Graça Campos
Já começa a ser comovente a
choradeira pela atribuição do Prémio Nobel da Paz ao presidente da República.
Nos anos 90, ainda os “bajus”
não se referiam ao seu ídolo como o “Arquiteto da Paz”, uma até então
desconhecida Liga dos Intelectuais do Cazenga teve apoios institucionais para
organizar, no edifício da Assembleia Nacional, uma cerimónia que reuniu “meio
país” para implorar a atribuição do Prémio Nobel da Paz a José Eduardo dos
Santos. Nessa altura, Governo e UNITA ainda se digladiavam nos campos de
batalha.
Poucos dias depois, Elísio
Costa, o mentor dessa iniciativa carnavalesca, começou a passear-se pelas ruas
de Luanda num Land Rover…
Em novembro de 2002, o próprio
presidente da República reforçou que o Prémio Nobel da Paz é uma obsessão para
alguns angolanos. No discurso alusivo ao 27º aniversário da independência
nacional, José Eduardo dos Santos reclamou aquele prémio para Angola. Por
modéstia ou por outra razão qualquer, não reivindicou a distinção para si, mas
para o Povo de Angola, que, nas suas palavras, deveria ser distinguido pelos
sacrifícios consentidos e a tenacidade demonstrada na procura de uma solução
para o conflito armado. Desde a sua criação, em 1901, o Prémio Nobel da Paz
nunca foi atribuído a um povo inteiro. Talvez por essa razão, a instituição que
atribui o prémio ignorou olimpicamente a sugestão do presidente angolano.
Em 2013, surgiu uma nova
demonstração de que há angolanos que não descansarão enquanto o prestigioso
prémio não for atribuído a José Eduardo dos Santos.
Uma petição colocada nas redes
sociais, mas de autoria desconhecida, reclamava o prémio para José Eduardo dos
Santos pelo facto de, dentre outras razões, ele ter contribuído para a
independência da África do Sul, em 1910… sucede que, nesse ano, o eterno
candidato ao Nobel nem na barriga da mãe ainda estava. Os proponentes da
iniciativa ignoraram a história. A independência da África do Sul resultou da
guerra entre bóeres e ingleses, dentro do domínio do império britânico.
A choradeira pelo prémio foi
recentemente retomada pelo farsante Antunes Huambo, um sujeito que usa o
púlpito para idolatrar José Eduardo dos Santos. Como em outras ocasiões, os
motivos que ele invoca para sustentar a atribuição do prémio ao seu ídolo são
burlescos.
Mesmo assim, poucos dias
depois de haver defendido a atribuição do prémio ao PR, Antunes Huambo foi
nomeado administrador do até aí inexistente distrito universitário de Talatona…
Lembremos: Elísio Costa, que
nos anos 90 não tinha onde cair morto, passou a exibir um Land Rover novinho em
folha poucos dias depois de haver organizado uma cerimónia pedindo a atribuição
do prémio. Antunes Huambo é nomeado administrador poucos dias depois de haver
reclamado a atribuição do Nobel a JES.
Como não são mentecaptos, os
angolanos já perceberam que esses atos de idolatria a José Eduardo dos Santos
não são assim tão espontâneos. Há uma estrutura por detrás deles. Rendem bens
materiais e outras benesses a quem lhes dá rosto.
Antunes Huambo, Elísio Costa e
tantos outros puxa-sacos de José Eduardo dos Santos talvez não o saibam, mas
para a atribuição do Prémio Nobel da Paz são valorizados muitos aspectos. Em 2013,
na petição em que se pedia a atribuição do prémio a José Eduardo dos Santos,
umas das razões invocadas era o facto de o presidente ter criado uma secretaria
para os direitos humanos. Mas, em Angola, a preocupação com os direitos humanos
esgota-se na criação de uma pasta ministerial para acomodar um ex-comandante da
FLEC, Bento Bembe, sobre o qual pende um mandado de captura dos Estados Unidos,
por rapto de um cidadão norte-americano.
Sejamos sérios: o Comité
do Nobel da Paz alguma vez atribuiria o prémio a um chefe de Estado que se cala
perante o assassínio, pelos seus capachos, de cidadãos indefesos?
Alguém se lembra de uma única
palavra de José Eduardo dos Santos quando a sua guarda pretoriana assassinou,
no dia 26 de novembro de 2003, no embarcadouro do Mussulo, o lavador de carros
Cherokee, pelo “crime” de cantarolar uma música de protesto?
Alguém ouviu da boca de JES
uma única palavra de reprovação dos assassínios de Alves Kamulingue, em 27 de maio de 2012, e de Isaías Cassule, no dia 29
do mesmo mês e ano?
O presidente da República
expressou algum pesar pelo assassínio de Hilberto Ganga, o militante da CASA-CE que um membro da Unidade de
Segurança Presidencial (USP) abateu na noite de 23 de novembro de 2013?
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O malogrado Hilberto Ganga, num momento de alegria com o seu filho |
Ninguém ouviu do presidente da
República uma única palavra de consolo à família do menor Rufino António, de 14 anos, abatido por soldados das FAA quando, em obediência a
ordem superior, procediam à demolição de casas de pobres no Zango.
É o silêncio do presidente da
República que encoraja a Polícia Nacional a reprimir selvaticamente todos os
angolanos que saem à rua para reclamar direitos que são constitucionalmente protegidos.
Algum governador provincial ousaria proibir a realização de manifestações se o
presidente da República acautelasse esse direito constitucional?
Nas regiões diamantíferas da
Lunda-Norte há relatos quase diários de pessoas assassinadas por seguranças de
empresas detidas por generais, sem que isso alguma vez tenha arrancado uma
palavra de comoção do presidente da República.
No ano passado, milhares de
angolanos morreram vítimas de febre-amarela e malária, porque nos hospitais
públicos faltavam até seringas, gaze e outros recursos essenciais, e isto
porque o dinheiro que o Orçamento Geral do Estado destina à saúde foi drenado
para bolsos particulares. O presidente da República puniu alguém pela
escandalosa roubalheira? O presidente da República pediu desculpas às famílias
angolanas que viram seus entes partirem precocemente porque a roubalheira está
institucionalizada?
Sendo absurdo atribuir ao
presidente José Eduardo dos Santos a autoria moral de todas estas mortes,
manda, porém, a sabedoria popular dizer que quem cala consente. O facto de o
presidente da República não se pronunciar (pelo menos publicamente não o faz)
sobre crimes hediondos praticados por pessoas que lhe são próximas significa,
no mínimo, que estes não lhe provocam desconforto algum.
Os aduladores podem ignorar
esses silêncios do presidente da República, mas a comunidade internacional
toma-os se não como aprovação, ao menos como conivência.
Por todas essas razões, os
Huambos, Elísios e outros deste país deveriam abster-se de sequer referir o
prémio. Pedir o Nobel para JES é de tal modo absurdo, que só nos resta concluir
que estes aduladores terão recebido instruções superiores para o fazerem com
espalhafato, em troca de um ganha-pão. Prova disso mesmo são as benesses e
recompensas que recebem sem razão aparente.
Em respeito à sua dignidade, o
presidente da República deveria demarcar-se, de modo inequívoco, dessas
manifestações ridículas. E o mesmo deveria fazer o MPLA. Em qualquer país
sério, o presidente da República sentir-se-ia desconfortável caso a sua
candidatura a um prémio internacional fosse defendida por um farsante como
Antunes Huambo ou um “intelectual” como Elísio Costa. Nada mais
desprestigiante.
Haja noção do ridículo.
Título, Imagens e Texto: Graça Campos, Maka Angola,
2-2-2017
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