José Gomes Ferreira
Quando, no início de junho,
fiz uma entrevista ao primeiro-ministro na qual mostrava em grafismo que o
nível de austeridade em Portugal continuava a ser praticamente igual ao do
Governo PDS-CDS-PP, embora com algumas medidas de substituição, levantou-se um
coro de protestos a dizer que o jornalista estava a deturpar a realidade. Esses
protestos não eram apenas de discordância intelectual, eram acompanhados de
violentas acusações e desconsiderações pessoais.
Na formulação das perguntas a
António Costa, tive o cuidado de definir a austeridade como o conjunto de
medidas de política financeira destinadas a reduzir o défice público através do
aumento de receitas e do corte de despesas do Estado, independentemente de cada
uma das medidas considerada isoladamente.
Tive o cuidado de referir que,
por exemplo, os cortes de salários pensões e subsídios tinham sido substituídos
por um aumento de impostos indiretos, nomeadamente sobre combustíveis,
automóvel e selo dos contratos, com efeito equivalente.
António Costa respondeu que eu
estava errado, porque “a austeridade é o que as pessoas sentem no bolso”. E que
estava mesmo a acabar com a austeridade porque tinha acabado com os cortes de
salários, pensões e subsídios e com a sobretaxa de IRS. Isso sim, era
austeridade e estava praticamente acabada.
Afinal, o próprio Governo vem
desmentir esta interpretação redutora do conceito e revelar que o conceito de
austeridade que segue é mesmo o mais lato, aquele que eu usei na entrevista ao
primeiro-ministro.
A primeira admissão dessa
contradição foi dada pelo deputado socialista João Galamba, na quinta-feira passada,
em direto no programa Opinião Pública da SIC Notícias.
Nesse programa sobre
consequências das cativações orçamentais decididas pelo Ministro das Finanças,
eu tinha dito que não eram as cativações e os cortes que justificavam um roubo
no quartel militar de Tancos. Isso só poderia dever-se a incompetência de quem
guardava o espaço.
Pouco depois, em direto a
partir do Parlamento, João Galamba dizia que eu tinha razão. De facto, a
austeridade em vigor não justifica que haja roubos de armas em instalações
militares nem descoordenações entre forças de proteção civil durante incêndios.
Esta quarta-feira, é o
secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares quem vem dizer em entrevista ao
Diário de Notícias que “a austeridade presente e passada não é a causa dos
últimos acontecimentos”. E tem razão, não é.
Mas afinal, Pedro Nuno Santos
admite que há austeridade no presente?
Este Governo está a fazer
austeridade?
Ai sim?
Pela boca morre o peixe.
Que por razões de taticismo
partidário o Governo diga uma coisa numa semana e o seu contrário na semana
seguinte, eu até consigo perceber. Faz parte da natureza da luta política.
Mas que as vozes do dono, mais
papistas que o papa, que enxameiam as redes sociais e os comentários de certos
espaços alegadamente informativos, andem a queimar impunemente o jornalismo
independente, isso a sociedade não deve aceitar.
Que tal retratarem-se e
apresentarem um pedido de desculpas?
Têm agora uma boa
oportunidade.
Conseguirão ser capazes desse
gesto de decência, pelo menos uma vez na vida?
Título e Texto: José Gomes Ferreira, SIC Notícias, 12-7-2017
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