Estávamos em 1998, Fernando
Gomes (PS) presidia à Câmara Municipal do Porto, Manuel Maria Carrilho (PS) reinava como
ministro da Cultura e Manoel de Oliveira ia fazer 90 anos. Para aquelas almas
profundamente imbuídas de paixões culturais nada melhor do que fazer erguer um
monumento de betão – mas com pedigree cultural, pois o desenho seria de Souto
Moura – com o pomposo nome de “Casa do Cinema”. Escolheram a melhor e mais
refinada zona da cidade do Porto – a Foz, como não podia deixar de ser – e lá
ergueram as paredes do que seria a futura residência do cineasta (seria ele um
sem-abrigo desconhecido?) e, ao lado, as arrecadações para guardar o seu
espólio.
A obra levou uns anos a fazer
– afinal Portugal nunca deixaou de ser Portugal – e, quando ficou pronta, a
câmara não se entendeu com o cineasta. As lindas paredes ficaram ao abandono,
ninguém parece ter estado muito incomodado, os anos passaram, tudo se foi
degradando, e entretanto Manoel de Oliveira somou mais dez anos, tornou-se
centenário, nunca achou que tivesse de mudar os tarecos para um casa nova e acabou a
entender-se com a Fundação de Serralves, onde entretanto está a surgir outra
casa Manoel de Oliveira, esta da autoria de Siza Vieira (noblesse oblige).
Chegamos assim ao ponto de,
dez anos depois, o “betão cultural” que custou mais de dois milhões de euros –
não se indignem já, foi para “investimento”, ainda para mais um “investimento
cultural” – ir agora à praça por apenas 1,5 milhões.
É o que se chama uma história
exemplar da saloice nacional, do encantamento parolo com certos “símbolos da cultura”
e da leviandade com que se gasta o dinheiro dos contribuintes. Ao menos que
corra bem o leilão.
Título, Imagem e Texto: JMF, Blasfémias,
23-04-2014
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