Mariliz Pereira Jorge
Eu era a paulista mais carioca
que meus amigos conheciam. Tinha a tal alma, roupas coloridas, conta na barraca
do Leandro, no Posto 12, mesa cativa no Jobi, chamava os garçons pelo nome,
tomava cerveja na calçada, banho de mar à noite no verão. Estava com uma mala
sempre pronta, e a poltrona 8F no avião religiosamente reservada para ver lá de
cima a cidade chegando.
A vida é muito curta para não
morar no Rio, diziam. Eu ria, mas voltava feliz para o meu caos organizado em
São Paulo, às segundas pela manhã. Até que uma proposta de trabalho me trouxe
de mala e mudança.
Depois do primeiro mês, a lua
de mel com a cidade acabou e eu me perguntava: como as pessoas moram aqui?
Demorou, mas não sou mais
solitária nesse questionamento. Vejo amigos e conhecidos compartilhando em
redes sociais uma pesquisa feita pela ONG Rio Como Vamos, que mostra que 56% da
população tem vontade de ir embora da cidade. Em 2011 esse percentual era de
27%.
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Foto: Daniel Marenco/Folhapress
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O que faz os moradores
quererem fazer as malas é o aumento da violência. Roubos na rua assustam mais
as classes mais altas, enquanto as balas perdidas são o terror na vida da
população menos favorecida. Mas os problemas do Rio vão muito além disso, e é
um espanto que apenas tiro, porrada e bomba tenham acendido o alerta de que a
Cidade Maravilhosa é uma farsa. Uma paisagem espetacular, recheada de problemas
escandalosos.
Essa visão de que o Rio é o
melhor lugar do mundo para se viver é um tanto provinciana e romântica, além de
cega, de uma maioria que mora e trabalha na zona sul – e parte da zona oeste –
e só de vez em quando tem o doce cotidiano chacoalhado pela violência que
atravessa o túnel Rebouças. Gente que vive numa bolha, que eventualmente
estoura num assalto com morte.
Vida que segue. A gente se
deslumbra com a belezura da geografia e aprende a conviver com malandragem
generalizada, falta de pontualidade, incompetência disfarçada de informalidade,
hostilidade travestida de espontaneidade, infâncias miseráveis, pobreza, falta
de tudo.
O Rio é só uma cidade
decadente que vive de um glamour passado, num presente melancólico. E parte da
sua população sempre foi conivente com tudo que nos fez descambar para essa
triste realidade. Como fechar os olhos para uma parte gigante da cidade que
apenas sobrevive?
Praias, lagoas e baía não
ficaram poluídas da noite para o dia. Ainda assim, as areias estão sempre
cheias, mesmo nos dias em que o mar não está nem para peixe nem para gente. O
negócio é mergulhar no cocô para se refrescar, tomar uma cervejinha e tirar
foto do pôr do sol. Com sorte, daqui uns anos ainda reste o pôr do sol.
Chamar favela de comunidade
não muda o fato de que centenas de milhares de pessoas continuam vivendo sem
saneamento, sem saúde, sem educação, reféns ora do tráfico ora da milícia. Mas
é bonito subir o morro, ir ao sambinha, postar foto na "comunidade" e
fazer de conta que ela está integrada. Não está. Fica bonito na letra de
música, na poesia, mas é apenas gente esquecida – e tolerada – em troca de
status de cartão postal.
Mas tudo bem, a gente dá uma
maquiada, ergue muros nas linhas Amarela e Vermelha para que os turistas não
vejam o lado mais feio, miserável e perigoso da cidade – além de evitar que
balas atravessem a pista e matem os desavisados. De quebra, nós mesmo
esquecemos que existe o lado mais feio, miserável e perigoso por onde só
passamos a caminho do aeroporto.
O coro de "nunca pensei
que diria isso, mas penso em ir embora do Rio", tomou o lugar de posts
babaovistas com legenda "Rio, eu amo eu cuido", "Eu moro onde as
pessoas passam as férias". Férias é somente o que uma pessoa com juízo
faria aqui. Vem, passa o dia na praia, torce para não ser vítima de um
arrastão, passeia pelos pontos turísticos, toma um chopp aguado, come um
bolinho no Braca, vai no ensaio da escola de samba, se o tráfico não estiver em
pé de guerra, pega o avião a vai embora.
Para quem mora aqui, o jeito é
torcer. O que nem sempre é suficiente. Para muita gente a vida tem sido muito
curta para morar no Rio. Juan, um ano e dois meses. Giselle, 34. José
Josenildo, 31. Foram mortos nas últimas semanas. Bala perdida. Tentativa de
assalto. Emboscada. Não há paisagem que valha a pena morrer tão cedo.
Obviamente, criminalidade,
pobreza, corrupção e falta de toda a sorte de serviços básicos são problemas em
maior ou menor grau em todas as capitais brasileiras, mas nenhuma se vende como
Cidade Maravilhosa. E antes que algum ofendido venha me mandar embora, só tenho
uma coisa a dizer: é o que eu mais quero. Eu e os 56% dos moradores do Rio.
Grifos: JP
Colaboração: Raymundo Antonio
É politicamente incorreto falar mal da pobreza. Mas não é da pessoa pobre humilde, são os guetos de pobreza intelectual, sanitária, escolar, isto é, as chamadas "comunidades" são habitadas por pessoas que estão bem próximas do Estado Islâmico. Antes do PT, quando havia um acidente, os moradores socorriam as vítimas e chamavam a ambulância. Hoje, eles só pensam em saquear a carga e os passageiros. Na escola, agridem e humilham as professoras. A única orientação cívica que existia era o serviço na Forças Armadas que hoje, por falta de recursos, não existe mais!
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