Henrique Pereira dos Santos
Não sei o suficiente de
futebol para escrever sobre futebol.
Tenho ideia de ler uma
entrevista a Eugénio de Andrade a quem perguntavam por que razão, sendo ele um
grande melómano e tão empenhado na musicalidade da sua poesia, nunca escrevia
sobre música, ao que ele respondia que sobre a música se exigia que se
escrevesse com um conhecimento técnico que ele não tinha.
Assim estou eu com o futebol.
Mas posso escrever sobre a
extraordinária arrogância das opiniões públicas (não estou a falar das
discussões em rodas de amigos ou no táxi, não as compreendo, mas percebo que
sejam mecanismos de socialização e integração comunitária) que vou ouvindo e
lendo, vindas de uma espécie de especialistas que são os comentadores
desportivos.
Eu não sei que qualificações é
preciso ter para ser comentador desportivo, que nascem como cogumelos e, coisa
espantosa e impensável noutras áreas do conhecimento, pode-se estabelecer uma
reputação profissional de comentador desportivo a partir de uma assumida
parcialidade de pontos de vista.
Não faltam comentadores
desportivos que têm absolutas certezas dos resultados que a seleção portuguesa
alcançaria se se mudasse este ou aquele, ou o esquema de jogo ou seja o que
for, nem o famoso jogo do campeonato do mundo, entre a Itália e o Brasil, ganho
pela Itália, lhes serve para explicar que o resultado de um jogo é tão
imprevisível que até inventaram o totobola, em que raramente se acerta no
resultado final de meros treze jogos de equipas conhecidas, apesar de serem
milhares os apostadores.
Um selecionador, como qualquer
jogador, fará erros, com certeza, uns fazem mais que outros, mas confesso que
fico mesmo espantado com os comentários que ouço sobre Ronaldo, sobre a seleção
ou sobre o selecionador, lembrando-me sempre do letreiro que havia numa oficina
de automóveis das Caldas: "aqui não se aceitam conselhos de quem sabe
fazer melhor, só de quem já fez melhor".
Claro que a crítica é livre e
o direito à asneira deve ser defendido com unhas e dentes, o que me espanta é
mesmo o empenho e o desconchavo de muitas dessas críticas, vindas de gente cujo
curriculum desportivo se reduz a ver muitos jogos, achando normal qualificar
como evidentemente incompetente gente que põe uma equipa nos quartos de final
de um campeonato europeu.
Imagino que, por exemplo,
nenhum promotor de programas de cozinha aceitasse que o critério para escolher
o júri fosse o peso dos jurados, no pressuposto de que comer muito é o mesmo
que saber avaliar um cozinhado.
Aparentemente, o critério para
escolher comentadores desportivos, no entanto, não parece ser muito diferente.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 2-7-2024
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