Trilogia do Lótus, de José Rodrigues dos Santos:
O terceiro é “O
Reino do Meio”, que acabei de ler.
Adorei!
“O Reino do Meio é o
título do terceiro romance de uma trilogia que aborda as ideologias do fascismo
e do comunismo e os grandes acontecimentos que marcaram as sociedades portuguesa,
chinesa, soviética e japonesa.
A guerra rebenta em Espanha e
o Japão invade a China. Uma relação extraconjugal nos Açores, o atentado
contra Salazar e as intrigas palacianas em Tóquio aproximam o
coronel Artur Teixeira do cônsul Satake Fukui na mais imprevisível e perigosa
das cidades – a Berlim de Adolf Hitler.
Lian-hua, a chinesa dos olhos azuis, está prometida a um desconhecido quando vê os japoneses entrarem em Pequim e a sua vida se transforma num inferno. O mesmo espetáculo é observado pela russa Nadezhda Skuratova em Xangai, onde se apaixona por um português que a forçará a uma escolha impossível.
Amor, dor e ódio no Reino do
Meio.
A Berlim do blackout, dos boatos e das anedotas, do
Hotel Adlon, das suásticas que brilham à noite e das lojas vazias com
vitrinas cheias; a Pequim das mei
po casamenteiras, dos chi pao de
seda, dos cules e dos riquexós; a Tóquio do Hotel Imperial, dos
golpes no Kantei, do zen e dos
códigos de honra giri e ôn; e
a Xangai da Concessão Internacional, dos portugueses do Clube
Lusitano, dos néones, do Bund, das taxi-girls
russas e dos bordéis.
Senhor de uma prosa sem igual,
José Rodrigues dos Santos está de regresso ao grande romance com a conclusão da
história inesquecível das quatro vidas que o totalitarismo moldou. Lendo-se
como um romance autónomo, O Reino do
Meio encerra em grande estilo a polémica
Trilogia do Lótus, uma das mais ambiciosas e controversas obras da
literatura portuguesa contemporânea.”
O
livro foi lançado em setembro de 2017. Em Portugal, está à venda nas livrarias
ou online. No Brasil, não achei nada.
A Nota final do autor:
“Fecha-se assim a Trilogia do Lótus, dedicada aos
autoritarismos e aos totalitarismos da primeira metade do século XX.
Pelas páginas de As Flores de Lótus, O Pavilhão Púrpura e O Reino
do Meio desfilaram quatro histórias paralelas inspiradas em experiências
verdadeiras que foram vividas por diferentes personagens. Algumas são baseadas
em pessoas reais e outras são imaginadas, mas todas representam figuras cujo percurso nos permitiu
mergulhar na ascensão ao longo das décadas de 1920 e 1930 de alguns dos regimes
autoritários e totalitários que marcaram o século das guerras mundiais,
incluindo as complexas dinâmicas políticas, sociais e econômicas que os
conduziram ao poder.
No caso de Oliveira Salazar,
de Rolão Preto, de Humberto Delgado, de Mao Tsé-tung e de Chiang Kai-shek, de
resto, houve a preocupação de, nas partes em que estas personagens históricas
aparecem, decalcar as palavras ipsis
verbis do seu verdadeiro discurso político. Também certas frases não
políticas foram copiadas das palavras originais destes homens, o que aconteceu
sempre que pareceram pertinentes para captar certos traços das suas
personalidades.
Alguns aspectos desta obra
revelaram-se muito polêmicos e suscitaram um amplo debate público em Portugal,
em especial em torno da revelação das origens marxistas do fascismo. Retomarei
este assunto de forma aprofundada em tempo oportuno.”
Marcações de texto deste Editor.
Sim,
houve um “amplo debate”, chama o autor, eu chamaria de outra coisa. A
esquerdice não tolera José Rodrigues dos Santos. Ainda continua na TV estatal,
RTP, porque o seu afastamento/demissão daria a maior bandeira. Embora, julgo
eu, nada fosse acontecer, à parte alguns protestos de poucos jornalistas,
‘radicais de direita’, ‘fascistas’...
Aprecie
e analise alguns trechos que transcreverei a seguir.
“Humberto Delgado fez um gesto
repentino a indicar a janela do apartamento.
‘Se assim é, senhor doutor,
deixe-me convidá-lo a espreitar a rua.’
A sugestão surpreendeu o
anfitrião.
‘Perdão?’
‘A Legião e a Mocidade
Portuguesa estão incondicionalmente ao lado de vossa excelência nesta hora de
suprema gravidade’, explicou. ‘Organizámos uma grandiosa manifestação que vem
marchando do Rossio para testemunhar o seu apreço, a sua gratidão, o seu
encorajamento à imorredoira obra do senhor doutor. Espero que encontre nesta
singela homenagem forças para prosseguir o seu caminho com a mesma determinação
com que o tem feito até aqui.’
Ao ouvir a notícia, Salazar
teve um esgar de pânico e quase se encolheu; ninguém detestava tanto as
multidões como ele.
‘Uma... uma manifestação?’
‘Vá à janela saudar a
rapaziada, senhor doutor. Dê-lhes palavras de alento, que eles bem precisam!’
Fez um gesto a indicar o exterior. ‘Eu vou agora lá fora coordenar este ato
humilde e espontâneo de tributo a vossa excelência. Bem haja, senhor doutor.
Bem haja!’
Muito ao seu jeito
voluntarioso, o capitão Humberto Delgado despediu-se do presidente do Conselho
e cortou pelos convivas em direção à porta do apartamento, desaparecendo tão
depressa como surgira.”
O
capitão Humberto Delgado, que se tornou general, foi candidato oposicionista às
eleições presidenciais de 1958. Atualmente dá nome ao aeroporto internacional
de Lisboa, iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa e aprovada pelo governo do
Partido Socialista.
“’É verdade que neste momento
estamos a ser ameaçados pelos russos a norte e pelos comunistas chineses
pró-russos no Centro’, argumentou Sawa. ‘Mas ao contrário do que dizes, o
Ocidente é a maior ameaça. Quem é que nos vendeu a ideia do mercado livre e
outras balelas que só nos conduziram à corrupção, à perda dos velhos valores e
à desgraça? Quem é que está a explorar as nações proletárias asiáticas? Quem é
que representa o grande capital que oprime o proletariado? O Ocidente, claro!’
Abanou a cabeça. ‘Não, a coisa como está não pode continuar. O que temos de
fazer primeiro é ocupar a China e libertá-la do domínio do Ocidente e do grande
capital. Depois, já com as mãos livres, enfrentaremos os russos e derrotá-los-emos.
Só assim salvaremos o Japão e libertaremos a Ásia da agressão capitalista e
imperialista.’”
“Recuando um passo, Salazar
assentou as mãos sobre as ancas enquanto contemplava a planta.
‘Posso ir viver para uma casa
do Estado, mas haverá regras escrupulosas. Não aceito, por exemplo, que me
paguem o salário de Maria [sua governanta, NdE]
e das duas criadas. Pagá-los-ei do meu bolso. As despesas de funcionamento da
residência, incluindo telefones, serão pagas por mim. À exceção da eletricidade
do rés-do-chão, que será debitada à Assembleia Nacional. Já a eletricidade do
primeiro andar, a zona residencial, será paga por mim. As roupas de cama e mesa
pertencentes ao Estado só serão utilizadas em funções oficiais. No resto serão
usadas roupas de cama e de mesa que me pertencem pessoalmente e que vou trazer
da (rua) Bernardo Lima. Como trarei também a mobília para a zona residencial,
pois o Estado não tem igualmente de me pagar isso.’
Estas preocupações arrancaram um
sorriso a Artur.”
“Não havia ali nada para ver e
os dois prosseguiram o passeio. Meteram pela Hermann Göring Strasse em direção
às Portas de Brandeburgo [foto].
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16 de julho de 1945 |
O português riu-se.
‘Acho que ficou toda a gente estupefacta’, disse. ‘Recebi
uma carta de uma pessoa amiga em Lisboa a dizer que os nacionalistas andam
incrédulos. Há militares no meu país que passavam a vida a cantar loas aos
nazistas e a dizerem que só Hitler podia travar os comunistas e mais não sei
quê, e que agora andam calados que nem ratos. Parece que até deixaram de
aparecer nos cafés que costumavam frequentar, só para não serem gozados.’
‘E os comunistas’?
‘Oh, esses não têm vergonha!
Depois de andarem anos a guerrear-se com os fascistas, agora dizem que isto é
uma grande vitória da classe operária e que até têm muitas afinidades com os
nazistas, pois afinal são todos socialistas. Agem como se isto fosse
perfeitamente normal e suspeito que, se amanhã se zangarem outra vez com os
nazistas, fingirão que nunca tiveram esta aliança e que tal rotura é outra
grande vitória da classe operária.’ Baixou a voz, em jeito de desabafo. ‘Embora,
devo reconhecer, me pareça que há de facto muitos pontos em comum entre estes
ismos todos.’
‘Que quer dizer com isso?’
‘Os que partilham todas estas
ideologias, meu caro? O princípio totalitário do Estado, o socialismo e o culto
da supremacia e da violência. Os nazistas falam em supremacia de uma raça, os
fascistas na supremacia de uma nação, os comunistas na supremacia de uma
classe. E todas preveem e sancionam o recurso à violência no processo
histórico. Feitas as contas, estão todos bem uns para os outros!’”
“O homem ergueu o olhar do
jornal e espreitou os recém-chegados, fixando sobretudo Fukui.
‘O senhor é chinês?’
‘Japonês.’
A revelação arrancou um
sorriso do homem.
‘Ach so, um aliado!’, exclamou com satisfação. ‘Já viu as novidades?
Parece que os russos declararam guerra à Inglaterra, a Itália começou a enviar
tropas para nos ajudar e a França declarou a neutralidade. Maravilhoso, não é?’
O olhar surpreendido de Fukui
desviou-se para o jornal. ‘Isso está escrito aí?’
‘Não, mas foi o que ouvi há
pouco. Depois de acabarmos com a Polônia, vamos tratar da saúde dos ingleses, já?’
O português e o japonês
trocaram um olhar de bons entendedores; os boatos não paravam. Acharam, no
entanto, por bem nada desmentir.
‘Pois’, assentiu Fukui. ‘Pelos
vistos a Alemanha e a Rússia são agora aliados, hem?’
O alemão esboçou um sorriso e
baixou a voz.
‘Ach, isto é maravilhoso!’, disse. ‘Sabe, antes de ser
nacional-socialista fui comunista, pelo que deve compreender como me sinto
feliz. Esta aliança é a união dos socialismos contra o capitalismo. Wunderbar!’
Os dois estrangeiros decidiram
nem sequer alimentar a conversa, tal a sensibilidade da matéria.”
“Foi Artur que voltou a falar.
‘E reparou naquilo que o
careca disse sobre ter sido comunista antes de se tornar nacional-socialista?
Já em Itália aconteceu o mesmo. Quem criou o fascismo foram justamente os
comunistas. Que bicho andará a morder os socialistas da Europa para se
transferirem de armas e bagagens para o socialismo nacionalista?’
‘Não é só na Europa, Artur-san. Na Ásia é a mesma coisa.’
‘Está a brincar...’
‘A sério. Quando eu andava na
Universidade Imperial, muitos dos meus colegas eram comunistas. Pois a maior
parte deles já abandonou o Partido Comunista e defende agora o socialismo
nacionalista. São isso no fundo os ultranacionalistas.’
‘Mas... porquê?’
‘Porque chegaram à conclusão
de que o internacionalismo é uma fantasia. Olhe para o Comintern, Artur-san. Foi criado para encorajar a
revolução do proletariado em todo o mundo, não é verdade? Mas o que querem
realmente os russos é gerar problemas em redor deles para se protegerem. A
revolução mundial do Comintern é na verdade uma revolução para salvar a União
Soviética. Ou seja, os bolcheviques usam o internacionalismo para fortalecer o
seu nacionalismo. Assim sendo, porque razão iriam os comunistas japoneses lutar
para defender outro país? É por isso que muitos comunistas, incluindo marxistas
destacados como Sano Manabo e Ryu Shintaro, fizeram tenk, ou conversão, e abraçaram o kokutai, a nação. Agora andam a apregoar o socialismo nacionalista.’
‘Ou seja, o Japão começou a
seguir as pisadas da Alemanha, da Itália e da Rússia.’
‘Todas as nações que se sentem
exploradas pelos grandes países capitalistas estão a abraçar uma versão
nacionalista do socialismo, Artur-san.
Até a China. O que é Kuomintang senão a versão chinesa do socialismo
nacionalista? E mesmo o Partido Comunista Chinês, se sobreviver à guerra,
acabará um dia por cortar com os russos e decretar uma versão nacional do
socialismo, verá.’”
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