O Bureau Político (BP) do MPLA
apreciou, a 31 de Março, o programa do seu governo de aceleração da
diversificação da economia nacional e produziu uma recomendação especial: o
governo deve formar os quadros necessários à sua implementação. Há, no entanto,
uma contradição que importa analisar.
Aceleração. Comecemos por
aqui. A 12 de Fevereiro de 2009, o presidente José Eduardo dos Santos disse: “É
necessário acelerar a diversificação económica, realizando e promovendo
investimentos noutros domínios da produção.”
Passados quatro anos, a ideia
da aceleração da política de promoção e diversificação da economia foi
integrada no Plano Nacional de Desenvolvimento de 2013 a 2017, que se encontra
já em execução desde o ano passado. Tem sido, ao que parece, uma aceleração
bastante lenta.
Como prioridades para a
diversificação da economia, o referido plano contempla a promoção da
competitividade e a coordenação entre investimentos públicos e privados.
Para o governo,
a viabilidade do referido programa de diversificação assenta na estruturação de
um sector privado e empresarial angolano forte. Por isso inclui no seu projecto
a “promoção do empreendedorismo e do desenvolvimento do sector privado
nacional”.
A contradição fundamental
assenta, em primeira instância, na centralização e concentração cada vez
maiores do poder. Essa centralização, conforme argumento na minha tese sobre “A
Transparência do Saque em Angola”, passou da esfera do Estado para o domínio privado
do presidente e do seu séquito preferencial. Como consequência, produziu-se uma
fusão dos interesses do Estado com os interesses privados dos dirigentes, ao
ponto de se tornarem indistintos entre si.
É por via dessa fusão que se
institucionalizou a duplicidade de funções dos próprios dirigentes que, em
simultâneo, assumem o papel de principais empresários e investidores nacionais.
Os interesses nacionais passaram a ser governados pela agenda privada dos
dirigentes/empresários.
A separação entre os cofres do
Estado e os bolsos dos dirigentes também foi eliminada por via da unificação.
Essa promiscuidade é avessa a
qualquer tipo de competitividade. Caso paradigmático é o sector das
telecomunicações. A Movicel, que se afirmava como uma das maiores empresas
estatais, foi privatizada em 2009, a favor dos dirigentes. Hoje, a UNITEL e a
Movicel, cujos sócios são dirigentes, familiares e o próprio Estado, formam um
duopólio que lhes permite assaltar as bolsas dos cidadãos pelos serviços
deficitários de telefonia móvel que prestam a preços exorbitantes.
De um modo geral, os cidadãos
angolanos, fora da órbita do poder, não têm a liberdade de iniciativa privada
ao ponto de se constituírem numa mais-valia para a economia nacional. A menos
que sejam arregimentados, é-lhes tolhida a criatividade, a ambição e a
perspectiva de expansão de negócios.
Já se tornou institucional, em
sectores-chave da economia, como os petróleos, os dirigentes impingirem as suas
empresas de fachada, na qualidade de sócias, como condição sine qua non para a
abertura do mercado angolano a investidores estrangeiros.
Outro ponto interessante da
nota do BP é o seu encorajamento ao executivo para “implementar o referido
programa com rigor e firmeza, de modo a diminuir a dependência da economia
nacional do sector petrolífero”.
Para o efeito, o BP
“recomendou uma atenção especial à formação de quadros para o provimento de
funcionários qualificados necessários ao programa”.
Na sua declaração política, a
bancada parlamentar do MPLA sustentou, em Novembro passado, que a aprovação do
Orçamento Geral do Estado de 2014 é a continuidade do Plano Nacional de
Desenvolvimento.
Aqui reside a confusão.
Primeiro, o chefe do governo, que apresentou o plano ao BP, é o presidente do
MPLA, José Eduardo dos Santos. Quem pede rigor e firmeza a quem? Ou é apenas
uma questão de retórica? Dos Santos pede rigor e firmeza a si próprio?
Segundo, como se podem formar
quadros em tempo útil para serem engajados num programa acelerado de
diversificação da economia? Os quadros a que o MPLA se refere, em princípio,
devem ser de formação superior. Um curso universitário tem um tempo mínimo de
quatro anos e não se pode esperar que, após a formação, esses quadros estejam
preparados, profissionalmente, para tão ingente desafio.
Outro grande problema ao nível
da profissionalização dos quadros tem a ver com os comités de especialidade do
MPLA. O cartão de militante desse partido e a venalidade têm tido primazia
sobre a capacidade profissional e de liderança dos quadros na sua colocação ao
nível da administração do Estado. Não se vislumbram quaisquer iniciativas
tendentes a despartidarizar a administração do Estado.
A nomeação de Kundi Paihama
para governador do Huambo é, aliás, prova bastante da ideologia do presidente.
O Huambo foi, em tempos, o segundo parque industrial do país e, para além de
instigar o terror e promover o açambarcamento, Paihama não tem capacidade para
revitalizar a província. Já devia ter sido reformado aos 70 anos. Apesar de
haver já muitos jovens bem formados, o MPLA continua a apostar na velha guarda,
despida de visão e de ideias inovadoras para o país.
Acima de tudo, o MPLA e o seu
presidente devem acelerar a moralização da administração do Estado, aplicando,
com rigor, a separação entre os seus interesses privados e os do Estado.
De seguida, também deve ser
acelerada a devolução de poderes. A estrutura da economia só mudará com a
descentralização e desconcentração de poderes por via de reformas profundas no
aparelho de Estado. Só assim será possível estabelecer a separação efectiva de
poderes entre o legislativo, o executivo e o judicial, bem como o exercício dos
freios e contrapesos para a garantia da fiscalização dos actos do governo.
Na realidade, tudo isto será
apenas possível na era pós-Dos Santos. O presidente José Eduardo dos Santos é o
principal entrave às reformas que se impõem no país.
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 04-04-2014
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