Já chega. Ao fim de semanas e
semanas a ouvir repetir por todo o lado inanidades sobre os “valores de Abril”,
o “destino de Abril” ou a “traição ao 25 de Abril”, ao fim de meses a
anunciarem-me que vinha aí o autoritarismo, se é que já não tinha chegado, ou a
preverem o regresso de um salazarismo sem Salazar, hoje achei que era demais
ver o António-Pedro Vasconcelos, na capa do i, a proclamar que a “democracia faliu”.
Mas “faliu” porquê? Deixou de
haver liberdade nos jornais e nas televisões? Fecharam a Internet ou o twitter?
Algum militar entrou de pistola em punho pela Assembleia dentro? Proibiram as
eleições marcadas para o próximo mês de Maio? Prenderam alguém por delito de
opinião ou actividades subversivas? Falsificaram as eleições?
Aparentemente nada disso sucedeu.
Apenas sucedeu que APV acha que a democracia não dá resposta aos problemas das
pessoas. E não dá por quê? Porque ele odeia o Governo e detesta o PS de Seguro.
Ou seja, APV está mais ou
menos como todo o coro que temos ouvido por estas semanas. Se fosse a menina
Guidinha escreveria uma redacção mais ou menos assim: “Eu gosto muito da
democracia. Eu não gosto nada do que esta democracia me deu. Eu acho que
isto não é democracia”. Se em vez de ser a menina Guidinha fosse antes um Vasco
Lourenço substituiria a palavra “democracia” por “25 de Abril” e a redacção
também estaria perfeita.
É pena vermos as comemorações
do 40º aniversário da revolução que acabou com um regime autoritário e
repressivo velho de 48 anos reduzidas a esta caricatura.
Não é de hoje, nem de ontem, a
disputa sobre o significado do “25 de Abril”. O primeiro jornal em que
trabalhei, está quase a fazer 38 anos (eu tinha na altura 19), chamava-se, não
por acaso, “25 de Abril do Povo”, e representou uma fútil tentativa de
prolongar o movimento otelista e aquilo que aquele grupo achava ser “o
verdadeiro” 25 de Abril. Durou apenas três meses, pois nessa altura (1976) a
revolução já tinha acabado. Mas como se verificou abundantemente nas últimas
semanas, muitos dos revolucionários de então continuam a achar que havia
qualquer coisa no seu muito especial e específico 25 de Abril que nunca foi
cumprido, e se nessa época saltitavam de fábrica para fábrica, por estes dias
andaram por mais bem confortáveis salas de conferência dando vazão à sua imensa
nostalgia.
Nada me incomodaria nesta
pequena indústria comemorativa não fosse esta tendência para confundirem
democracia com a sua ideia específica do que deve ser o destino do povo, a sua
eterna tendência para acharem qque a sua liberdade é melhor e mais pura do que
a liberdade dos outros.
De facto uma das coisas que
distingue as democracias dos regimes revolucionários é que as democracias são
muito menos exaltantes. Mas muito mais realistas. As suas imperfeições são a
sua força, já que aquilo que verdadeiramente as distingue não é nelas se
escolher periodicamente um governo, é nelas se poder, pacificamente, correr com
um governo de que não se gosta. São regimes de tentativa e erro, onde se podem
corrigir trajetórias e onde existem mecanismos que limitam o poder das
maiorias.

Já chega!
Título, Imagem e Texto: José Manuel Fernandes, “Blasfémias”,
24-04-2014
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