gerava a riqueza esperada se lançava
uma lei e quatro programas de apoio. Para os fracos resultados escolares se
redigia uma reforma educativa que alterava e facilitava os critérios de
avaliação.
Não há em Portugal publicação
mais radiosa que o Diário da República. Os "amanhãs que cantam" dos
comunistas ao pé dos preâmbulos às nossas leis são uma prosa razoável. Todo um
país ficcional se foi desenhando decreto a decreto e todos nós fomos vivendo
nesse país-ficção legislativa até que a 6 de Abril de 2011, quando o então
primeiro-ministro anunciou que Portugal ia fazer um pedido de ajuda externa,
não foi mais possível negar a realidade. O episódio que vivemos agora com o
chumbo de várias disposições do OE é apenas mais um capítulo em que os diversos
protagonistas desta ficção tentam desesperadamente que não lhes caiba o papel
de ter de escrever a palavra Fim.
O nosso conflito não é
portanto entre agentes políticos, institucional ou com os nossos credores. O
nosso conflito é entre gerações: o país ficção que fomos levou as gerações mais
velhas a blindarem-se em proteccionismos que condenam as gerações futuras. Os
trabalhadores de hoje pagam reformas, apoios e subsídios que eles nunca terão a
gente que todos os dias se queixa de estar a perder os seus direitos
adquiridos.
Milhares de jovens adultos
gastam horas de vida em engarrafamentos nas vias que os levam aos subúrbios
onde estão as casas que foram obrigados a comprar porque leis oficialmente
muito virtuosas de protecção aos inquilinos acabaram com o mercado de
arrendamento. (Inútil será a acrescentar que também pagam com os seus impostos
os inúmeros programas de recuperação dos centros urbanos condenados à ruína por
essas mesmas leis protectoras dos inquilinos).
Sindicatos dirigidos por uma
gerontocracia inamovível negociaram contratos e acordos em que os direitos dos
mais velhos cresciam à medida que aumentava a desprotecção dos mais novos:
note-se que foi preciso vir a ‘troika' para que se criasse o subsídio de
desemprego para os trabalhadores a recibo verde!
O conflito ou melhor dizendo a
traição a que se assiste em Portugal é entre as gerações que receberam em 1974
um país em que a dívida pública equivalia a cerca de 14% do Produto Interno
Bruto (PIB) e aquelas que agora o recebem com a dívida em 120% do PIB. O resto
é apenas estratégia para não ficar mal nos livros de História.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 09-04-2013
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