sábado, 26 de abril de 2014

Brim cáqui – lona – blue jeans

Jacinto Flecha

Saudosista?! Eu!? De onde você tirou essa ideia? Saudade de quê? Da jardineira que se transformava em aspirador de pó em cada parada? Do barro que prendia as rodas da minha bicicleta? Dos insetos que me infernizavam a vida? Do brim cáqui Triumphador? Não, por favor, não me julgue saudoso de tudo isso e de muitas outras coisas bucólicas que alguns andam enaltecendo.

Quem lê minhas crônicas pode achar que defendo coisas do passado — qualquer coisa do passado. Longe de mim aceitar esta avaliação, pois sei distinguir claramente o que o passado teve de bom e o que valeu a pena substituir.

Tenho visto ecologistas lamentarem a migração de pássaros do campo para as cidades, porque fogem dos agrotóxicos. Não sei se a causa é mesmo esta, nem me cabe descobrir. Mas desconfio que essa explicação seja coisa de ambientalista fanático a serviço do esquerdismo; a começar pelo nome “agrotóxico”, um pejorativo com que a esquerda verdejante pretende condenar os defensivos agrícolas. Se os pássaros fazem falta no campo, o melhor é conseguir um meio-termo em que eles possam povoar lá e também as cidades, pois os seus trinados são bem-vindos para quem não se adapta aos multiformes e multidetestáveis ruídos urbanos.

Posso lamentar que as abelhas estejam morrendo, pois são necessárias à polinização; que o asfalto seja uma coisa preta, pegajosa e feia, permanecendo feia depois de compactada e nivelada; que a informática esteja eliminando a capacidade de raciocínio lógico; que telecomunicação em excesso distancie as pessoas na vida real. Não me compete evitar tais consequências, mas se noto que elas existem, considero minha obrigação denunciá-las.

Se você já esteve em cidades turísticas como Caxambu, deve ter-se deliciado com passeios de charrete. Mas será que notou como ficam imundas as ruas onde os cavalos lançam seu lixo ecológico? Imagine então o resultado de substituir, em cidades como São Paulo, seis milhões de automóveis por seis milhões de charretes, com os respectivos cavalos. Não, não pense que eu iria preferir as charretes e o lixo ecológico dos cavalos. O que prefiro mesmo é que não existam megalópoles com dez milhões de habitantes. Muito menos do que isso já é demais.

E o brim cáqui Triumphador? Ah, não! Nem me fale dele! Você não imagina a ojeriza que tenho por esse tipo e cor de tecido. Usei-o contrafeito, como parte do uniforme escolar, e aguardei com ansiedade o momento de aposentá-lo. Para sempre! Nunca mais! Never more! Jamás! Niemals! Jamais plus! Giammai! Desde então venho usando linho (hoje excluído da moda, e bem difícil de encontrar), casemira, cambraia, seda em algumas peças, até microfibra, mas nunca aquilo.

(Vai ver que ele não sabe como é gostoso o blue jeans!)

Gostoso? Será que ouvi bem? Quando tive a desdita de conhecer o blue jeans, concluí que não passava de lona disfarçada, e me recusei a vesti-lo. Esta é uma das coisas em que pretendo ser exceção, a qualquer preço. Nunca usei nem vou usar essa lona cafajestosa. E acho muito estranho que tantos outros — você, talvez — se rebaixem a ponto de considerar aquilo uma roupa digna de ser usada.

Vou agora confiar-lhe uma informação que descobri alguns anos atrás: O blue jeans é mesmo derivado de lona. Nos Estados Unidos, em meados do século XIX, houve falta de roupas adequadas para os trabalhadores nas minas. Mas havia tecido de lona sobrando, então resolveram disfarçá-la com um inconfessável azulzinho envergonhado e fabricar roupas dos garimpeiros. Eles gostaram da novidade, e para esse trabalho braçal ela era mesmo adequada. Outros americanos das cidades também gostaram, como é comum acontecer quando existe atração pela decadência, e em pouco tempo o blue jeans conquistou o mundo decadente. A lona passou a ser boa até para quem não está “na lona” — para todos, sejam trabalhadores braçais ou não, ricos ou pobres, homens ou mulheres.

Isso mesmo! Até as mulheres aderiram à lona de trabalhadores braçais. Os homens adorariam ver suas amadas com roupas requintadas, de rainha, mas elas os decepcionam preferindo a lona. E cada lona!… Por mais este motivo, não conte comigo para usar ou elogiar essa lona abominável.
Título, Imagem e Texto: Jacinto Flecha, 26-04-2014

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