No transcurso desde ano, até
12 de agosto, entraram no Brasil US$ 63,2 bilhões. Assim, apesar do saldo em
conta corrente do Balanço de Pagamentos ser crescentemente negativo, o país
continua a acumular reservas. Entra dinheiro de sobra, ampliando nosso passivo
externo.
É ingênua a ideia de que o
caudaloso movimento de dólares é causado por uma solidez da economia
brasileira. A razão é outra: a taxa de juros do Brasil é a mais alta do
planeta. Nenhum país tem uma taxa nem sequer próxima à nossa; em termos reais,
é cinco ou seis vezes maior do que a taxa média dos países emergentes. Assim,
as aplicações financeiras vêm para cá faturar a diferença entre os juros
brasileiros e os que prevalecem na economia internacional.
Trata-se de um negócio do
outro mundo, que dá prejuízo ao Brasil. As reservas brasileiras, aplicadas no
exterior, rendem juros baixíssimos: entre 1% e 2% ao ano, ou até menos, nas
atuais circunstâncias. Mas, para comprá-las, o governo capta dinheiro em reais
a 12,5% ao ano. Além disso, com a apreciação da moeda nacional, as reservas
perdem valor em reais.
Assim, no primeiro trimestre
de 2011, o custo fiscal de carregamento das reservas foi de R$ 19 bilhões. Para
que se tenha uma idéia, os gastos federais em Saúde nesse período ficaram
próximos a R$ 13 bilhões. Em Educação, R$ 8,2 bilhões. No ano passado, aquele
custo chegou perto dos R$ 50 bilhões.
Outro prejuízo provém da
sobrevalorização do real em relação às moedas de outros países, começando pelo
dólar. Repete-se à saciedade que esse é um fenômeno mundial, não apenas
brasileiro, pois o dólar está se enfraquecendo. Mas o fenômeno brasileiro é
maior, pois somos os primeiros do mundo em matéria de apreciação cambial,
precisamente por causa dos juros.
A sobrevalorização cambial
encarece as nossas exportações de produtos manufaturados, que perdem
competitividade. E barateia as importações desses produtos, que destroem
capacidade produtiva doméstica. Em ambos os casos, a desindustrialização
provoca a perda de bons empregos. Do ponto de vista da balança comercial, a
tragédia só não é maior devido ao forte aumento dos preços das exportações
brasileiras de matérias-primas e alimentos.
Não apenas por causa da perda
de competitividade em relação ao exterior, mas também por causa dela, a
economia brasileira vem perdendo dinamismo. O indicador de atividade econômica
calculado pelo Banco Central mostrou retração em junho. O consumo industrial de
energia elétrica em São Paulo cresceu somente 3% no primeiro semestre em
relação a igual período do ano passado.
O governo não foi além de
algumas medidas pontuais para tentar arrefecer a enxurrada de dólares. Como se
previa, independentemente do seu mérito, não funcionaram. O erro vem de longe.
Em 2002 as taxas de juros
brasileiras eram muito altas devido, principalmente, à restrição cambial e à
maior inflação — em razão da instabilidade provocada pela campanha eleitoral.
Mas, acompanhando o novo governo (Lula), a instabilidade passou, e a restrição
cambial foi sendo eliminada, até virar bonança pelo simples fato de que os preços
das exportações brasileiras de commodities — alimentos e matérias-primas -—
aumentaram espetacularmente. Um presente dos céus que, no entanto, foi
desperdiçado, pois acabou não tendo uma contrapartida proporcional no aumento
do investimento público ou industrial; o que cresceu mesmo foi o consumo,
especialmente importado.
Montou-se, assim, a armadilha
do tripé: “juros elevados com câmbio supervalorizado, alta carga fiscal e
baixos investimentos públicos federais”. É a armadilha que prende os passos do atual
governo, que ainda está longe de encarar o assunto, pois nem sequer o
diagnóstico foi por ele assimilado. Em economia, como na saúde, a eficácia
depende da prevenção. Mas se a crise internacional vem ao Brasil pela enxurrada
de dólares (é o começo), em vez de diques preventivos para atenuar seus
impactos, foram feitos declives acentuados para facilitar seus efeitos.
Título e Texto: José Serra, 19-08-2011
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