Aparecido Raimundo de Souza
UM SUJEITO COM SEU Honda Civic
Sport novinho em folha chegou à loja de assessórios para automóveis e disse
para a recepcionista que imediatamente o veio atender.
- Gostaria de colocar um
anti-radar. Um amigo meu, o Genésio, do DETRAN, me falou que vocês, por debaixo
dos panos...
- Claro, o senhor Genésio é
nosso cliente antigo. O senhor tem ficha aqui com a gente?
- Tenho sim. Meses atrás vocês
colocaram um DVD e um aparelho de TV num outro veículo que possuo.
Outro cidadão, numa Mercedes
Benz, ao ver aquela beldade esvoaçante, os cabelos avermelhados como as
penugens de um Cardinal vindo em sua direção, pulou do veículo e se adiantou, a
ela, as sobrancelhas erguidas sobre as têmporas.
- Bom dia. Estou atrás de um
anti-pardal. Vocês têm para vender?
- Com certeza. O senhor veio
indicado por alguém?
- Sim. Pelo Odair do posto de
gasolina.
- Perfeito. Tem ficha na casa?
- Não.
- Vou providenciar e logo
sairá daqui com tudo nos conformes.
O terceiro da fila era um
senhor na casa dos sessenta, acondicionado num Renault Kwid. Assim que a
recepcionista o interpelou, se derreteu em mesuras e mandou bala.
- Não sei se vocês fazem esse
tipo de serviço...
- E qual seria “esse tipo de
serviço” meu simpático cavalheiro?
- A instalação de um inibidor
anti-furto. E gostaria, igualmente, de acrescentar um espião de radar. Como
viajo muito, necessito evitar as multas...
- Executamos esses serviços
sim. E outros mais. O senhor veio ao lugar certo. Terá apenas que esperar um
bocadinho. Enquanto providencio a ficha desses amigos que chegaram à sua
frente. Rogo ao distinto que vá até aquele balcão e peça à Jacira, nossa
atendente, uma água bem gelada e um café. Por favor, fique à vontade. Antes que
me esqueça. Veio indicado?
- Sim, pelo Waldomiro da
farmácia. Ele disse que, se houver alguma dúvida, em face desse equipamento
ser, entre aspas, proibido no mercado, para a senhorita ou alguém daqui ligar
que ele confirma.
- Não se preocupe. Seu
Waldomiro é nosso cliente de muitos anos. O senhor tem cadastro com a gente?
- Não. Se precisar assinar
alguma coisa é só me trazer a papelada.
- De pronto, só necessito da sua
Identidade, CPF, telefones de contato e endereço.
Mal acabara com esse, pintou
na área mais dois cidadãos num Fusca amarelo 2017. A recepcionista prontamente
correu ao encontro de ambos. Esse mês a comissão seria polpuda, além do salário
fixo na carteira.
- Bom dia? Em que posso ajudar
os distintos?
O moço de calça jeans e blusa
branca que dirigia se antecipou ao que viera com ele e indagou:
- Vocês colocam anti-radar?
- Perfeitamente.
- Eu gostaria de um desses
brinquedinhos no meu “pé-de borracha”.
- Só temos um probleminha.
Demorará um pouquinho. Temos gente na fila. Porém, com certeza, o amigo sairá
daqui satisfeito.
- Sem problema. Estou com o
dia todo folgado. Não importa o tempo.
- Quem lhe deu a nossa
indicação?
- Desculpe, ia me esquecendo.
O Genésio, do DETRAN.
- É freguês da casa?
- Não, primeira vez.
- Vamos providenciar seu
cadastro. Por gentileza, me veja seus documentos.
O carona, de boné, bermuda e
camiseta regata, que até então estivera calado, indagou enquanto lançava uma
corrida de olhos nas belas pernas da jovem.
- E o senhor, pois não? Qual
seu problema ou só está acompanhando o amigo?
- Meu problema é você...
- Não entendi.
- Venha comigo e todos os meus
anseios terão fim.
A gostosa recepcionista, fina
e educada, com essa gaiatice, por um instante, se embaraçou. Contudo, fingiu
não ter assimilado a cantada e desconversou:
- O que nossa loja poderá
fazer pelo simpático e educado mancebo?
- Pretendo assim que o meu
amigo aí estiver livre, trazer meu possante até aqui, um Citroen Berlingo para
instalar uma televisão no painel e um anti-radar. Depois de tudo pronto e após
terminar seu expediente, gostaria de convidá-la para um jantar à luz de
velas.
- À luz do que, senhor?
- Das velas. Só nos dois...
- Me diga qual é seu carro,
tendo em vista aproveitado o vácuo de seu amigo. Para adiantar, vou
providenciando a sua ficha e comunicar os seus serviços ao encarregado da seção
que cuidará do seu “possante”. Me passe
por obséquio seus documentos pessoais.
Sorriu brejeira, antes de
continuar e engolir aquela cantada idiota que lhe dava asco. Todo santo dia
pintava um engraçadinho com uma conversa fora de esquadro.
- Enquanto espera a sua vez,
sugiro faça como os demais. Continue na sombra de seu amigo. Vá até a copa, dê
um bom dia à Jacira, beba uma água gelada e tome um café. Com licença.
Vinte minutos depois,
estaciona de frente da concorrida loja, uma loira alta e magra, ricamente
vestida num Maserati zero bala, todo preto, 3.0, Teto solar, 4 portas, entre
outras comodidades da tecnologia. Ao sair dele, com um movimento enérgico,
todos, sem exceção, que se achavam aglomerados na recepção (inclusive os
funcionários), estancaram o que faziam, para uma olhada naquela coisa angelical
e indescritível, como um bibelô artístico, que enfeitara o ambiente com a sua
elegância ímpar, gosto apurado e gestos literalmente delicados.
Até a deusa da recepção, por
um mísero de segundo, se sentiu baqueada, pequena diante daquela modelo
inimitável que adentrava, vibrando sobre seus delicados pés, trazendo na tez
fina um sorriso deslumbrante. Lembrava ainda que distantemente um galgo prestes
a dar uma mordida inofensiva. Sem perder a postura e o charme, partiu
atendê-la, com um espanto repentino que a rejuvenesceu com uma rijeza
prazerosa.
- Bom dia, senhorita. Em que
posso ajudá-la?
A encantada criatura retirou
os óculos escuros e encarou a interlocutora.
- Necessito instalar, para
ontem, um para-raios no meu carro.
A recepcionista franziu o
cenho, estranhando aquele produto. Repetiu incrédula.
- Para-raios?
- Foi o que eu disse. Vocês
devem ter em estoque para comercialização e, com certeza, o disponibilizam.
Estou certa?
- Para-raios? Um instante, por
favor.
Enquanto os plantonistas que
aguardavam vez colocavam em seus olhos largas gotas daquele colírio delirante,
a atendente saiu à cata do gerente da loja. Menos de um minuto depois, retornou
com um cidadão baixinho e careca, acondicionado num terno marrom impecável.
- Bom dia, senhorita. Qual a
sua graça?
- Arlinda. E o seu?
- Borlote. Carlos Borlote às
suas ordens.
- Prazer.
- A minha funcionária disse
que a senhorita gostaria de instalar em seu veículo um...?
- Um para-raios!
- Não seria, por acaso um
anti-radar?
- Nada disso. É como eu disse:
para-raios.
O gerente, solícito, meio que
sem graça, se abriu num sorriso amarelo mesclado de cortesia e espanto. Coçou a
orelha direita, impaciente. Sempre coçava a orelha direita quando alguma
normalidade pintava do nada.
- Desculpe minha linda.
Trabalho e não só trabalho... vivo e atuo, no ramo de instalações há mais de
vinte e cinco anos e confesso, nunca ouvi falar nesse equipamento. Pelo menos
para particulares de passeio...
- Eu sei moço. Mas está vendo
o meu? É um Maserati. Acabei de tirá-lo da concessionária. Observe que nem
placa deu tempo de colocar.
- Tudo bem, senhorita.
Compreendo, entretanto, esse apetrecho...
- Vocês instalam, sim ou não?
- Por que a senhorita quer um
para-raios em seu carro?
A loira, dona de si, o rosto
redondo, rosado, magistralmente maquiado, onde um par de olhos enormes e a boca
pequena, fina e embutida, pareciam donairosear com pudor comedido e estudado,
rodeada de curiosos além dos demais funcionários, e dos clientes que aguardavam,
abriu o jogo sem mais delongas.
- Para me proteger, ora bolas!
A mim e a meu sonho de consumo.
- Por certo. A senhorita está
coberta de razão. Mas me perdoe a mera curiosidade. Proteger a senhorita
exatamente do quê?
- Fala sério! Não acredito no que acabou de me falar. Estou
rosa.
Tomando os presentes como
testemunhas, completou saliente e timidamente exagerada:
- Meu caro Borlote. É esse seu
nome, estou certa? Acho que ouvi direito. Seu Borlote, acaso nunca ouviu falar
de “um tal de sequestro relâmpago?”.
A risada da galera em derredor
pipocou geral.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza. Dos
Estúdios Globo, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. 10-10-2017
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