1. Foi hoje divulgado um Manifesto, subscrito por 70 personalidades
de reconhecido mérito da vida pública nacional, no qual é feito um apelo à
reestruturação da dívida pública portuguesa.
2. Tendo lido o documento, que como expressão de opinião sobre um
magno tema da nossa vida colectiva respeito, cabe-me enunciar as razões que me
levam a discordar, profundamente, de tal proposta.
3. Em 1º lugar, considero que uma qualquer proposta de
reestruturação de dívida, da iniciativa de entidade pública ou privada -
“maxime” quando se trata do Estado e tendo em conta a enorme dimensão da dívida
deste - para ser uma proposta consistente e consequente deveria,
simultaneamente, apresentar um conjunto de medidas que assegurassem, de forma
duradoura, a utilidade e eficácia da reestruturação...
4. ...por palavras mais simples, medidas que garantam não se tratar
de uma simples panaceia com efeitos temporários, que durará somente até ao
próximo pedido de reestruturação, e depois a mais outro, até ao completo
descrédito do devedor...
5. No caso do Estado Português, um tal conjunto de medidas
traduzir-se-ia naquilo que tantos vêm reclamando há tanto tempo, ou seja a
“Reforma do Estado”: uma revisão extensa e detalhada das estruturas políticas e
administrativas do Estado, tanto no nível central como no regional e
autárquico, incluindo as adjacências do tipo Fundações, EPEs, empresas públicas
regionais, empresas municipais, and so on...
6. ...que permitisse escrutinar, fundamentadamente, todas as
estruturas supérfluas, redundantes ou desproporcionadas e que apresentasse um
plano, de médio/longo prazo, para eliminação progressiva desses excessos, plano
esse que deveria ser acompanhado de uma previsão da inerente redução da despesa
pública resultante dessas medidas.
7. Em resumo, avançar uma proposta de reestruturação sem antes ou
simultaneamente cuidar de apresentar um projecto sério de Reforma do Estado
parece-me algo de semelhante à velha ideia de “por o carro à frente dos bois”,
suscitando um elevado risco de “moral hazard”: significa seguir pelo caminho
mais fácil, incentivando a manutenção de atitudes de acomodação para, passados
uns anos, voltar à carga com nova reestruturação (insolvência, para sermos
claros)...
8. Em 2º lugar, tenho muita dificuldade em entender porque é que o
Estado, que não hesitou em exigir das Famílias e das Empresas um enorme
esforço, por vezes brutal mesmo, de ajustamento das suas vidas e dos seus
balanços, bem como (no caso das empresas) uma radical mudança dos seus modelos
de negócio – com enorme sucesso, como bem sabemos, traduzido na rápida
correcção dos graves desequilíbrios económicos e financeiros que afligiram anos
a fio a economia portuguesa...
9. ...porque é que o Estado deve furtar-se a esse esforço de
ajustamento - não se limitando aos cortes já efectuados em determinadas
rubricas da despesa, em especial da despesa social – e não deva seguir o
exemplo das Famílias e das Empresas? Qual a justificação para tal excepção? Não
entendo.
10. Quem sabe se, por exemplo, com uma adequada reforma das suas
estruturas, até se viria a concluir que o Estado é capaz de gerar excedentes
primários suficientes para começar a reduzir a imensa dívida pública?
11. Então aí, sim, poderíamos ter argumentos, sérios, substantivos,
meritórios, para propor aos credores um alívio permanente no serviço da dívida.
12. Nas condições actuais, sem um trabalho de casa devidamente
concluído, não me parece que os credores nos levassem minimamente a sério e
tenho mesmo a suspeita de que os efeitos de uma iniciativa de reestruturação da
divida tal como é sugerida pelo Manifesto, acabariam por ser totalmente opostos
aos enunciados pelos seus ilustres subscritores...
13. ...e lá se ia a reestruturação mais a credibilidade externa que
com tanto esforço tem vinda a ser recuperada!
14. Tinha ainda outras razões, nomeadamente aquilo que me parece a
(in)oportunidade desta iniciativa, a poucas semanas do fim do PAEF (que
contraste em relação à Irlanda!), mas este Post já vai demasiadamente longo...
Título e Texto: Tavares Moreira, “4R– Quarta República”, 11-03-2014
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