
O debate prosseguia. Paula
tentava desesperadamente arrumar um argumento. Dizia que ela e seu grupo
estavam injustamente sendo acusados de censores, sem conseguir explicar, no
entanto, por que aquilo que defendem não é, afinal de contas, censura. Pouco se
lhe dá que a tal lei impeça, como tem impedido, de se contar parte da história
do Brasil e que inexista restrição parecida em qualquer democracia do mundo. E
daí? O Brasil atrasado pode lhes parecer um bom lugar quando se trata de
defender o que consideram seus próprios interesses.
A jornalista Barbara Gancia é
uma das integrantes do “Saia Justa”. Fez o que as pessoas razoáveis fazem nas
democracias. Combateu a censura, citou os dispositivos constitucionais e
lembrou que existem leis para punir abusos. Sem saída, Paula Lavigne apelou.
— Barbara, você é gay assumida, né?
— Sou.
— Qual é o nome da sua namorada?
— Marcela.
— Ela não vai se ela vai se sentir bem vendo eu perguntar isso, é disso que estou falando, você não está entendendo na teoria e agora viu na prática como é ruim ter a privacidade invadida!
Retomo
Paula Lavigne é vulgar e preconceituosa. E o é, como diz uma das minhas filhas, num “nível novo”, que pode escapar a uma análise mais ligeira. Vamos lá. Agora parte da minha biografia: Barbara é minha amiga há 21 anos. Nunca escondeu o que não tinha de ser escondido. Nesses anos, jamais vi alguém, por mais que a detestasse ou que estivesse furioso com suas opiniões, recorrer à sua sexualidade para tentar vencer o debate, como se fosse um argumento eficiente. Querem a evidência incontornável de que se tratou de preconceito? É simples: se Barbara fosse heterossexual, o diálogo seria impossível, não é? Imaginem:
Paula Lavigne é vulgar e preconceituosa. E o é, como diz uma das minhas filhas, num “nível novo”, que pode escapar a uma análise mais ligeira. Vamos lá. Agora parte da minha biografia: Barbara é minha amiga há 21 anos. Nunca escondeu o que não tinha de ser escondido. Nesses anos, jamais vi alguém, por mais que a detestasse ou que estivesse furioso com suas opiniões, recorrer à sua sexualidade para tentar vencer o debate, como se fosse um argumento eficiente. Querem a evidência incontornável de que se tratou de preconceito? É simples: se Barbara fosse heterossexual, o diálogo seria impossível, não é? Imaginem:
— Barbara, você é heterossexual assumida, né?
— Sou.
— Qual é o nome do seu namorado?
— Paulo.
— Ela não vai se ele vai se sentir bem vendo eu perguntar isso, é disso que estou falando, você não está entendendo na teoria e agora viu na prática como é ruim ter a privacidade invadida!
É asqueroso! No mundo de dona
Paula Lavigne, os gays devem ser menos livres para ter opiniões do que os
heterossexuais, ou ela logo quer saber qual é o nome do “namorado” ou da
“namorada”… O mais patético é que Barbara respondeu o que lhe foi perguntado
sem constrangimento, mas Paula insistiu em ver ali a suposta violação incômoda
de uma intimidade — violação que não havia porque não se cuidava de nenhuma
informação secreta. Mas ainda não cheguei ao fundo do pântano ético desta
senhora.
Digamos, só para efeitos de
pensamento, que a homossexualidade de Barbara fosse um segredo guardado a sete
chaves, bem como o nome da sua namorada. Ora, quem é que estava a falar no
programa como a guardiã do “direito à intimidade”? Entendo. Paula só estava
tentando ser didática e sagaz.
Não é a primeira vez
Trinta anos depois, essa gente aprendeu muito pouco. Em 1983, furioso com uma crítica que Paulo Francis lhe fez, Caetano, ex-marido de Paula Lavigne e um dos entusiastas da censura, chamou o jornalista de “bicha amarga” e “boneca travada”. Nos recentes embates que tive com ele, lembrei a baixaria. Caetano tentou se explicar, e a emenda saiu bem pior do que o soneto. Segundo disse, a parte negativa da caracterização era “travada”, não “bicha”. Ah, bom! Paula Lavigne acha que Barbara Gancia não poderia jamais ter aquela opinião sendo gay. E Caetano acha que uma bicha só é digna se for “destravada”. Poderia ser dito de outro modo: “Já que é bicha, que seja destravada”. Não sei se ele tem exigências também voltadas aos heterossexuais.
Trinta anos depois, essa gente aprendeu muito pouco. Em 1983, furioso com uma crítica que Paulo Francis lhe fez, Caetano, ex-marido de Paula Lavigne e um dos entusiastas da censura, chamou o jornalista de “bicha amarga” e “boneca travada”. Nos recentes embates que tive com ele, lembrei a baixaria. Caetano tentou se explicar, e a emenda saiu bem pior do que o soneto. Segundo disse, a parte negativa da caracterização era “travada”, não “bicha”. Ah, bom! Paula Lavigne acha que Barbara Gancia não poderia jamais ter aquela opinião sendo gay. E Caetano acha que uma bicha só é digna se for “destravada”. Poderia ser dito de outro modo: “Já que é bicha, que seja destravada”. Não sei se ele tem exigências também voltadas aos heterossexuais.
O mesmo Caetano, descontente
com um texto de Mônica Bergamo, colunista da Folha, sobre autorização para
Maria Bethania captar patrocínio pela Lei Rouanet, resolveu especular sobre a
vida privada da jornalista, acusando-a de “parceira extracurricular” com um
colega. Escrevi sobre o despropósito. A Lei Rouanet é um
instrumento público de fomento à cultura. Saber quem tem e quem não tem acesso
à vantagem é de interesse do conjunto dos brasileiros. Mas o cantor tomou a
coisa como pessoal. E ainda escreveu: “Pensam o quê? Que eu vou ser
discreto e sóbrio? Não. Comigo não, violão”. Em suma: Caetano acha que
não precisa “ser discreto e sóbrio” com a vida de pessoas privadas, mas quer
uma lei que censure a biografia de pessoas públicas.
Num embate recente com Mônica
no Twitter, Paula Lavigne mandou ver esta delicadeza:
Ela se desculpou, e parece que
a jornalista aceitou as desculpas. Não estou aqui a tomar as dores de ninguém.
Mônica sabe se defender — assim como Barbara. Estou é evidenciando um estilo.
Sei o quanto me custa de
aporrinhação e de xingamentos os mais estúpidos as críticas que faço à chamada
“lei que pune a homofobia”. Trata-se, em muitos aspectos, de mais uma agressão
à liberdade de expressão sob o pretexto de defender uma minoria. Precisamos é
que as leis que existem para punir todas as formas de agressão sejam
devidamente aplicadas. E com celeridade — inclusive as que coíbem os crimes
contra a honra.
O que me espanta ao relatar
esses casos é ver a ligeireza com que esses “descolados” — que jamais serão
chamados de “homofóbicos” — podem recorrer à sexualidade desse ou daquele ou a
supostos aspectos da vida privada de desafetos para tentar vencer um debate
sobre temas que são de interesse público. Se há coisa que não me interessa
— e desconfio que interesse a bem pouca gente — é a vida venturosa de Caetano
Veloso, de Djavan ou de Chico Buarque. Espantoso é que esses senhores, sob o
pretexto de preservar a sua intimidade, defendam uma lei já tornada obsoleta
pela Constituição, que permite, e isto é inegável, até a censura prévia.
Paula Lavigne, no seu estilo
sem limites, em conversa com O Globo, afirmou que Barbara teria pedido ao GNT
que cortasse trechos do programa. Estranhei. Telefonei para Barbara.
— Você pediu isso?
— Reinaldo, eu vou fazer uma cópia da mensagem que enviei ontem para a Mariana Koehler, que é a diretora do Saia Justa.
Minutos depois, chegava ao meu celular a mensagem que Mariana recebeu na noite de terça-feira.
— Você pediu isso?
— Reinaldo, eu vou fazer uma cópia da mensagem que enviei ontem para a Mariana Koehler, que é a diretora do Saia Justa.
Minutos depois, chegava ao meu celular a mensagem que Mariana recebeu na noite de terça-feira.
Assim:
“Bom dia, flor:
Não se preocupe comigo na hora de editar, tá tudo tranquilo, faça o que for melhor pro programa. Confio 100% no seu bom senso. Manda bala e vamos em frente!”
“Bom dia, flor:
Não se preocupe comigo na hora de editar, tá tudo tranquilo, faça o que for melhor pro programa. Confio 100% no seu bom senso. Manda bala e vamos em frente!”
É MAIS SEGURO PARA A HUMANIDADE QUE PAULA LAVIGNE TENTE CENSURAR BIOGRAFIAS. IMAGINEM SE ELA FOSSE UMA BIÓGRAFA…
Encerro lembrando que esses
patriotas costumam reclamar ainda da imprensa brasileira. Com raras exceções, o
jornalismo que se pratica no Brasil preserva, sim, a intimidade de personalidades
públicas — inclusive dos artistas. É claro que, de vez em quando, aparecem um
Lula ou outro para protestar. O agora ex-presidente ficou furioso quando a
imprensa noticiou que a Gamecorp, empresa de Lulinha, um de seus filhos,
recebeu um aporte de R$ 5 milhões da então Telemar. Segundo o petista,
tratava-se de “assunto privado”. Errado! A Telemar era detentora de uma
concessão pública e tinha como sócio o BNDES. Se ela dá dinheiro para a empresa
do filho do presidente da República, a notícia é do interesse de todos os
brasileiros.
Lula, Chico Buarque e Caetano
Veloso acham que biografia boa é biografia autorizada. Estão a um passo de
achar que jornalismo bom é jornalismo autorizado.
Se não é assim, Paula Lavigne
logo pergunta:
— Você é gay, né?
— Você é gay, né?
Título e Texto: Reinaldo
Azevedo, 17-10-2013
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