Aparecido Raimundo de Souza
1
A PROFESSORA Esther entrou na sala de aula, mandou um alegre
e bem-humorado bom dia a todos e
comunicou que naquela manhã, no lugar da aula normal, realizaria uma
brincadeira. No final, daria um smartphone
última geração de presente a quem respondesse, de forma criativa, a uma
pergunta que endereçaria à classe. Para que ninguém saísse prejudicado,
convidou a diretora, professora Yolanda e a professora Fafá, para ajudarem na
empreitada. Elas se prestariam a participar do certame intercedendo na escolha
como representantes do corpo de jurados.
2
Realmente, ao chegarem minutos depois, as duas convidadas
deram com os alunos perfilados em sinal de respeito, ao lado das suas
respectivas carteiras, como se preparados para cantar o Hino Nacional. Tiveram
ordens para se sentarem, o que fizeram de imediato. A peleja, para a melhor
resposta e o ganho do anunciado, teria o tão esperado início.
— Combinei com a nossa diretora, professora Yolanda e,
igualmente, com a professora Fafá, que uma única pergunta seria feita a todos,
para evitarmos atropelos e confusões. Podemos começar?
3
Um sim em uníssono se ouviu de canto a canto. A galera
agonizava de alegria para que a disputa principiasse de vez e sem mais
delongas. O smartphone prometido
brilhava aos olhinhos ávidos da garotada, obviamente à espera do vencedor,
acondicionado numa caixinha ao lado do trio de docentes. Um prêmio desses
seria, de fato, uma bênção do céu. O afortunado (ou afortunada) sairia feliz. A
maioria dos frequentadores daquele estabelecimento de ensino (não só daquela
sala, mas das outras que compunham toda a escola), era oriunda de famílias
pobres e sem condições de adquirir um desses aparelhos, ainda que em prestações
a se perderem de vista. Fizeram um sorteio e o escolhido para encabeçar a
lista, foi o Paulinho.
— Muito bem, meu jovem. Preparado?
— Sim professora...
— Boa sorte, para você. Agora diga para nós: qual a coisa
mais pesada que existe?
4
O menino não titubeou e mandou brasa.
— O canhão, professora.
A professora Fafá imediatamente anotou ao lado do nome do
estudante, a resposta fornecida.
— Sua vez, Jerônimo: qual a coisa mais pesada que existe?
— Um avião de carga.
— Um transatlântico desses que viajam pelos mares do mundo.
— Legal. Soninha, por favor, se levante e nos diga: qual a
coisa mais pesada que existe?
— Um prédio de cem andares, professora.
— Estamos indo bem. Vamos em frente. Adriana, minha linda:
qual a coisa mais pesada que existe?
— A ponte Rio-Niterói, lá no Rio de Janeiro.
— Interessante Adriana. Ok. Rúbia: qual a coisa mais pesada
que existe?
— Fácil professora. A consciência pesada.
— Uau! Muito boa a sua resposta. Criativa. Extremamente
criativa. Dudu: qual a coisa mais pesada que existe?
5
— A caixa d’água na entrada da nossa cidade.
— Boa observação, Dudu. Pode sentar. Serginho: qual a coisa
mais pesada que existe?
— Um cofre de banco.
— Pode voltar ao seu lugar. Luciano: qual a coisa mais
pesada que existe?
—...?
— Luciano, quer, por favor, responder à indagação?
— O que é isso, professora?
— Indagação é o mesmo que pergunta.
— Tô ligado, professora...
— E qual é a sua opinião?
— Meu Deus, professora, que opinião?
— À pergunta que fiz a todos os seus coleguinhas.
— Claro professora. Que viagem! Dá para repetir, por favor?
— Luciano eu já avisei aqui um milhão de vezes que não
admito celular em sala de aula. Por gentileza, desligue o seu e entregue à
diretora Yolanda, por obséquio.
— Sim, senhora. Poderia repetir a pergunta?
— Qual a coisa mais pesada que existe?
— Uma carreta transportando uma peça de duzentos e oitenta
toneladas.
— Ok. Armandinho, para você, qual a coisa mais pesada que
existe?
— O elefante, professora.
— Junior, diga aí: qual a coisa mais pesada que existe?
— Para mim, professora, é a baleia. O que a senhora acha?
— Não sei. Vamos avaliar no final. Lurdinha, queremos saber
de você. Valendo este smartphone zerado, com câmera frontal, dentro da caixa:
qual a coisa mais pesada que existe?
— Fácil demais, professora. A balança da farmácia do seu
Cunegundes.
6
Assim seguiu a professora Esther com a pergunta, até que
chegou no vigésimo sétimo, o derradeiro.
— Adamastor, finalmente chegou a hora de sabermos a sua
resposta. Como já dito anteriormente, valendo este smartphone: qual a sua
resposta para a coisa mais pesada do mundo?
O menino se mostrou meio amedrontado. Parecia um tataranha
recém-chegado do sertão mais distante do planeta.
— Posso falar de verdade, professora?
— Sim, Adamastor.
— A senhora não vai brigar?
— De forma alguma.
— Nem me deixará de castigo, depois da aula?
— Não, Adamastor. Por que faria tal coisa?
O guri continuou cabisbaixo e pensativo.
— Estamos esperando, meu jovem simpático? Qual a coisa mais
pesada que existe?
— Por acaso, professora, a dona Yolanda, a diretora aí a seu
lado, não me levará para a diretoria?
— Não, Adamastor. Responda...
—A professora Fafá...
—Adamastor, pela última vez, qual a sua resposta? Diga agora ou serei obrigada a riscar seu
nome da disputa...
— Está bem, professora. A coisa mais pesada que existe é o
pinto do meu pai...
7
Nesse momento as três mulheres se olharam, espantadas e
boquiabertas. Ficaram em pé, ao mesmo tempo, como se uma corrente elétrica
tivesse sido acionada e as cadeiras que ocupavam houvessem recebido uma forte
descarga de energia.
— O que é isso, Adamastor? Respeite a nossa diretora,
professora Yolanda, a professora Fafá, e, sobretudo, seus coleguinhas. Olhe
para os lados. Temos meninas aqui. Onde já se viu dizer uma barbaridade dessas?
Envergonhado, o piá seguia ereto em seu lugar, os olhos
fixos no chão.
— Professora, a senhora disse que eu podia dizer...
— Eu sei filho, mas...
— A professora Fafá e a dona Yolanda estão de prova...
— Está legal, Adamastor. Dessa vez vou fazer vistas grossas
e pedirei encarecidamente à nossa diretora, professora Yolanda e à professora
Fafá que relevem a sua insensatez, a sua descompostura e falta de modos.
8
A diretora, professora Yolanda, aparteou chamando o moleque
à frente.
— Meu filho, como diretora desta escola, lhe asseguro que
não vamos tomar nenhuma providência com relação ao que acabou de acontecer
aqui. Perdoaremos você, desta vez, rogando que não volte a repetir uma coisa
feia dessas na frente de seus amiguinhos.
9
A professora Fafá, por sua vez, pediu licença e quis um
esclarecimento mais detalhado em torno daquele ato que considerou estranho,
tendo em vista a idade do menino e a sua resposta tão certeira e ao mesmo tempo
contundente em cima de um assunto sério demais.
— Quem foi que te disse isso, Adamastor, ou melhor, meu
filho, quem revelou a você tal e tremenda asneira?
— Minha mãe, professora...
— Sua mãe? Como assim, meu querido? De onde ela tirou essa
loucura?
— Toda a vizinhança sabe disso, professora Fafá. Até os
cachorros da rua... eu só repeti o que escuto a todo instante...
— Confesso que continuo não entendendo. Quer ser mais
explícito, mais claro, mais objetivo? O que você escuta a todo instante?
— A senhora não vai pedir para me expulsar da escola?
— Não...
— Nem falar para a professora Esther me deixar de castigo,
ou mandar chamar o pessoal lá de casa?
— Prometo. Juro. Tem minha palavra.
10
Em prantos, o moleque com cara de fome e magreza de
esqueleto concluiu a sua breve história.
— Toda noite, sempre ouço a mamãe dizer para o meu pai:
“Ricardo, esse negócio seu, no meio das pernas, puta que me pariu, nem Deus
levanta”.
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“LINHAS MALDITAS” VOLUME 3.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista, do aeroporto da Pampulha, em
Belo Horizonte, nas Minas Gerais. 8-2-2017
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