Gabriel Mithá Ribeiro
Resta decretar o estado de emergência
climática que, na prática, se traduz no combate ao capitalismo em nome do
socialismo, mas na condição daquele disponibilizar muitos mil milhões de
dólares a este
A viragem radical dos
holofotes políticos e mediáticos do mundo para a Amazônia deixa-me bem mais
apreensivo sobre a sanidade mental da espécie do que com o impacto dos
incêndios, ainda que não negue a gravidade dos últimos, como não negaria em
anos e décadas precedentes e futuros.
Também não nego que, por responsabilidades que todos partilhamos, vivemos compelidos a repor certos equilíbrios ambientais em muito resultantes de excessos da pressão demográfica, assim como a termos de combater a poluição que contamina a atmosfera, solos, rios, mares.
Também não nego que, por responsabilidades que todos partilhamos, vivemos compelidos a repor certos equilíbrios ambientais em muito resultantes de excessos da pressão demográfica, assim como a termos de combater a poluição que contamina a atmosfera, solos, rios, mares.
Anoto que os equilíbrios
ambientais e a poluição são dois assuntos que não se misturam necessariamente
com um terceiro, o das alterações climáticas, embora seja o último que venda
jornais e influencie resultados de eleições.
Todavia, nenhum dos desafios
referidos se aproximará de soluções sustentáveis enquanto se deixar para trás a
fonte contaminada e contaminadora por excelência, o pensamento. Quer dizer que
poluição-mor reside no interior das nossas cabeças, no modo como o sujeito
individual e o sujeito coletivo pensam e se relacionam com o seu meio
envolvente. É aí que sobressai a pesada herança soviética (1917-1991) que
deixou o mundo submerso em lixo intelectual e acadêmico que nunca parou de
crescer por se alimentar dele mesmo, a característica mais saliente das elites
atuais.
Por estes dias, basta ligarmos
televisões ou rádios, lermos jornais ou consultarmos as mais variadas
informações e troca de argumentos disponíveis na Internet para termos a certeza
que o fogo da Amazônia passou a arder muitíssimo mais dentro das nossas cabeças
do que na natureza propriamente dita. É o resultado de uma época que
sobrecarrega os indivíduos de informações à lá carte, contexto
propiciador de manipulações que atentam contra a capacidade humana de pensar.
Isso porque o pensamento depende muitíssimo mais do respeito por regras
fundamentais de construção de conhecimentos, poucas, mas indispensáveis, do que
da quantidade interminável, anárquica e mal digerida de informações que se
debitam no espaço público.
Foram as regras da construção
do conhecimento que fundaram e sustentam o mundo civilizado, e que os
soviéticos jogaram no lixo. Eles desapareceram, mas a sua atitude resiste nos
seus herdeiros que a transformaram em objeto de culto e de divulgação
massificada.
É por isso que é decisivo hoje
voltar a defender a liberdade de pensar, e de pensar diferente, tendo em conta
que esse direito humano fundamental é incompatível com o envenenamento do
pensamento social resultante da quebra das regras do conhecimento. As questões
climáticas e ambientais são apenas sintomas da poluição do pensamento que se
espraia pelo ensino, economia, instituições, cultura, por aí adiante.
É por isso fundamental o
regresso aos ensinamentos de Max Weber. Seleciono duas das regras que o
sociólogo alemão tomou como elementares na elaboração de conhecimentos, um
teste do algodão contra a ignorância, o misticismo, a loucura e demais
variantes do gênero.
A primeira regra é a de
sabermos que existe uma relação inversa entre, por um lado, a atitude de
compreender, interpretar ou analisar um dado objeto ou fenômeno e, por outro
lado, a atitude de emitir juízos valorativos, normativos ou dogmáticos sobre
esse mesmo objeto ou fenômeno. Defendia Max Weber que quanto mais julgamos
menos compreendemos, e vice-versa.
Foi o lado pior dessa relação
tendencialmente exclusiva que tomou conta do espaço público e publicado, assim
como dos sistemas de ensino. Tropeçamos nele a toda a hora através do exemplo
dos narcísicos que não dão tempo a certos políticos para que
se possam fazer balanços fidedignos da sua ação após um ciclo; daqueles que
renegam a complexidade da relação de qualquer sujeito político com o poder;
daqueles que por antecipação produzem julgamentos valorativos, normativos ou
dogmáticos em resultado de certezas absolutas que alimentam fundadas em meras
suposições ou projeções especulativas.
Para eles, enquanto certas governações
foram, são e serão necessariamente erradas, injustas, más, antidemocráticas, caóticas, catastróficas, irão
conduzir o país e o mundo ao descalabro, destruir a economia, o estado,
o planeta; outras governações, as da sua preferência política,
aprioristicamente e para todo o sempre apresentarão resultados opostos,
justificando-se se necessário a atribuição do prêmio Nobel da Paz antes de
qualquer balanço razoável da respetiva ação governativa ou a anulação de penas
judiciais mesmo depois de práticas criminosas reiteradas durante o exercício
relativamente tranquilo da governação. O real vivido transforma-se, portanto,
num mero detalhe descartável.
Considerando que os fundamentos
da racionalidade e do conhecimento implicam princípios de aplicabilidade
universal, em si a seletividade e parcialidade do olhar no sentido referido
constituem a negação de um pressuposto elementar na validação de qualquer
conhecimento como racional, analítico, fiável, sério. Isso é mais do que
suficiente para se concluir que são demasiado escassas as hipóteses de tomar
como intelectualmente válidas a esmagadora maioria das apreciações elaboradas
sobre governantes aprioristicamente julgados como, por exemplo, Trump,
Bolsonaro, Orbán, Salvini, entre outros. Eles são a mira que permite
identificar os novos bárbaros mentais.
Em sociologia, é tradição
ensinar-se que quem quer compreender o mundo através dos jornais pouco mais
conhecerá do que o que se passa no interior das redações desses mesmos jornais.
Portanto, a realidade que hoje se vive na Amazónia é uma coisa, o folclore
mediático e político em torno da Amazónia é um assunto substantivamente
distinto.
A segunda regra de Max Weber é
a da neutralidade axiológica. Entre outros fundamentos, ela implica
nunca descartar a hipótese contrária à que defendemos quando construímos
conhecimentos sobre a realidade vivida se a hipótese contrária também for
plausível. A regra é tanto mais elementar quanto mais tivermos de recorrer a
pressupostos especulativos, o que é inevitável quando estão em causa objetos de
estudo empíricos dificilmente delimitáveis no tempo e no espaço.
Não é necessário ser
especialista numa dada área, como a do ambiente, para aplicar a regra em nome
da honestidade.
Vamos admitir ser indiscutível
que a terra atravessa um ciclo de aumento inabitual das temperaturas (o aquecimento
global). As alterações na duração e características das estações do ano, os
avanços do degelo nas zonas polares, a subida do nível médio das águas, a
proliferação incomum de fogos florestais, entre outras ocorrências garantem um
suporte empírico fidedigno. Vamos também admitir a hipótese de a terra, mesmo
que desde sempre tenha vivido em constantes transformações (climáticas, morfológicas
etc.), atravessa um ciclo fora do normal para os seus milhões de anos de
existência. Vamos ainda descartar a hipótese de a causa maior dos
desequilíbrios ambientais poder ser a explosão demográfica, mesmo que essa
decisão seja (muito) discutível. Por último, assumamos que as alterações
climáticas, os desequilíbrios ambientais e a poluição são sinônimos, ainda que
saibamos que tal não corresponda à realidade.
Arrumados os pressupostos,
concluamos que as ameaças em curso estão espelhadas nas transformações das
características da atmosfera, sendo que esta passa a ser o aferidor do impacto
das políticas ambientais presentes e futuras orientadas para a correção da ação
humana. Esta é por nós considerada poluidora porque comprometida com um estilo de
vida que rotulamos de capitalista, e cuja atividade económica
associada retratamos como capitalista selvagem.
Assim sendo, resta-nos
decretar o estado de emergência climática que, na prática, se
traduz no combate ao capitalismo em nome do socialismo
progressista, mas com a condição daquele disponibilizar muitos mil milhões
de dólares a este. O detalhe é o das certezas terminarem aí sem que existam
garantias quanto a resultados aferíveis.
Pode então entrar em jogo a
segunda regra de Max Weber. Aprendi com um professor notável, Franz-Wilhelm
Heimer, uma máxima (cito de memória): Você viu as ovelhas? Estavam
tosquiadas? E viu-as também do outro lado?
Aplicado ao assunto em apreço,
a testagem poderia ser: Você confirmou os dados na atmosfera, mares,
rios, através do clima? E viu também o outro lado? Você verificou a atividade
geológica do subsolo? Garante que as alterações climáticas, ou o aquecimento
global, não têm qualquer relação com a atividade geológica do interior da
crosta terrestre (manto superior, manto, núcleo externo e núcleo interno)? Pode
garantir que os fenômenos que aí ocorrem não têm influência no subsolo e no
solo com impacto no aquecimento da terra? Que processos ou instrumentos foram
usados com esse propósito nos últimos séculos? É capaz de garantir que daqui a
meio século, um século, dois séculos, o que seja, não entrarão em erupção
vulcões em áreas onde hoje podem, por hipótese, estar a manifestar-se sintomas
como o degelo ou onde aumentou a propensão para incêndios florestais e para a
desertificação? Se, por hipótese, a atividade geológica do subsolo se revelar a
variável mais significativa das alterações climáticas em curso, é possível
intervir nas causas? Haverá diferenças substanciais em relação a fenômenos equiparáveis do passado?
Poder-se-ia continuar. Ainda
que tudo isto seja especulativo, e ainda que a terminologia utilizada possa não
ser a mais rigorosa, qualquer cabeça honesta não impõe certezas onde elas não
existem, nem talvez algum dia possam existir. As dúvidas incontornáveis não são
substituíveis por certezas dogmáticas ficcionadas, tal como se procedia em
tempos e sociedades pré-racionais.
Mas é quase só isso que os
atuais ambientalistas-progressistas conseguem garantir. Eles sofrem e propagam
uma patologia mental que merece a dignidade de um nome, talvez doença
da Amazônia.
Quem sabe se não tem sido essa falha que tem travado os avanços terapêuticos de modo a evitar uma pandemia mental, se é que ainda vamos a tempo.
Quem sabe se não tem sido essa falha que tem travado os avanços terapêuticos de modo a evitar uma pandemia mental, se é que ainda vamos a tempo.
Título e Texto: Gabriel
Mithá Ribeiro, Observador,
17-9-2019
Marcação de Texto: JP
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