Rui Ramos
Ao fim de quarenta anos, o CDS tem uma
segunda oportunidade de ser o único partido não-socialista em Portugal. Vai
agora ser a alternativa que da primeira vez não conseguiu ser?
Já não é a primeira ocasião em
que o CDS é o único partido parlamentar em Portugal que se dispensa de ser de
“esquerda”. Em 1976, votou sozinho contra uma Constituição que, nessa primeira
versão, despachava o país “rumo ao socialismo” sob tutela militar. No entanto,
também é verdade que demasiados fundadores do CDS acabaram ministros ou
deputados do Partido Socialista. Parece contraditório, mas não é: de facto, uma
coisa tem a ver com a outra, e pode resumir o dilema do CDS.
Durante o PREC, o CDS mal foi tolerado.
Nas eleições de 1976, porém, o martírio teve retorno: nas legislativas, foi o
único partido que aumentou a votação, aliás, duplicou-a, passando de 434 mil
para 876 mil votos; nas autárquicas, elegeu 36 presidentes de câmara e
tornou-se o segundo partido mais votado em Lisboa, uma cidade em que, durante o
PREC, quase não pudera ter atividade pública. A Juventude Centrista começava a
dominar os liceus, como frente da revolta juvenil contra a ortodoxia abrilista.
Valia a pena não ser de esquerda e não ser socialista.
Mas havia um problema. Ao
contrário do que esperou, o CDS (16% dos votos) ficou atrás do PSD (24%). O PSD
era uma complicação. Por um lado, limitava o apelo do CDS entre o eleitorado da
direita democrática, já que, embora se dissesse de “centro-esquerda”, o PSD
tinha um líder, Sá Carneiro, que nunca foi visto como tal. Por outro lado,
ameaçava isolar o CDS como o equivalente do PCP à direita, uma vez que os
demais dirigentes do PSD pareciam convencidos de que o único caminho para o poder
passava por uma aliança com o PS, patrocinada pelo presidente da república
(isto é, pelo poder militar). Os dirigentes do CDS nunca souberam bem que
fazer. Crescer à direita, como “único partido não-socialista”, pareceu-lhes
árduo. Já bastara o PREC. A opção foi, assim, a partir de 1976, situarem-se
entre o PSD e o PS.
A manobra teve sucesso: em
1978, governaram com o PS; em 1980, com o PSD. Mas também teve custos: o CDS,
que tinha aspirado a ser o movimento dos que rejeitavam o socialismo, passou a
ser mais um pequeno grupo de jogadores políticos em Lisboa. Nas suas memórias,
Freitas do Amaral diz que Sá Carneiro, no fim de 1980, admitia fazer um novo
partido, juntando os dirigentes do CDS e as bases do PSD. Podia ter resolvido
as dificuldades do CDS. Em vez disso, os seus dirigentes tenderam a ser tudo e
o seu contrário. Entre 1980 e 1990, foram liberais, e logo a seguir
democrata-cristãos; europeístas, e depois eurocéticos; democratas-cristãos, e
“populares”. O seu eleitorado tornou-se tão volátil como a sua identidade
ideológica: os 42 deputados de 1976 chegaram a ser apenas 4 em 1987 e 5 em
1991, no auge do “cavaquismo”. Depois de tantos ziguezagues, a opção de alguns
fundadores pelo Partido Socialista pareceu apenas mais um.
O CDS nunca mais teve a
votação de abril de 1976. Mas desde as últimas autárquicas, voltou a ser o
segundo partido em Lisboa. Ao fim de quarenta anos, parece ter uma nova
oportunidade. A retirada de Passos Coelho privou o PSD do mais importante líder
da direita democrática desde Cavaco Silva, e deixou o partido entregue
novamente aos equívocos do “centro-esquerda” e dos entendimentos com o Partido
Socialista. Há quarenta anos, o CDS preferiu seguir o PSD nessa comédia de
enganos. Era a opção mais fácil. Ninguém sabe o que poderia ter acontecido se
tivessem insistido em manter-se como alternativa ao “regime socialista”. Talvez
se possa descobrir agora, se a nova geração do CDS for capaz de ser outra vez
“o único partido não-socialista em Portugal”.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 9-3-2018
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 9-3-2018
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