Alberto Gonçalves
Quando um branco mata um
negro, como às vezes acontece com alguns polícias excessivamente nervosos nos
EUA, a sentença popular é imediata: trata-se, obviamente, de racismo. Quando,
como aconteceu na quarta--feira, um negro mata dois brancos, filma os homicídios
e despeja tudo no Twitter para efeitos de consagração, a coisa complica-se: o
homem, para cúmulo, gay, era capaz de ser vítima de discriminação, o que
legitima parcialmente o crime. O resto legitima-se com o direito de posse de
armas, pelo que há que julgar a Constituição e prender o revólver.
Em matéria de malabarismo
mental, não faltam casos parecidos. O terrorista do comboio francês, por
exemplo, apenas queria roubar para comer. Pelo menos é o que jura a advogada
dele, que descreve um homem miserável e subnutrido. Esqueceu-se de descrever de
que maneira é que tamanha penúria económica e física permite adquirir e
transportar uma Kalashnikov de 600 euros e três quilos. Mas o principal é que a
culpa é da exclusão social, ou seja, da sociedade, ou seja, sua e minha. Por
mim, estou disposto a confessar tudo e a acatar o merecido castigo.
Entretanto, lembro a curiosa
retórica com que se recebe os refugiados que dia após dia chegam pelo
Mediterrâneo e por onde calha. Segundo a voz corrente nos media, a responsabilidade
pela tragédia (humanitária, é de bom-tom acrescentar) cabe inteirinha à Europa,
a Europa que não recebe devidamente, a Europa que não integra adequadamente, a
Europa que, em suma, não corresponde impecavelmente aos sonhos daqueles desgraçados,
disponibilizando-lhes em cinco minutos casa decente, emprego digno, subsídio de
assimilação e banda filarmónica. Os telejornais fervilham de repórteres a
apontar o dedo indignado.
Quase ninguém explica que as
dificuldades de resposta da Europa são inevitáveis perante a brutal, e desde há
décadas incomparável, migração de centenas de milhares de pessoas (350 mil em
2015).
Quase ninguém recorda que as dúvidas europeias são as próprias de gente
civilizada, que tende a ponderar as consequências dos seus actos. Quase ninguém
nota que a Alemanha, logo a Alemanha, tem liderado com a generosidade possível
o processo de acolhimento. Quase ninguém refere a veneração que inúmeros sírios
passaram a dedicar à senhora Merkel, logo à senhora Merkel. Sobretudo quase ninguém
informa que os refugiados, na imensa maioria muçulmanos, escapam precisamente
da selvajaria hoje recorrente nos países de origem e na religião que professam.
Apesar do folclore jornalístico em contrário, que atribui ao bombeiro o fogo
posto pelo pirómano, a verdade é que o drama dos refugiados começa no Islão,
não na Europa.
A benefício da subtileza,
também poderíamos falar dos refugiados que são de facto "infiltrados"
do ISIS e agremiações similares. E dos refugiados que matam refugiados sob
acusações de cristianismo. E dos perigos de abordar estas matérias com mais
lirismo adolescente do que sensatez. Porém, dado que andamos ocupadíssimos a
odiarmo-nos, não há tempo para detalhes. O importante é estabelecer que a culpa
é nossa. Culpa de quê? Vê-se depois, ou nem isso. Certo é que a Europa é de
fugir, embora os outros misteriosamente fujam para a Europa.
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