Conceição Paciência, de 50 anos, é exigente. Diz ao investigador da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) que o seu filho, Paciência de Oliveira, de 27 anos, não irá depor na cadeia onde supostamente se encontra o agente que o alvejou a tiro. Manifesta a sua desconfiança relativamente às intenções da polícia e ajuíza que a acareação entre agressor e vítima não é para ser feita na cadeia. Do outro lado da linha, o instrutor do processo chama-lhe “malcriada” e reitera que só a ela interessa o caso.
Os Factos da Contenda
A 2 de Fevereiro passado,
Paciência de Oliveira, cozinheiro de profissão, assistiu ao jogo entre o Stoke
e o Manchester United, em reposição, numa lanchonete no bairro da Coreia, nos
arredores do Mausoléu. Quando o jogo terminou, já na sua lambreta, o jovem
tentou contornar várias poças de água, na estrada, seguindo em direcção a casa.
Segundo o seu próprio
depoimento, o jovem parou a motorizada antes de se meter pelo asfalto para
limpar a lama dos sapatos. Um patrulheiro da polícia parou à sua frente e dois
agentes desceram e abordaram-no, exigindo de imediato a chave da motorizada.
“Eu disse [aos agentes]: vocês
têm de ler os meus documentos primeiro. Eu tenho tudo em ordem e só depois
posso entregar a chave. Um dos agentes recusou. Disse que era de noite e que
não podiam ler os documentos. Por isso, tinham de levar a mota”, explica
Paciência Oliveira ao Maka Angola.
Ante a resistência em entregar
a motorizada, “os agentes espancaram-me com porretes e pontapés, agarraram-me
nos pés e nos pulsos, levantaram-me ao ar e atiraram-me para o chão. Fizeram
isso mais vezes”.
Vários cidadãos aglomeraram-se
no local do incidente e, de acordo com Paciência Oliveira, manifestaram a sua
indignação contra a violência dos agentes. “Um dos agentes, Gelson Xavier,
ameaçou dizendo que ‘quem mexer na motorizada será fuzilado’.” Os agentes foram
identificados como efectivos da 4.ª Esquadra do Distrito da Maianga.
“Eu tentei proteger a minha
motorizada e ele [Gelson Xavier] disparou contra mim, atingindo-me no úmero, no
braço direito”, descreve o queixoso.
“O povo [que se juntou no
local] pensou que eu tinha morrido e começaram a apedrejar o carro da polícia
enquanto outros fugiam”, revela.
Os agentes puseram-se em fuga,
com os vidros da viatura partidos pelas testemunhas.
Por solidariedade, um dos
presentes transportou o ferido para a Clínica Sagrada Esperança, onde este
labora como cozinheiro.
As Razões de Uma Mãe
O disparo contra Paciência de
Oliveira revela o estado de delinquência que grassa no seio da Polícia Nacional
e os obstáculos intencionais que os cidadãos enfrentam no acesso à justiça.
Desde que o seu filho foi
alvejado, Conceição Paciência tem procurado a justiça de forma resoluta. Exige
também o pagamento das despesas médicas. O jovem esteve internado duante sete
dias.
No dia seguinte à ocorrência,
deslocou-se à 4.ª Esquadra para o efeito. “O comandante [superintendente Tinoy]
que me recebeu estava a defender os seus homens. Disse que eles tinham sido
chamados por um dirigente do MPLA para acabar com uma festa barulhenta e houve
rebelião contra os agentes. Por isso eles dispararam”, descreve a mãe da
vítima.
“Eu disse que se fosse só a
missão do dirigente do MPLA e a polícia estivesse a ser agredida, o partido
MPLA ligaria de novo a pedir reforços para ir buscar o povo que estava a atacar
a polícia”, acrescenta.
Em resposta, “o comandante
disse-me outra coisa, que o povo chama a polícia, mas depois ataca a polícia”.
“Eu disse ao comandante que o
javali e o porco têm a mesma carne, porque ele ao invés de agir estava a negar
o comportamento dos seus homens. Deu-me apenas o número dele de telefone e
mandou-me embora.”
Insatisfeita, a cidadã deslocou-se,
no mesmo dia, à Procuradoria Militar, para apresentar queixa. Debalde.
Encaminharam-na para a Polícia Judiciária Militar.
O advogado Zola Bambi, da
Associação Mãos Livres, refere que a Procuradoria Militar “preferiu manter uma
sombra de dúvida e tratou o caso como um acto de delito comum, recusando-se a
proceder com a queixa”.
Por sua vez, a Procuradoria
Judiciária Militar “aconselhou” Conceição Paciência “a ir para um sítio onde o
caso pudesse ser tratado com rapidez”, mandando-a para o Comando Provincial da
Polícia Nacional.
O Comando Provincial registou,
finalmente, a queixa de Conceição Paciência. “Mas nunca mais me chamou, nem ao
meu filho”, conta.
No entanto, Conceição
Paciência recebeu uma chamada do comandante da 4.ª Esquadra, à noite,
informando-a que falou com o seu filho, que ainda se encontrava internado, e
dando pormenores sobre a investigação por si realizada no local do crime.
A 5 de Fevereiro, o referido
comandante e a mãe, segundo depoimento desta, deslocaram-se ao local do crime e
falaram com testemunhas. “O comandante recolheu os números de telefone de
testemunhas que querem falar em tribunal e mandou abrir um processo.”
Conceição Paciência levou o
processo à 1.ª Esquadra, na Ilha de Luanda, conforme instruída. Foi ouvida e
recebeu o número do processo como sendo 691/14-INQ. Por sua vez, a 1.ª Esquadra
despachou-a para a 2.ª Esquadra, no Bairro do Cruzeiro, no Distrito da
Ingombota, com o processo para seguimento.
“O comandante da 2.ª Esquadra
recusou o processo. Disse que só recebe detidos e mandou-me de volta para a 1.ª
Esquadra. Na Ilha [1.ª Esquadra], para onde me enviaram, insistiram que tinha
de ser mesmo na 2.ª Esquadra”, lamenta esta mãe diligente.
A ciranda pelas esquadras
continuou. A 8 de Fevereiro, Conceição Paciência regressou à 1.ª Esquadra para
saber do processo e foi informada de que não havia processo algum, por ora,
tendo sido reencaminhada para a 2.ª Esquadra, que a devolveu à 1.ª Esquadra.
“Eu disse ao oficial, na 2.ª
Esquadra, que quando o povo começa a ofender a polícia dizem que o povo é mau.
Como é que me dão essas voltas todas? Eu avisei-os que falaria à imprensa”,
explica, irritada.
“Só assim, depois de muitas
voltas, o Sr. Pereira [oficial da 2.ª Esquadra] tirou o processo da gaveta dele
e deu-me o número verdadeiro do processo [1195/014/02]. Afinal, na 1.ª
Esquadra, tinham-me dado um número falso.”
O caso foi remetido à Direcção
Provincial de Investigação Criminal (DPIC).
Uma Saga Sem Fim à Vista
Fonte policial refere que “a
vítima foi convocada duas vezes para se deslocar à Comarca de Viana, onde o
agente se encontra detido, para se fazer a acareação, mas que não compareceu. A
responsabilidade é deles [da família], porque o interesse é deles.”
“Mas a cadeia é lugar para
ouvir as vítimas? A polícia disparou contra o meu filho. Como agora nos querem
levar para a cadeia deles para nos ouvirem lá? Isso é certo? Eu disse ao meu
filho: na cadeia não vamos”, reitera Conceição Paciência.
Em sua defesa, Conceição
Paciência argumenta que “mesmo os bandidos são ouvidos em tribunal”.
O advogado Zola Bambi, da
Associação Mãos Livres, considera que o pingue-pongue empreendido pelas
entidades policiais e judiciais, no caso de Paciência Oliveira, tem como
“objectivo desgastar psicologicamente a família e fazê-la desistir da queixa
para arquivamento do caso”.
Paciência Oliveira continua a
receber cuidados médicos, devido à gravidade da fractura do úmero, que ainda
tem um aparelho fixador. A sua próxima consulta é a 28 de Abril.
“O comandante da 4.ª Esquadra
prometeu-nos que exigiria, à família do agente Gelson Xavier, que fez o
disparo, o pagamento dos danos ao carro da polícia e do tratamento do ofendido.
Nunca mais fez nada”, lamenta Conceição Paciência.
A clínica tem estado a deduzir
os subsídios do seu cozinheiro, que variam mensalmente entre 30,000 (US $300) a
50,000 kwanzas (US $500) para o pagamento da dívida pelo tratamento. Paciência
Oliveira explica que o seu salário base é de apenas 20,000 kwanzas (US $200).
“Tenho três filhos e renda de casa para pagar, como posso sobreviver com 20,000
kwanzas mensais?”, questiona.
A Versão Policial
Maka Angola partilhou a
narrativa da vítima com o Gabinete de Comunicação e Imagem do Comando
Provincial da Polícia Nacional de Luanda, a 12 de Abril, com vista à obtenção
de uma resposta oficial.
O referido gabinete
desdobrou-se em iniciativas internas para o apuramento do caso e para
providenciar a devida resposta, tendo ouvido, nomeadamente, Paciência de
Oliveira. Foi através desse processo que se ficou a saber que o autor do
disparo, o agente Gelson Xavier, se encontra em liberdade.
Por sua vez, o instrutor da
DPIC, que se identificou apenas como Augusto, marcou para o dia 23 de Abril,
ontem, o encontro de acareação entre o agente Gelson Xavier e Paciência de
Oliveira.
Segundo a vítima, o instrutor
Augusto deu anteriormente o dito pelo não dito. “[O instrutor] disse que não
entende qual é o problema, criticou-nos por termos arranjado advogado e afirmou
que já não vai fazer nada”, afirmou o jovem cozinheiro.
Conceição Paciência, mãe da
vítima, telefonou ao advogado Zola Bambi. Bambi esclareceu que o procedimento
correcto, por parte da investigação criminal, deve ser o de notificação por
escrito de ambas as partes.
De acordo com Zola Bambi, “o
instrutor ofendeu a família, tratou-os da pior maneira e eu pedi que se
retirassem do local para evitarem mais humilhações”.
“Eu disse ao instrutor Augusto
que, hoje em dia, a razão é só da polícia. Nós, do povo, temos de aceitar todos
os abusos. Vamos fazer mais como?”, lamenta Conceição Paciência.
Por sua vez, o comandante da
4.ª Esquadra, superintendente Tinoy, confirma que o agente Gelson Xavier se
apresentou à unidade com mandado de soltura.
“Nós detivemos o agente e
responsabilizámo-lo criminalmente. Outros passos já não dependem de nós. É tudo
o que temos a dizer”, afirma o comandante.
Maka Angola reconhece o
profissionalismo e a boa vontade do Gabinete de Comunicação e Imagem do comando
provincial em realizar o seu trabalho.
Título, Imagem e Texto: Maka Angola, 24-04-2014
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