terça-feira, 3 de março de 2015

O cozido à portuguesa

Coma de tudo, esqueça o colesterol. Mas use adoçante no café

José Gameiro
A medicina moderna quer ser, além de naturalmente curativa, altamente preventiva. Nas últimas décadas estabeleceu um sem-número de relações causa-efeito entre hábitos/estilos de vida e certas patologias. A focagem tem sido sobretudo no tabaco, na alimentação e no exercício físico.

Sobre o tabaco parece não haver dúvidas; sobre o exercício físico está garantido que se o fizermos regularmente teremos a felicidade de correr, pelo menos, meias-maratonas, até aos noventa anos, com mais ou menos luxações, e na parte final umas fraturas do colo do fémur. Mas sobre a alimentação nunca se sabe bem o que comer…

Até há cerca de quarenta anos não sentíamos qualquer culpa em comer um belo cozido à portuguesa recheado de chispe, chouriço de sangue, farinheira, com um bom vinho tinto e uns doces de ovos como sobremesa, para facilitar a digestão. Depois, começaram a ameaçar-nos com o colesterol, carne o menos possível, nada de gorduras, ovos… nem pensar. Salvou-se o vinho tinto porque surgiu o milagre do chamado paradoxo francês. Conhecidos copofónicos, os franceses, parece, que têm menos riscos cardiovasculares do que outros povos mais dados à cerveja e a outros álcoois.

Começou a época áurea para a indústria farmacêutica da venda das estatinas, pílulas milagrosas que baixam o colesterol, mas que provocam dores musculares, podem causar lesões hepáticas e diabetes. Agora já podíamos comer outra vez o cozido à portuguesa desde que, à noite, tomássemos o comprimidinho.

Depois da euforia inicial, começaram a surgir resultados mais realistas. Sem história de doença coronária anterior, após cinco anos consecutivos de toma diária, as estatinas diminuem o risco de enfarte do miocárdio em 1,6 % e de AVC em 0,37, mas o risco de iniciar uma diabetes é cerca de 2%.

Mas há sempre uma solução, e a dieta mediterrânea veio salvar-nos. Muitos vegetais, muito peixe, muito pãozinho, umas nozes e outros frutos secos, quando estivermos esparramados no sofá a ver televisão, e viveremos saudáveis até aos noventa anos. Para termos a certeza da longevidade basta pôr uma pequena aplicação no telemóvel que mede os passos que damos diariamente e as escadas que subimos.
E então, não é que agora os americanos – sempre os americanos –, nos vêm dizer que afinal as gorduras não são assim tão más?


Parece que só uma pequena parte de nós é hiper-reativo aos lípidos, a maior parte não tem repercussão nos níveis de colesterol. Ovos com gema e tudo, à vontade. O demónio da moda é o açúcar.

Querem um conselho, de psiquiatra? Comam cozido à portuguesa, com todas as gorduras a que têm direito, bifes mal passados com ovo a cavalo, mas não se esqueçam de pôr adoçante no café…

Só mais um pormenor, o vinho tinto continua a valer, depois é só andar um bocado a pé para baixar a alcoolemia e dormir a sesta…

E boa sorte para o centésimo aniversário. Já não conhecem ninguém, mas é tudo gente amiga.
Título e Texto: José Gameiro, Revista E, Expresso, 28-2-2015
Digitação: JP

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