João Marques de Almeida
“2017” não é, claramente, “2016” O estado
de graça de Costa acabou-se. Regressado das férias, cometeu um erro enorme:
para relativizar o roubo das armas de Tancos, traiu o Presidente da República.
1. Como todos os namoros, o do Presidente da República e do Primeiro Ministro não resistiu a cenas de ciúmes e a uma traição. Costa foi o ciumento e o traidor. Observando a atividade frenética e a “agenda” da última semana, percebemos que as famosas “férias” do PM foram na verdade uma fuga. Costa não aguenta quando as coisas correm mal. Recordam-se da última semana de campanha das eleições legislativas de 2015? Quando os socialistas perceberam que iam perder as eleições, a prestação de Costa tornou-se penosa. Afirmações lamentáveis, momentos disparatados, iniciativas desastradas – como o jantar da Trindade – até lhe faltou a voz no discurso de encerramento da campanha. Só não foi de “férias”, porque não podia. Mas aquela semana foi um sofrimento para Costa. Não conseguiu lidar com a adversidade. Quando tudo lhe corre mal, Costa precisa de desaparecer. Depois é habilidoso a reaparecer e a retomar a iniciativa.
Após as semanas desastrosas da
segunda metade de junho, aconteceu o mesmo. Costa foi incapaz de lidar com as
dificuldades e aquelas “férias” foram oportunas. Desapareceu, não foi obrigado
a responder a perguntas e a enfrentar os problemas. Deixou Santos Silva para o
fazer (e percebeu-se que o MNE é o verdadeiro número dois do governo; Costa não
governa sem ele). Quando passou a tempestade, Costa reapareceu com iniciativas.
Mas desta vez, o regresso não lhe correu bem. Para se redimir, prejudicou a
relação com Marcelo, e duvido que possam voltar aos tempos felizes de 2016.
Além da dificuldade de lidar
com momentos difíceis, Costa tem outro problema enorme: não consegue estar à
altura de Marcelo na competição dos afetos com o povo. O Presidente é imbatível
e o PM, como segunda figura do regime, é o que mais perde com a comparação.
Irritada com o namoro de Costa com Marcelo, a direita não consegue ver o
sofrimento e os ciúmes do PM. Durante as “férias” de Costa, lembrei-me de outra
famosa fuga do PM: a visita à Índia durante o enterro de Mário Soares. Costa
tem sempre marcações inadiáveis nos grandes momentos de emoção popular e,
curiosamente, sempre fora de Portugal. Senão é de propósito, é uma sorte
incrível.
Obviamente, se quisesse, Costa
teria adiado a visita à Índia para ficar em Lisboa para a última homenagem ao
fundador do PS, ao “Pai” da democracia portuguesa e à figura mais marcante da
história do socialismo em Portugal. Só mesmo a complacência da imprensa
nacional e o estado de graça de Costa na altura é que permitiram que uma enorme
anormalidade se tornasse num momento absolutamente normal. Como foi possível
que um PM socialista não estivesse presente na última homenagem a Mário Soares?
Não me venham com a treta da visita à Índia.
Só acredita nisso quem quer.
A verdadeira razão chama-se
Marcelo Rebelo de Sousa. Para Costa, é um pesadelo estar na sombra do
Presidente nos momentos de grande emoção nacional ou de tragédia. Não aguenta.
Um PM que aposta tudo nas boas notícias, nos afetos e na proximidade com a
população, tem ao seu lado um Presidente que é melhor do que ele. Nesses
momentos, Portugal torna-se demasiado pequeno para ele e para Marcelo. Caros
leitores, acreditem. A comparação com Marcelo, para o PM, é um drama. No
primeiro momento de pânico, foi para a Índia. No segundo, foi de férias.
Mas “2017” não é, claramente,
“2016” O estado de graça de Costa acabou-se. Regressado das férias, cometeu um
erro enorme: para relativizar o roubo das armas de Tancos, traiu o Presidente
da República. Enquanto Costa gozava as suas “férias”, Marcelo foi a Tancos,
convocou um Conselho de Defesa Nacional e pediu um inquérito para apurar tudo o
que se passou. Para Marcelo, o que se passou em Tancos foi muito grave. Costa
regressa e na sua primeira iniciativa pública desautoriza Belém. Ao lado dos
chefes militares, desvalorizou o roubo das armas. Mais, obrigou o Chefe de
Estado Maior das Forças Armadas a dizer o contrário do Comandante Supremo das
Forças Armadas, o Presidente da República. Como foi possível que o PM tenha
forçado um ato de desrespeito pela hierarquia da Estado português? E como foi
possível que o general Pina Monteiro se tenha sujeitado aquele triste papel?
Bem sei que vivemos um momento
em Portugal em que não há respeito pelo sentido de Estado nem pelas
instituições e o PM, como se viu, dá o mau exemplo. Mas Marcelo Rebelo de Sousa
é um institucionalista. O desrespeito e a desautorização públicos de Costa não
lhe escaparam. E não vai esquecer. Ninguém tenha dúvidas sobre isso. O
Presidente terá que repor rapidamente a sua autoridade de Comandante Supremo
das Forças Armadas, posta em causa pelo PM. E o namoro não sobrevive à traição
de Costa. Aliás, o namoro do último ano e maio é que foi estranho. No sistema
político português, os conflitos entre o PM e o PR são inevitáveis, como se tem
visto nos últimos 40 anos.
2. Os ataques de
Costa à Altice na Assembleia da República foram um verdadeiro momento Trump do
PM português. O ataque foi de tal modo inusitado que dei por mim a pensar se
Costa não seria acionista de um dos concorrentes da PT. Como é possível um PM
atacar daquela maneira uma empresa, defendendo implicitamente um concorrente
cotado em bolsa? Não esquecendo que a empresa adquirida pela Altice também está
cotada em bolsa. A afirmação mostra a prepotência, a arrogância e a falta de
cultura económica e financeira de António Costa. Como podem os mercados e as
agências de rating confiar num governo chefiado por um PM que faz afirmações
deste tipo?
3. Os portugueses
já pagaram mais de cinco mil milhões de Euros para capitalizar a Caixa Geral de
Depósitos. Foi o resultado de créditos oferecidos a amigos e parceiros de
negócios, especialmente durante os governos de Sócrates, que utilizaram a CGD
como se fosse o seu tesouro privado. A Assembleia da República preparava-se
para branquear este escândalo financeiro. Devemos estar agradecidos ao
Ministério Público por o ter evitado. Percebe-se a oposição da nossa oligarquia
política à privatização da CGD. No fundo, já o privatizaram, estando-se nas
tintas para o interesse público. O “interesse público” significa os portugueses
pagarem os desvarios do banco privado da oligarquia política.
4. A FLAD, sob a
presidência do Vasco Rato, tem oferecido um contributo exemplar às relações
entre Portugal e os Estados Unidos. Manteve e aprofundou programas científicos
e académicos entre instituições norte-americanas e portuguesas, iniciativas
culturais e projetos de investigação, nomeadamente sobre energia, plataformas
digitais e o oceano Atlântico. Além desta vocação mais natural, a sensibilidade
do seu Presidente para as relações com os Estados Unidos, numa altura em que a
presidência de Trump complica as relações transatlânticas, é uma mais valia
política para Portugal.
5. Por uma vez, um
elogio a uma decisão de António Costa. A nova Secretária de Estado para os
Assuntos Europeus, a Embaixadora Ana Paula Zacarias, é uma excelente escolha. O
seu desempenho como diplomata em Bruxelas, ao serviço de Portugal, foi
respeitado e elogiado por todos. Depois, no serviço externo da União Europeia,
teve um percurso exemplar, nomeadamente como primeira Embaixadora europeia no
Brasil e depois na Colômbia. É muito bom quando uma alta funcionária competente
e com muita qualidade serve o nosso Estado no governo. Sobretudo, nos dias que
correm.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
16-7-2017
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