Todas as coisas estão em eterno fluxo e mudança. Você não é, está
sendo. A história cósmica realiza-se em ciclos repetidos.
Heráclito de Efeso (530-470
a.C)
Assim como a Metafísica caracteriza
o Passado, a Dialética marca o Presente. A Metafísica se associa a três
características:
1. É
um pensamento dicotômico, onde se enfatiza a ideia deste e do outro mundo ou
realidade, com frequência.
2. É
uma fundamentação racional desta realidade.
3. Esta
realidade é mostrada mais sobre o ângulo estático do que dinâmico.
Na Filosofia Dialética,
contudo, surge uma nova visão do Real, como processo (marcha). Este processo,
segundo Hegel, é um ir e vir, é um
tornar-se real (coisa) e mental (racional). O real (material) e o mental
(racional) são momentos de um mesmo processo; em outras palavras, a única
realidade é este Processo e, nele, o Racional torna-se Real.
Vejamos um exemplo bem singelo disto. As
grandes massas de população urbana, conscientemente ou não, pensam e sentem a
necessidade de transportes coletivos apropriados. Esta racionalização (este
pensamento) se transforma ou pode se transformar em realidade. Por exemplo,
constroem-se grandes ônibus, metrôs, etc. Estes objetos são racionais, no sentido
de que foram antes ideias racionais que tomaram expressão concreta.
A Dialética e seu modo
de proceder
A concepção dialética apareceu
cedo, na História da Filosofia, embora a tendência metadísica a tenha superado,
desde logo. Começou com Heráclito e se desenvolveu plenamente com Hegel depois
no pensamento de Marx e Engels (*).
A estrutura de nosso
pensamento, de certo modo, está organizada de modo dialético. Nas nossas
mentes, as ideias são limitadas por seus contrários. A ideia de vida está
próxima e é limitada pela de morte.
Assim, nossas ideias estão
organizadas em dupla, nas nossas mentes: “dia/noite”; “bom/mau”;
“agradável/desagradável”, etc.
É curioso notar que, quando se
diz a alguém: “você está falando demais”, a pessoa mentalmente formula seu contrário:
“vou ficar absolutamente calado”. Isto, efetivamente, no caso de aceitar a
observação.
Há outro aspecto interessante
na relação mente– mundo. As ideias que surgem na mente criam transformações no
meio exterior. O pensamento cria ação que vai modificar o mundo. Com a
modificação deste, novas ideias surgem que vão interferir neste mesmo meio já
modificado, transformando-o num processo em aberto.
Quando se tem, na mente,
alguma ideia, mesmo que absurda, esta passa a ser real, nos seus efeitos.
Se alguém acredita na
mula-sem-cabeça, no bicho-papão ou no lobisomem, estas ficções passam a ser
reais nos seus efeitos. O portador de tal crença não sai na sexta-feira à
noite, não aceita trabalhar de vigia noturno. São efeitos reais de ideias sem
conteúdo objetivo.
Hegel dava muita ênfase a esta relação ideia– mundo, no sentido de que as mudanças nas ideias provocam mudanças no mundo. Por isto, sua dialética é chamada de idealista.
Hegel dava muita ênfase a esta relação ideia– mundo, no sentido de que as mudanças nas ideias provocam mudanças no mundo. Por isto, sua dialética é chamada de idealista.
Para outras correntes
filosóficas, conhecidas como realistas, nossas ideias são simples reflexos da
realidade nas nossas mentes e por isso o importante são as condições externas
que vão produzir as ideias.
(*) Heráclito (544-475
a.C.): filósofo grego, criador da primeira Filosofia Dialética, na Antiguidade.
Hegel, Friedrich (1770-1831): criou uma Filosofia Dialética
extraordinariamente ampla e desenvolvida.
Marx, Karl (1818-1883): aplicou a Filosofia Dialética de Hegel ao
desenvolvimento da História e da sociedade.
Engels, Friedrich (1820-1895): filósofo alemão, colaborador de Marx
e teórico do materialismo dialético, assim chamado por se opor ao idealismo
dialético de Hegel.
As leis da Dialética
Primeira lei: Tudo é o processo, tudo está em mudança.
Vejamos uma fruta. Olha-se para ela, não se percebe, mas está em estado
de transformação. Dois dias depois, poderá estar madura. Quatro a cinco dias
depois poderá estar apodrecida. Toda esta transformação foi o resultado do seu
movimento dialético, isto é, do processoa natural daquele ser que, em
determinado momento, começou a existir, cresceu, amadureceu, apodreceu e cujas
sementes, a seguir, poderão germinar e dar origem a muitas árvores frutíferas.
Assim, a fruta apresenta-se como uma transição
entre o que foi, seu passado, e o que será, seu futuro. Poderá ser a transição
entre uma árvore e um pomar.
Pelo fato de estarmos sempre em processo, conclui-se a transitoriedade
do ser que se apresenta como processo ou marcha.
O processo resulta do dinamismo interno ou dialético da estrutura.
Contudo, nem todas as transformações e mudanças são provocadas pelo
autodinamismo. Quando um trator esmaga uma fruta sob as suas rodas, esta
modificação não é dialética. É antes mecânica ou externa. As transformações
podem ser de ordem interna ou dialética e de ordem externa ou mecânica. A
Dialética procura investigar estas modificações internas: pesquisando seu
começo, suas ligações com outros processos e o fim para onde se dirige.
Segunda lei: O encadeamento dos processos. Ação
recíproca. A rede que se forma.
Tomemos, como exemplo, a mesma fruta. Se quisermos estudá-la do ponto de
vista dialético, temos que vê-la dentro de uma rede de processos ou
encadeamentos. O que temos diante de nós nem sempre foi fruta madura. Começou
como flor e fruto inicial. Olhando mais para trás, vemos que ela é resultante
de processos mais amplos que incleum solo, chuva, luz solar, calor, estação do
ano, clima, posição da Terra em relação ao Sol, etc. Com isto, estamos querendo
mostrar o encadeamento dos processos formando redes, algumas extremamente
amplas.
A fruta está ligada a uma árvore que, por sua vez, depende do clima e do
solo, que, de sua parte, depende da posição da Terra em relação ao sol. E este
depende de sua posição no Cosmos. E o Cosmos é uma estrutura infinita.
Vejamos este encadeamento de outro modo.
A fruta se decompondo ajuda a germinar suas sementes. Destas sairão
árvores que, por sua vez, produzirão ínumeras frutas. Como vemos, o processo
não é circular, mas em espiral. Começamos, no nosso exemplo, com uma fruta e
terminamos com uma grande colheita, se as condições forem favoráveis.
Terceira lei: A contradição
Pela primeira lei, vimos que as coisas estão em contínua evolução ou
mudança.
Pela segunda lei, sabemos que os vários processos se ligam, entre si,
formando uma rede. Desta maneira, o progresso não é circular e repetitivo e
sim, em espiral e ascendente.
Pela terceira lei, vamos ver porque isto acontece. O processo dialéticoa
é uma marcha que leva o ser exatamente para o pólo oposto ao que é. Tudo se transforma no seu contrário. A
fruta está, por força do seu movimento dialético ou por seu próprio
autodinamismo, em movimento na direção contrária ao que é, a saber: a não ser
mais fruta. O ser vai até ao fim de seus limites e, ao ultrapassá-lo, já não é
mais o ser. É o seu oposto.
A existência de contrários, dentro da cada ser, garante a evolução e
sustenta o processo dialético.
Se só houvesse vida, em seu estado puro, não poderia existir a morte; do
mesmo modo, se a morte fosse “total”, seria impossível sair dela qualquer forma
de vida. Assim, a marcha da vida é para a morte e, por sua vez, um ser morto
entra num processo que termina por produzir novas formas de vida.
Assim, um ser é, ao mesmo
tempo, ele próprio e seu contrário. Em outros termos, é algo que contém seu contrário.
Há, dentro de cada ser, forças de direção opostas: umas que lutam por
conservá-lo no estado onde está e outras que o empurram para sair desse estado.
Assim, podemos dizer: há forças que afirmam o ser e forças que o negam.
O objeto pode ser visto como uma síntese
da afirmação (tese) e de sua negação (antítese).
Vejamos outro exemplo, simples: um ovo de uma ave, no seu ninho.
Afirmamos que contém, em si, sua negação, que o novo ser que dele vai nascer.
Deste modo, há nele duas forças: uma que o leva a permanecer ovo e outra que o
leva a transformar-se num novo ser vivo.
Os marxistas afirmam que o Estado burguês contém, em si, sua negação,
que é o proletariado.
É claro que nem sempre vamos encontrar estas fases dialéticas em tudo.
Alguns processos são excessivamente longos para mostrar seu movimento
dialético. Nem todo movimento dialético se faz com a clareza do dia que, no
intervalo de vinte e quatro horas, conclui seu processo para recomeçar no dia
seguinte.
Realmente, Heráclito tinha razão quando dizia: “coisa alguma fica o que
é”; “coisa alguma permanece como está”.
Quarta lei: Transformação da quantidade em qualidade.
Lei do progresso por saltos.
A direção do processo dialético se faz em dois sentidos. Primeiro, é quantitativo. Nesta fase, encontramos
uma série de pequenas transformações quantitativamente cumulativas.
Examinando bem os fatos, verifica-se que a série cumulativa ou
progressiva de pequenas mudanças aconecem até certo momento porque, a partir
deste ponto, dá-se uma mudança brusca ou qualitativa. Por exemplo, as relações
entre dois países podem ir crescendo em nível de tensão até, em determinado
momento, se transformar num estado de guerra. Na guerra, não há mais
relacionamento. É uma situação qualitativamente diferente.
Mudanças contínuas acumuladas acabam produzindo mudanças brusacas,
diferentes das anteriores. É esta a quarta lei da Dialética.
Tomemos um exemplo da natureza física. Se levarmos um recipiente com
água ao fogo, esta irá subindo progressivamente de temperatura até 100°C. Mas,
a partir daí, ocorrerá uma mudança
qualitativa. A água mudará de estado transformando-se em vapor. Assim,
temos, de 1° até 99°C, mudanças quantitativas (na quantidade de calor). Ao se
transformar em vapor e no inverso do processo, em gelo, dizemos que a mudança é qualitativa.
Em Filosofia social, isto tem um alacance singular.
Quando um número significativo de pessoas começa a pensar do mesmo modo,
esta ideia comum, em prol da coletividade, por exemplo, poderá criar uma ação
qualitativamente diferente. Por força desta ação ocorre um comportamento
totalmente diferente do anterior. Estas ideias, que se acumulam
quantitativamente de acordo com a quantidade de pessoas que as possuem, só são
capazes de dar um salto qualitativo quando atingirem um número crítico.
Título e Texto: Antônio Xavier Teles, in “Introdução ao
Estudo de Filosofia”, páginas 76 a 80.
Digitação: JP
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