“A raiva e o delírio destroem em uma hora mais coisas do que a
prudência, o conselho, a previsão não poderiam construir em um século.”
(Edmund Burke)
Não vou sucumbir à pressão das massas. É claro que eu posso estar enganado em minha análise cética sobre as manifestações, mas se eu mudar de idéia – o que não só não ocorreu ainda, como parece mais improvável agora – será por reflexões serenas na calma de minha mente, e não pelo “linchamento” das redes sociais.
Ao contrário de muitos, eu não
vejo nada de “lindo” em cem mil pessoas se aglomerando nas ruas. Tal imagem me
remete aos delicados anos 60, que foram resumidos por Roberto Campos da
seguinte forma: “É sumamente melancólico - porém não irrealista - admitir-se
que no albor dos anos 60 este grande país não tinha senão duas miseráveis
opções: ‘anos de chumbo’ ou ‘rios de sangue’...”
Eu confesso aos leitores:
tenho medo da turba! Eu tenho medo de qualquer movimento de massas, pois massas
perdem facilmente o controle. Em clima de revolta difusa, sem demandas
específicas (ao contrário de “Fora Collor” ou “Diretas Já”), o ambiente é
fértil para aventureiros de plantão. Um Mussolini – ou um juiz de toga preta
salvador da Pátria – pode surgir para ser coroado imperador pelas massas.
Alguns celebram a ausência de
liderança, se é mesmo esse o caso. Cuidado com aquilo que desejam: sem
lideranças, há um vácuo que logo será preenchido. As massas vão como bóias à deriva.
E sem rumo definido, não chegaremos a lugar algum desejado. Disse Gustave Le
Bon sobre a psicologia das massas:
Uma massa é como um selvagem; não está preparada para admitir que algo
possa ficar entre seu desejo e a realização deste desejo. Ela forma um único
ser e fica sujeita à lei de unidade mental das massas. No caso de tudo
pertencer ao campo dos sentimentos, o mais eminente dos homens dificilmente
supera o padrão dos indivíduos mais ordinários. Eles não podem nunca realizar
atos que demandem elevado grau de inteligência. Em massas, é a estupidez, não a
inteligência, que é acumulada. O sentimento de responsabilidade que sempre
controla os indivíduos desaparece completamente. Todo sentimento e ato são
contagiosos. O homem desce diversos degraus na escada da civilização.
Isoladamente, ele pode ser um indivíduo; na massa, ele é um bárbaro, isto é,
uma criatura agindo por instinto.
Muito me comove a esperança de
alguns liberais que pensam que o povo despertou e que será possível guiá-lo na
direção do liberalismo. Não vejo isso nos protestos, nas declarações, nos
gritos de revolta. Vejo uma gente indignada – e cheia de razão para tanto – mas
sem compreender as causas disso, sem saber os remédios para nossos males. Que
tipo de proposta decente e viável pode resultar disso?
Estamos lidando aqui com a
especialidade número um das esquerdas radicais, que é incitar as massas. Assim
como a década de 60 no Brasil, tivemos o famoso e lamentável Maio de 68 na
França, quando apenas Raymond Aron e mais meia dúzia de seres pensantes temiam
os efeitos daquela febre juvenil. A Revolução Francesa, a Revolução
Bolchevique, é muito raro sair algo bom desse tipo de movimento de massas. Os
instintos mais primitivos tomam conta da festa. Por isso acho importante
resgatar alguns alertas de Edmund Burke em suas Reflexões sobre a Revolução em
França, a precursora desses movimentos descontrolados.
Não ignoro nem os erros, nem
os defeitos do governo que foi deposto na França e nem a minha natureza nem a
política me levam a fazer um inventário daquilo que é um objeto natural e justo
de censura. [...] Será verdadeiro, entretanto, que o governo da França estava
em uma situação que não era possível fazer-se nenhuma reforma, a tal ponto que
se tornou necessário destruir imediatamente todo o edifício e fazer tábua rasa
do passado, pondo no seu lugar uma construção teórica nunca antes
experimentada?
Não se curaria o mal se fosse
decidido que não haveria mais nem monarcas, nem ministros de Estado, nem
sacerdotes, nem intérpretes da lei, nem oficiais-generais, nem assembléias
gerais. Os nomes podem ser mudados, mas a essência ficará sob uma forma ou
outra. Não importa em que mãos ela esteja ou sob qual forma ela é denominada,
mas haverá sempre na sociedade uma certa proporção de autoridade. Os homens
sábios aplicarão seus remédios aos vícios e não aos nomes, às causas
permanentes do mal e não aos organismos efêmeros por meios dos quais elas agem
ou às formas passageiras que adotam.
Se chegam à conclusão de que
os velhos governos estão falidos, usados e sem recursos e que não têm mais
vigor para desempenhar seus desígnios, eles procuram aqueles que têm mais
energia, e essa energia não virá de recursos novos, mas do desprezo pela
justiça. As revoluções são favoráveis aos confiscos, e é impossível saber sob
que nomes odiosos os próximos confiscos serão autorizados.
A sabedoria não é o censor
mais severo da loucura. São as loucuras rivais que fazem as mais terríveis
guerras e retiram das suas vantagens as conseqüências mais cruéis todas as vezes
que elas conseguem levar o vulgar sem moderação a tomar partido nas suas
brigas.
São importantes alertas feitos
pelo “pai” do conservadorismo. Ele estava certo quanto aos rumos daquela
revolução, que foi alimentada pela revolta difusa, pela inveja, pelo ódio.
Oportunistas ou fanáticos messiânicos se apropriaram do movimento e começaram a
degolar todo mundo em volta. Se a revolução é contra “tudo que está aí”, então
quem é contra ela é a favor de “tudo que está aí”. Cria-se um clima de
vingança, revanchismo, que é sempre muito perigoso. As partes íntimas da rainha
morta foram espalhadas pelos locais públicos, eis a imagem que fica de uma
turba ensandecida.
O PT tem alimentado há décadas
um racha na sociedade brasileira. Desde os tempos de oposição, e depois
enquanto governo (mas sempre no palanque dos demagogos e agitadores das
massas), a esquerda soube apenas espalhar ódio entre diferentes grupos,
segregar indivíduos com base em abstrações coletivistas, jogar uns contra os
outros. Temos agora uma sociedade indignada, mas sem saber direito para onde
apontar suas armas. Cansada da política, dos partidos, do Congresso, dos abusos
do poder, as pessoas saem às ruas com a sensação de que é preciso “fazer algo”,
mas não sabe ao certo o que ou como fazer.
E isso porque o cenário
econômico começou a piorar. Imagina quando a bolha de crédito fomentada pelo
governo estourar, ou se a China embicar de vez. Imagina se nossa taxa de
desemprego começar a subir aceleradamente. É um cenário assustador. Alguns
pensam que nada pode ser pior do que o PT, e eu quase concordo. Mas pode sim!
Pode ter um PSOL messiânico, um personalismo de algum salvador da Pátria, uma
junta militar tendo que reagir e assumir o poder para controlar a situação. Não
desejamos nada disso! Temos que retirar o PT do poder pelas vias legais, pelas
urnas, respeitando-se a ordem social e o estado de direito.
O desafio homérico de todos
que não deixaram as emoções tomarem conta da razão é justamente canalizar essa
revolta para algo construtivo. Mas como? Como dialogar com argumentos quando
cem mil tomam as ruas e sofrem o contágio da psicologia das massas? Alguém já
tentou conversar com uma torcida revoltada em um estádio de futebol? Boa sorte!
Por ser cético quanto a essa
possibilidade, eu tenho mantido minha cautela e afastamento dessas
manifestações. Muita gente acha que o Brasil, terra do pacato cidadão que só
quer saber de carnaval, novela e futebol, precisa até mesmo de uma guerra civil
para acordar. Temo que não gostem nada do gigante que vai despertar. Ele pode
fazer com que essa gente morra de saudades do "homem cordial". Não se
brinca impunemente de revolução. Pensem nisso, enquanto há tempo.
Título, Imagem e Texto: Rodrigo Constantino, 19-06-2013
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